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Capítulo 4: Inovação e inclusão políticas, práticas e cultura

5.1. Estudo de caso onde o universo das ideias se funde com o cenário das

Como já tivemos oportunidade de referir anteriormente, enquadrámos a nossa investigação no paradigma das pesquisas compreensivas, na medida em que nos propusemos perceber o fenómeno Modelo de Educação Especial na Madeira de 1965 a 2011: Conhecimento, cenários e propósitos, numa perspetiva diacrónica, configurado num estudo de caso.

De acordo com Hammersley e Atkinson (2005, p. 45) quando admitem que “Las experiencias se convierten en interesantes o significativas para las ideas teóricas: los estímulos no son intrínsecos a las experiencias en sí”, pensamos que o facto de penetrar nos cenários da realidade, que nos propusemos estudar, munidos dos referentes teóricos, oriundos da revisão da literatura que empreendemos e que aprofundámos, nos permitirá agilizar ideias e argumentos para sermos capazes de focar o olhar no essencial da nossa busca.

Assim, examinaremos o legado que retrata a história da Educação Especial na Madeira, imanente e expresso em relatos, memórias, contributos, registos, representações e vivências.

Fá-lo-emos tendo por base as opiniões dos nossos entrevistados que, tendo estado ligados e envolvidos, em diferentes circunstâncias e períodos, aos acontecimentos, recordaram e caraterizaram, junto de nós, um percurso singular, a partir de uma visão iluminada e esclarecida pela evocação de factos, de dinâmicas, de escolhas, de pessoas e de grupos.

Com este contributo, complementado pela consulta de documentos oficiais, de notícias, de artigos de opinião e de discursos, alcançaremos o que, ao longo de, sensivelmente, quatro décadas e meia, foi protagonizado em termos de políticas e de práticas, na vertente do atendimento à população com necessidades especiais, na Madeira.

Comungamos do pensamento de Yin (2002) quando, reportando-se à abrangência e ao alcance do estudo de caso, enquanto ferramenta potenciadora da compreensão do tecido social, imerso nos seus distintos cenários e infindáveis inter-relações, o autor destaca:

Using case studies for research purposes remains one of the most challenging of all social science endeavors (...) As a research strategy, the case study is used in many situations to contribute to our knowledge of individual, group, organizational, social, political, and

related phenomena (p. 1).

Reafirmamos, ainda, a nossa identificação com esta metodologia compreensiva, a qual, de acordo com Merriam (1998) “(...) is an umbrela concept covering several forms of inquiry that help us understand and explain the meaning of social phenomena with as little disruption of the natural setting as possible (...)” (p. 5).

Prosseguindo ainda nesta senda de ideias que escrutinam e reorientam a nossa reflexão, também Santos Guerra (2006), citando Poupart (1997) elucida-nos:

(...) as metodologias compreensivas são de várias ordens: de ordem epistemológica, na medida em que os actores são considerados indispensáveis para entender os comportamentos sociais; de ordem ética e política, pois permitem aprofundar as contradições e os dilemas que atravessam a sociedade concreta; e de ordem metodológica, como instrumento privilegiado de análise das experiências e do sentido de acção(p. 10). No entanto, apesar de todas as virtudes elencadas anteriormente e como acontece com qualquer outro instrumento de investigação, tendo em vista a análise e a apropriação do conhecimento, que nos propomos alcançar, a aplicação do estudo de caso à pesquisa não se revela um processo nada simples, nem linear. Muito pelo contrário, ele exige e implica uma séria minúcia ao nível das decisões e dos procedimentos que devem ser acautelados, no sentido de uma utilização correta, fidedigna e harmoniosa.

Neste sentido, Yin (2002) adverte-nos para o facto de que, relativamente à realização do estudo de caso, devemos ter em conta o que ele denomina “(...) a basic list of commonly required skills”, nomeadamente:

- A good case study investigator should be able to ask good questions - and interpret the answers.

- An investigator should be a good “listener” and not be trapped by his or her own ideologies or preconceptions.

- An investigator should be adaptative and flexible, so that newly encountered situations can be seen as opportunities, not threats.

- An investigator should must have a firm grasp of the issues being studied, whether this is a theoretical or policy orientation, even if in an exploratory mode. Such a grasp reduces the relevant events and information to be sought to manageable proportions.

- A person should be unbiased by preconceived notions, including those derived from theory. Thus, a person should be sensitive and responsive to contradictory evidence (p. 59).

Ao ampliar a ideia, explicitada anteriormente, e na justificação da relevância que o estudo de caso estabelece, no campo investigativo, Sousa (2005) conclui:

A principal vantagem do estudo de caso consiste exactamente na concentração das atenções do investigador e na utilização cruzada de diversos instrumentos de avaliação sobre um caso ou situação específica, procurando identificar os diversos processos interactivos em

curso, para melhor compreender a sua fenomenologia (...)(p. 139).

