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Capítulo 6: Apresentação e discussão dos resultados

6.1. Narrativa I: da história e dos lugares

6.1.2. Os marcos históricos e ideológicos

No nosso segundo objetivo específico através do qual nos propomos Investigar o

modelo de Educação Especial à luz das recomendações internacionais neste domínio,

auxiliados pela questão de investigação: Que Recomendações Internacionais foram

retratadas na implementação de práticas? estabelecemos uma relação entre as iniciativas,

elencadas a nível global, com aquelas que foram surgindo em termos locais, na Madeira. De facto, a nível internacional, na época previamente referenciada, encontramos, descritos na literatura, alguns marcos históricos, na área da Educação Especial, que consideramos pertinente destacar, dada a similitude que patenteiam, relativamente aos acontecimentos de índole regional, neste campo.

Assim e, curiosamente, foi em 1966 que a UNESCO/OIT, ao definir as atribuições dos docentes, estabeleceu nos “Objetivos da educação e política educacional” o direito de algumas crianças à educação especial, recomendando que:

(...) Em cada País deveriam ser tomadas as medidas adequadas para formular uma política educacional global (...) tendo em conta todos os recursos e todas as capacidades disponíveis.

As autoridades competentes deveriam ter na devida conta as consequências para o pessoal docente, dos princípios e objetivos seguintes:

É direito fundamental de toda a criança, beneficiar de todas as oportunidades de educação; deveria prestar-se uma atenção particular às crianças que exijam um tratamento educativo especial (UNESCO/OIT, 1966).

Por conseguinte, damo-nos conta de que, fazendo jus a esta recomendação, foi mais ou menos por esta altura que a Madeira iniciou o despiste da deficiência, conforme já referimos e, consequentemente, desencadeou a criação de serviços com respostas educativas específicas para as crianças e jovens sinalizados.

Envolto neste ambiente, para superintender e coordenar as recém-criadas instituições de Educação Especial, nomeadamente, o Instituto de Surdos do Funchal (ISF) (1965); o Internato da Quinta do Leme destinado a rapazes e o Internato da Ponta do Sol para raparigas com deficiência intelectual (1968); aos quais se juntou, posteriormente, o Internato de Santo António para cegos (1970), surgiu, no final do ano de 1968, o Centro de Educação Especial da Madeira (CEEM) tutelado, a partir de Lisboa, pelo Ministério dos Assuntos Sociais, conforme refere um Despacho Ministerial, datado de 18 de novembro, do ano em epígrafe.

As respostas educativas encetadas eram protagonizadas por professores de instrução primária especializados e por outros profissionais que, paulatinamente, integraram as equipas das escolas especiais, nomeadamente psicólogos, artífices, enfermeiras, ajudantes de enfermagem, assistentes sociais, monitores e vigilantes, a que se juntava a prestação de serviços médicos, em tempo parcial, por parte de um pediatra, de um psiquiatra, de um estomatologista, de um otorrinolaringologista e de um oftalmologista, de acordo com o expresso num relatório assinado pelo diretor do CEEM, António Prazeres, corria o ano de 1968.

As circunstâncias que envolveram o dealbar dos acontecimentos, anteriormente elencados, são relatadas, em 1968, pelo seu primeiro diretor, António Prazeres que, num relatório de atividades, o registou, de modo exímio:

O Diretor Geral da Assistência, Dr. Neto de Carvalho, visitou e num trabalho silencioso, demorado, ingrato, incompreendido até, com a melhor arma que se conhece no combate às dificuldades - a insistência - e apesar das barreiras burocráticas levantadas pela própria ilha, apesar das limitações de ordem financeira, que aliás se estendem às obras de assistência de todo o país, a Madeira ficará dotada dum Centro de Educação Especial (...) (Prazeres, 1968).

Curiosamente, uma das nossas entrevistadas - E12-IS referindo ter exercido funções docentes num destes Centros de Educação Especial, localizado no Norte de Portugal

Continental, mas que abriu em data posterior ao da Madeira, confirmava-nos a excelência dos mesmos, confidenciando-nos:

Guardo gratas recordações de trabalho nesse local (...) tenho pena (...) ainda falta escrever a história destes centros (...) eram locais de excelentes práticas e vivências interessantes (...) trabalhei num deles, enquanto jovem professora, acabadinha de sair do Magistério Primário, e ainda hoje recordo essa experiência, deveras gratificante: com abundantes verbas, oriundas do Totobola, tínhamos materiais muito bons e diversificados, equipas multidisciplinares (...) e até os alunos mais velhos tinham a sua semanada (...) isto nos anos sessenta era original! (E12-IS). Estas narrativas reportam-se aos tempos em que se vivia a era do atendimento, de modo separado, por categoria de deficiência, com cada instituição a trabalhar no seu campo de especialização, como confere o Conselho Nacional de Educação, ao relembrar: “(...) quando ocorre a generalização do acesso à educação, nalguns casos obrigatória, acontece a criação de estruturas de ensino especial organizadas por tipos de deficiência” (CNE, 1999, p. 2). Pelos vistos, a Madeira também terá seguido, inicialmente, este roteiro de opção interventiva, como podemos confirmar, a partir das palavras da nossa entrevistada E2-AQ:

