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No dealbar dos anos sessenta, Nirje (1969) refere-se ao “princípio da normalização”, conceito identitário da época e que, na sua opinião, deveria liderar o atendimento da deficiência, na defesa de que as pessoas que experimentam essa condição podem, e devem, viver o mais próximo possível dos seus pares (sem deficiência), na naturalidade do exercício do direito que lhes assiste, enquanto membros da sociedade de que fazem parte.

Neste processo evolutivo também as Ciências Sociais atiçaram diferentes diligências, no sentido da mudança de conceitos indiciadores de novas práticas, das quais destacamos, em 1966, a definição explícita de Educação Especial pela UNESCO, que se constituiu em veemente apelo, rumo à educação para todos, em detrimento da aposta numa intervenção de índole sócio caritativa para as crianças e jovens com deficiência. Concomitantemente, esta organização enfatizava também o papel dos professores no combate à discriminação.

Amplamente debatidas e ponderadas, estas dimensões foram retomadas e ampliadas, em 1968, pela referida organização, enquanto manifesta expressão da vontade em prosseguir e corresponder às metas integradoras que os diferentes países eram chamados a alcançar.

Para esse efeito, foi constituído um grupo de trabalho, composto por peritos em Educação Especial, com a missão de estudar alguns contextos educativos considerados, naquela época, os mais avançados em matéria de Educação Especial, nomeadamente a Suécia, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os Estados Unidos da América e o Uruguai.

A vontade de ajustar e de implementar modelos de atendimento alternativos aos que estavam em vigor, de acordo com os resultados já alcançados, noutros contextos e cenários de intervenção, compunha o leitmotiv dos referidos especialistas.

Após a realização do estudo supracitado, uma das principais recomendações, que terá resultado desse trabalho, foi o apelo à urgente necessidade dos diferentes países orientarem as suas políticas de Educação Especial, no sentido da garantia do acesso de todos à educação, aliada à integração dos cidadãos com deficiência na vida social e económica das comunidades, de acordo com as suas capacidades.

Baseada nestas premissas, Mrech (1997) cita o referido relatório constatando que:

Os objetivos da educação especial destinada às crianças com deficiências mentais, sensoriais, motoras ou afetivas são muito similares aos da educação geral, quer dizer: possibilitar ao máximo o desenvolvimento individual das aptidões intelectuais, escolares e sociais (…) Os membros do grupo apontaram que o ideal seria poder estabelecer um plano de educação para cada criança, desde a mais tenra idade, dotando os programas da flexibilidade conveniente para cada caso (p. 128).

Com o passar do tempo, talvez influenciadas por estas recomendações, às quais se juntaram as vozes e as reivindicações de cidadãos e famílias que desejavam respostas alternativas para as situações dos seus filhos, despontaram, em diferentes países, não só instituições vocacionadas para o apoio educativo especializado, dirigido às diferentes categorias de deficiência, mas também uma aposta visível na formação especializada de docentes em Educação Especial (agrupados por área específica de deficiência).

Torna-se pois evidente que a década de setenta, do século XX, se afirmou como marco histórico decisivo, no atendimento educacional à população com necessidades especiais, ao desencadear, definitivamente, a arrojada mudança do paradigma médico para o paradigma educativo. Esta assentava na defesa de que, à classificação e diagnóstico médico, se deveriam associar as características intrínsecas inerentes a cada sujeito, associadas aos efeitos dos contextos ambientais que o envolviam e influenciavam.

Tudo isto na procura da compreensão abrangente e indiciadora de uma intervenção holística que, compreendendo e acolhendo o conceito de diferença, fosse suscetível de combater o insucesso escolar, minimizando as fragilidades apresentadas e potenciando as capacidades remanescentes, através da promoção das potencialidades observadas e existentes em cada aluno. Na defesa desta ideia Santos Guerra (2003) lembra:

A diferença é consubstancial ao ser humano. Somos únicos, irrepetíveis, em constante evolução. Se um centímetro quadrado de pele (as impressões digitais) nos torna diferentes de milhares de milhões de indivíduos, o que fará a pele inteira? E o que se passará com o

nosso interior, cheio de emoções, duvidas, credos, valores, conflitos...? (...) há dois tipos de crianças: os inclassificáveis e os de difícil classificação. Como é possível que tratemos todos por igual? (...) nem todas as diferenças são do mesmo tipo e nem com todas elas se deve proceder da mesma forma(p. 200).