O referido autor (ibidem), vai mais longe e, citando Lewin, esclarece a centralidade do estudo de caso no campo da pesquisa, sustentando-o em três alicerces essenciais:

1 - A análise de um caso concreto e autêntico, possuidor de uma dada singularidade ou de um carácter excepcional, apresenta uma maior riqueza de estudo do que um caminho visando as generalidades;

2 - Compreender não se limita à procura das causas profundas, guardadas nas caves do inconsciente ou nas brumas do passado, mas colocar em relação os dados actuais de uma situação real e concreta, procurando a sua configuração, a sua articulação e a sua evolução; é procurar a significação dos dados através da sua posição no campo situacional total; 3 - A conceptualização é essencial após a análise de um caso, o que significa a necessidade de se formularem as ideias gerais ou os conceitos-chave que poderão ser inferidos do estudo de caso. Trata-se porém, de uma conceptualização operatória, hipotética, em que as generalizações não serão ainda leis abstractas mas certas condutas, princípios directores ou aspectos a ter em atenção em posteriores estudos de casos ou em situações da vida real (Lewin, cit. por Sousa, 2005, p. 140).

Daqui decorre a circunstância de que a investigação, apoiada em estudos de caso, supõe a assunção de atitudes de análise rigorosa e, ao mesmo tempo, de abertura aos ditames dos fenómenos vivenciais e sociais, sempre dinâmicos e eivados de novidade e, como tal, potencialmente distintos em termos da sua natureza e alcance.

Saint-Maurice, no prefácio à obra de Ghiglione e Matalon (1997, p. xi), refere: “Para acompanhar, no plano do conhecimento, o ritmo de transformação das sociedades modernas é necessário, antes de mais, observar a realidade de forma sistemática e precisa, mas sem descurar o seu carácter sistémico e dialéctico”. Esta afirmação sustenta a nossa convicção de que, a eleição do estudo de caso, enquanto metodologia para liderar o presente trabalho, permitir-nos- á captar e relacionar os diferentes acontecimentos, contextos, circunstâncias, fenómenos e atores, circunscritos à situação em estudo.

Reforçando esta linha de pensamento, Yin (2005) também aponta o estudo de caso como ferramenta de pesquisa abrangente, reportando-a, enquanto método de pesquisa intrínseco às investigações que se propõem analisar e compreender fenómenos da atualidade, perfilados em contextos reais e dimensões holísticas de intervenção.

Para Merrian (1998) o estudo de caso “(...) offers insights and illuminates meanings that expand its readers experiences. (...) plays an important role in advancing a field’s knowledge base (...) because of its strengths, case study is a particular appealing design for applied fields of study such as education” (p. 41).

Para tal, na opinião do autor supracitado (ibidem, 1998) o estudo de caso implica que o investigador estabeleça uma boa planificação e a conjugue com uma escolha minuciosa de

técnicas de recolha de dados, que desembocarão numa consequente e indispensável identificação, interpretação e análise de considerações, evidências e resultados.

Por outro lado, Fortin (2009, p. 149) alerta para o facto de que “a colheita dos dados não pode ser encetada senão quando o investigador aguçou fortemente a sua sensibilidade para o fenómeno a estudar”, ideia que Creswell (2007) reformula, acrescentando: “(...) case study research involves the study of an issue explored through one ore more cases within a bounded system (i.e., a setting, a context)” (p. 73).

Consequentemente, tendo em linha de conta o objeto da nossa investigação, esta abordagem do tipo qualitativo, apoiada num estudo de caso, patenteia a certeza de que a mesma se adequa à análise de um modelo singular de atendimento, que surgiu numa circunstância peculiar e num local concreto, tendo-se edificado, expandido e constituído em fenómeno frequentemente referenciado em diferentes instâncias e ocasiões.

5.2. (As) Histórias de vida: do encalço da memória aos ditames do presente

Na amálgama do quotidiano a vida brota, amplia-se, tece-se e revela-se. Os olhares, as experiências, as interpretações, os projetos, as atitudes, as escolhas e as tomadas de decisão alimentam a cadência dos dias e, de modo indelével, instituem as histórias de vida de cada ser humano, qual pedra angular que sustém itinerários pródigos em acontecimentos.

Por tudo isto, quisemos, também, munir-nos da metodologia “histórias de vida” de modo a podermos analisar e compreender melhor o campo em que nos movíamos.