Ninguém entrava na Educação Especial sem ter o curso de especialização, de maneira que fiz a especialização (...) tive que me exonerar da escola para fazer a especialização e, depois, quando acabei, no mesmo dia em que me exonerei do ensino regular, tomei posse na Quinta do Leme (instituição para a deficiência intelectual), que não pertencia à educação, pertencia aos Assuntos Sociais (...) em 1971 comecei a trabalhar (...) tinha 25 anos - a parte melhor da minha vida (E2- AQ).

Não obstante a realidade de uma educação segregada, que caraterizou a intervenção nesta época, é interessante verificar o estabelecimento de respostas inauditas, de acordo com os desafios colocados pelas necessidades que os alunos iam apresentando. A confirmar esta premissa encontrámos descrita, numa Ata do Centro de Educação Especial da Madeira, a preocupação com:

O novo tipo de aulas e de ocupações (...) o estudo do problema das oficinas (...) abordada a possibilidade de colocação dos menores que oferecessem mais garantias de êxito (...) trabalhariam uma pequena parte do dia, continuando vinculados à escola onde participariam nas outras actividades normais (...) ideia bem aceite pelo menos como provisória até à entrada em funcionamento das oficinas (...) frisou-se a grande prudência a ter nestes casos quanto aos menores a escolher, idoneidade do empregador, tipo de trabalho e duração deste (Prazeres, 1972).

Deste modo, observamos como, em 1972, de um modo cuidado e perspicaz, se inaugurou na Madeira a formação pré-profissional, em complementaridade com a escolaridade,

para alunos entre os 13 e os 15 anos (que apresentavam deficiência intelectual), na modalidade de integração na comunidade e, posteriormente, em oficinas. Encontrámo-nos com o registo desta resolução, da qual transcrevemos um excerto, de modo a ressalvar a implementação e proatividade que a medida em causa patenteia:

Atingidos os 13/15 anos, aqueles que não mostram grandes possibilidades no aspecto escolar (...) trabalhariam uma parte do dia, continuando vinculados à escola onde participariam nas outras actividades normais (...) feito o levantamento de oficinas foi dito que, na obra de vimes, um industrial do Jamboto mostrou-se vivamente interessado na exploração de uma oficina na Quinta do Leme, desde que bem apetrechada (...);

(...) na produção de rede metálica o engenheiro Costa mostrou-se disposto a dar toda a colaboração possível dos Estaleiros que dirige; também foi sondada a possibilidade de integração na construção de condutas (...) na carpintaria de construção civil e na sapataria (...) (Prazeres, 1972).

Desencadeavam-se, assim, na Madeira, as primeiras experiências de inserção de jovens no mundo do trabalho, por via da formação profissional, realidade que aprofundaremos mais à frente, quando nos referirmos à especificidade das práticas que a Educação Especial abraçou. Mais tarde, em 1975, contemplando uma outra vertente, de extrema importância, dada a orografia da ilha e os constrangimentos que a mesma apresentava, face às deslocações, desde os locais mais recônditos até à capital da ilha, foi criado um serviço de internato, que viria a constituir-se, posteriormente, em Lar para Deficientes para que os alunos, oriundos de localidades distantes da cidade, pudessem sediar-se no Funchal, usufruindo, assim, das medidas educativas que, naquele tempo, ali se encontravam centralizadas.

Neste percorrer da História e chegados à década de 70 do século XX, ao redirecionarmos o nosso olhar para o contexto internacional, encontramo-nos com duas datas e dois elementos cruciais a elas acoplados: a publicação da Public Law 94-142, nos Estados Unidos da América em 1975 e do Warnock Report, no Reino Unido no ano de 1978.

Ambos desencadearam, como já tivemos oportunidade de referir, a passagem do paradigma médico para o paradigma educativo, tendo em vista a abordagem pedagógica que devia ser protagonizada aos alunos com deficiência. Os dois normativos reclamavam direitos iguais para todos os cidadãos em matéria de educação e, sobretudo, um maior enfoque na aprendizagem escolar, nos programas e no currículo.

Em Portugal, ainda sob os efeitos da Revolução de Abril de 1974, que encetara os caminhos da vida democrática, no nosso País, os direitos e deveres dos deficientes aparecem consagrados no artigo 71º da Constituição da República Portuguesa (1976), a saber:

1. Os cidadãos física ou mentalmente deficientes gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.

2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores (p. 17).