É neste sentido que, em 1975, surgiu nos Estados Unidos da América um movimento de pais, apelidado de Regular Education Initiative a exigir que o atendimento dos seus filhos que apresentavam necessidades educativas especiais ocorresse nas escolas do ensino regular e não em instituições segregadoras que os afastassem dos demais, como acontecera até à data. Em consequência disso, surgiu a Public Law nº 94/142 (1975) intitulada The Education For All Handicapped Children que se constituiu numa verdadeira task force, em relação ao campo de intervenção da Educação Especial, ao reclamar e instituir, de modo categórico, direitos iguais para todos os cidadãos, em matéria de educação, corporizados em quatro propósitos fundamentais:

To assure that all children with disabilities have available to them a free appropriate public education which emphasizes special education and related services designed to meet their unique needs;

To assure that the rights of children with disabilities and their parents are protected; To assist States and localities to provide for the education of all children with disabilities; To assess and assure the effectiveness of efforts to educate all children with disabilities (s. p).

Similarmente, em 1978, também o Reino Unido, através daquele que ficou conhecido como o Warnock Report (Report of the Committee of Enquiry into the Education of Handicapped Children and Young People Special Educational Needs), abraçou a mudança paradigmática, relativamente à população com deficiência.

Dando forma a essa intenção determinou e recomendou, ao longo das suas quatrocentas páginas, a política educativa que deveria vigorar, expressa em medidas abrangentes e transversais. Estas partiam da compreensão, avaliação, intervenção educativa e apoio à família e culminavam em orientações, visando a transição para a vida adulta de crianças e jovens com deficiência.

Propunha-se, deste modo, liderar todo o processo de implementação do apoio à deficiência, vincando e reafirmando o enfoque na educação, enquanto eixo central de preocupação e de atuação, como podemos constatar na leitura dos pontos 1.3. e 1.4. do relatório supracitado:

(...) We have, however, looked at the problems of handicapped children always with their education primarily in mind, and this has led us sometimes to distinguish between

education and other related concepts (…)

We hold that education has certain long-term goals that it has a general point or purpose, which can be definitely, though generally, stated. The goals are twofold, different from each other, but by no means incompatible. They are, first, to enlarge a child’s knowledge, experience and imaginative understanding, and thus his awareness of moral values and capacity for enjoyment; and secondly, to enable him to enter the world after formal education is over as an active participant in society and a responsible contributor to it, capable of achieving as much independence as possible.

The educational needs of every child are determined in relation to these goals. We are fully aware that for some children the first of these goals can be approached only by minute, though for them highly significant steps, while the second may never be achieved. But this does not entail that for these children the goals are different.

The purpose of education for all children is the same; the goals are the same. But the help that individual children need in progressing towards them will be different.

Whereas for some the road they have to travel towards the goals is smooth and easy, for others it is fraught with obstacles. For some the obstacle is so daunting that, even with the greatest possible help, they will not get very far. Nevertheless, for them too, progress will be possible, and their educational needs will be fulfilled, as they gradually overcome one obstacle after another on the way (p. 43).

Elencados deste modo, os dois referenciais histórico-legais que acabámos de referir afirmaram-se enquanto mecanismos propulsores de reflexão, de ação e de mudança que, na tentativa de esbater e inverter, quer as representações pejorativas que a diferença ainda circunscrevia, quer a intervenção educativa remediativa e redutora, existente na altura, despoletaram e inauguraram, definitivamente, a fase da integração de alunos com deficiência nos sistemas regulares de ensino.

Referindo-se a esta circunstância, Martini-Willemin (2008) alude: “Dorénavant, au centre des préoccupations des systèmes éducatifs, sont ou devraient être les besoins, tant communs que spécifiques, ainsi que la jouissance du droit à une pleine participation (…)” (p. 57). Ainda neste âmbito também Morgado (2004) alvitra que:

O nível e o ritmo de desenvolvimento presentes nas sociedades actuais tem vindo a colocar aos diferentes sistemas educativos uma pressão acrescida no sentido de que os indivíduos acedam a processos de qualificação e formação progressivamente mais exigentes, o que coloca como elemento central a qualidade dos sistemas educativos (p. 4).

Verificamos então que, paulatinamente, a Educação Especial começou a ser referenciada, enquanto pilar de sustentação da integração e da intervenção com alunos que apresentavam necessidades educativas especiais, no desafio de uma ação concertada entre a determinação e o ajustamento de políticas e a exequibilidade de práticas significativas,

suscetíveis de se expandirem, rumo à cultura da igualdade de oportunidades interiorizada, experienciada e assumida publicamente pela generalidade dos cidadãos.

Corroborando desta ideia, Côloa (2017) cita Valles na constatação de que:

Juntamente com essas mudanças nos diversos níveis do sistema educativo surgem novos alinhamentos e reorganização de políticas educativas partindo-se do ponto de vista filosófico da corrente humanista social que aborda o processo de aprendizagem, segundo o qual se defende que todos os alunos, independentemente da sua condição física, mental, cultural, emocional, étnica ou religiosa, assim como todas as pessoas com deficiência estão sujeitos aos mesmos direitos e deveres de todos os cidadãos, por isso devem ser incluídos e integrados no sistema educativo regular e avaliados, de forma qualitativa e integral, de acordo com as suas possibilidades e respeitando as suas condições (pp. 102-103).