De acordo com Goodson (2010, p. 4) “As histórias de vida são capazes de iluminar a relação entre a subjetividade humana e a objetividade das situações”. Também Moran (2014), em anuência com esta prerrogativa, reitera:

O que nos torna humanos é a capacidade de contar histórias, de imaginar, de olhar o passado o presente e o futuro, reinterpretando-os, reelaborando-os, modificando-os (...) cada pessoa vive sua narrativa pessoal, colocada como mosaico de muitos pedaços diferentes (...) pelas narrativas visualizamos – primeiro para nós e depois para os demais - como percebemos o mundo, nossas sínteses provisórias, nossos sonhos, desejos, frustrações (p. 47).

Ainda neste sentido, Goodson (2015) reforça o seu pensamento, ao constatar: “Everyone has stories to tell. No life can truly be considered uneventful or boring: and life history helps to remind us of this, as it also shows how individual lives are affected by when, where, how and by whom (in social position terms) they are lived” (p. 108).

Consequentemente, acreditamos que o recurso às histórias de vida, associada a outras ferramentas, potenciará o trajeto da nossa investigação, na medida em que as ações que

corporizam o cerne dos fenómenos, que nos aliciam e que nos propomos analisar, foram, indubitavelmente, protagonizadas e vivificadas por pessoas concretas. Dar-lhes vez e voz, reedificando vivências, acontecimentos e representações é aquilo a que as histórias de vida se propõem, enquanto metodologia de investigação que se afirma, paulatinamente, num tempo que Goodson (2015) intitula de “época de narrativas”, quando reitera:

Há um consenso na atualidade de que vivemos numa “era da narrativa”, ainda que, na realidade, a questão seja bem mais complexa. Apesar de ser verdade que as narrativas e as estórias fazem parte do nosso dia a dia, a escala, o âmbito e as aspirações dessas narrativas mudaram significativamente. Estamos, com efeito, a entrar num período de narrativas específicas: as narrativas de vida e as narrativas de pequena escala (p. 6).

Imbuídos destas ideias e pressupostos, devemos confessar que, à medida que nos movimentávamos e aprofundávamos o itinerário da nossa pesquisa, fomo-nos deparando com a relevância da pessoa do professor Eleutério de Aguiar que, indiscutivelmente, e de um modo muito sui generis, abraçou a Educação Especial na Madeira, desde os seus primórdios e ao longo de várias décadas.

No entanto, apesar de definitivamente decididos a perpassar a sua história de vida, fomos, a pouco e pouco, invadidos por um intenso desassossego: ao mesmo tempo que nos parecia evidente que o seu itinerário vivencial deveria ser “ouvido” e “interpretado”, começou a inquietar-nos a impossibilidade de já não o podermos escutar, na primeira pessoa.

Situados, então, entre o dilema história de vida “para nós”, contada “pelo próprio” e o facto do “contador dessa história” já não pertencer ao mundo dos viventes moveu-nos o desejo de, ainda assim, tornar presente e perpetuar a imanência da história de vida do Professor Eleutério (re)contada a partir da dissecação dos seus discursos, registos e ações, a que associámos as vozes de familiares, amigos e colaboradores.

Por conseguinte, olhar e analisar o perfil pessoal e profissional deste líder, nas vozes de familiares e de profissionais que o conheceram e com ele trabalharam, tornou-se, a determinada altura, um imperativo amplamente desafiante, rumo a um exímio exercício de hermenêutica dialógica pelos meandros de uma “retrospective life story”, tendo em vista a análise do impacto social de um percurso de vida, inculcado no modelo de atendimento que se constitui em campo e objeto do nosso estudo.

Depois, identificados com o que Goodson (2010) sugere, quando afirma:

As a general rule, life history research is more likely to appeal to the incurably curious who are interested in, and fascinated by, the minutiae of others’ lives, and particularly in how people make sense of their experiences and of the world around them (...) to share one’s

own experiences (...) able to listen attentively and beyond what is actually being said (...) (p. 20),

focámo-nos no manancial de conhecimento em que as histórias de vida se podem tornar para, por seu intermédio, perscrutarmos, junto dos entrevistados que tinham exercido funções no seio da Educação Especial, que relevância e que transformações esta sua opção profissional tinha operado nas suas vidas, de acordo com a proposta que Goodson (2010) nos deixa, neste âmbito:

Who are You? What are you? Why are you? Why do you think, believe, do, make sense of the world and the things that happen to you, as you do? Why have these particular things happened to you? Why has your life taken the course that it has? Where is it likely to go? What is your total experience like in relation to the experiences of other people? What are the differences and similarities? Why are there differences and similarities? How does your life articulate with those of others within the various social worlds you inhabit? What are the influences on your life and what influence and inhabit? What are the influences on your life and what influence and impact do you have? What is the meaning of live? How do you story your life? Why do you story it in this way? What resources do you employ in assembling your life story? (p. 1).