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Face à evolução de conceitos, a que nos referimos anteriormente, e à qual se aliou o sentimento de insatisfação de investigadores e famílias, o movimento, considerado como vanguardista na década de setenta do século XX, pelo facto de ter desencadeado a integração de alunos com necessidades educativas especiais, no sistema regular de ensino, com o passar do tempo passou a ser olhado com algum ceticismo.

É a este facto que Correia (2003) se refere, quando constata:

(...) inicialmente, no modelo integrador, acreditava-se que a melhor forma de munir o aluno com NEE com um conjunto de aptidões (académicas e sociais) que o aproximassem, no mais curto espaço de tempo, do aluno sem NEE, era a de lhe facultar um conjunto de serviços educacionais (...) tantas vezes prestados fora da classe regular (...) se em alguns casos (...) a integração dava os seus frutos, na maioria dos casos ligados a problemáticas mais severas a classe regular parecia cada vez mais distante (pp.10-11).

Consequentemente, envolta nestas premissas indiciadoras da emergência de uma mudança de paradigma, a Educação Especial balançou entre o dilema da continuidade do atendimento com os conhecimentos, normativos, recursos e meios de que dispunha e os novos e incisivos apelos que lhe eram lançados, para que abraçasse o anunciado e desconhecido modelo de inclusão que, na opinião do autor supracitado, se apresentava como “diametralmente oposto” ao modelo de integração (ibidem, 2003, p. 11).

Também Rodrigues e Nogueira (2011) se referem a esta circunstância quando admitem: “(…) pensar a educação de alunos com condições de deficiência, no quadro de parâmetros estritamente educacionais é um facto recente e ainda, em muitos aspectos, constitui uma inovação” (p. 4).

O desafio para que a inclusão se tornasse a escolha preferencial dos sistemas educativos e das comunidades de aprendizagem, face aos alunos que exibiam diferenças, partiu das

diretrizes e dos apelos feitos pela UNESCO. Iniciou-se na Conferência Mundial de Educação Para Todos, que aconteceu no ano de 1990, em Jomtien, e continuou em Salamanca, no ano de 1994, onde, após a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, a educação inclusiva foi reconhecida e proclamada como base das políticas educativas a implementar.

Deste encontro nasceu a Declaração de Salamanca, subscrita por 92 Governos e 25 Organizações Não Governamentais, a qual apresenta um primeiro capítulo intitulado Novas Concepções sobre Necessidades Educativas Especiais, prosseguindo com outros dois, onde estão plasmadas as diretrizes para o enquadramento de ações a nível nacional, regional e internacional.

Salientando a nova matriz que a referida Declaração propunha, dela destacamos o incisivo enfoque a sublinhar “(...) o desenvolvimento das escolas inclusivas, enquanto meio mais eficaz de atingir a educação para todos deve ser reconhecido como uma política-chave dos governos e ocupar um lugar de destaque na agenda do desenvolvimento das nações” (p. 41), na garantia de que:

Cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem;

Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias;

Os sistemas de educação devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades;

As crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades;

As escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo (ibidem, p. viii).

Perante as interpelações anteriormente referidas foi visível, ainda que de modo lento e descompassado, um pouco por todo o mundo, quer o redimensionamento de normativos e medidas, quer a terminologia linguística que passou a ser utilizada nos ambientes educativos, nomeadamente: o termo deficiência foi preterido em favor da nomenclatura necessidades educativas especiais e a palavra integração caiu em desuso, tendo sido substituída pela palavra inclusão.

Também Jackson (2003), elegendo a inclusão como caminho a trilhar, aponta dez razões justificativas para essa escolha:

1. É a opção correta;

2. É boa para a escola e essencial para a sociedade; 3. Trará vantagens a longo prazo;

4. É boa para as crianças com necessidades educativas especiais; 5. É boa para as outras crianças;

6. É boa para os professores; 7. Não fica mais cara; 8. É uma tendência mundial; 9. É, certamente, uma política; 10. É lei.

Apesar de todas estas conjecturas e desafios, inerentes à mudança de conceitos, e do apelo a uma nova filosofia educativa, devemos referir que, paradoxalmente, Portugal, um dos noventa e dois países a subscrever a Declaração de Salamanca, em 1994, apenas alterou a lei vigente, que sistematizava a política de Educação Especial no país - o Decreto-Lei 319/91 - no sentido de a ajustar ao seu compromisso para com a inclusão, passados catorze anos, com a publicação do Decreto-Lei 3/2008, a 7 de janeiro de 2008.

Para além disso, volvidas que estão duas décadas pós-Salamanca, e apesar dos multifacetados esforços que fizeram com que os seus princípios preenchessem as agendas políticas e educativas, o debate acerca do estado da inclusão continua, envolvendo atores educativos, decisores políticos e investigadores, insatisfeitos com o seu estado e estatuto.

É o caso de Correia (2017) que, numa acutilante interrogação acerca do estado da arte naquilo que à Educação Especial diz respeito, afirma:

É preciso, portanto, que percebamos que educação é um conceito universal que pode ser definido como um “processo de aprendizagem e de mudança que se opera num aluno através do ensino e de quaisquer outras experiências a que ele é exposto nos ambientes onde interage” e que educação especial é, pura e simplesmente, um conjunto de serviços e apoios que a Escola deve ter ao seu dispor para responder eficazmente às necessidades dos alunos com NEE. Portanto, o especial no termo educação especial refere-se a um conjunto de recursos que, de uma forma interdisciplinar, permitem desenhar um ensino cuidadosamente planeado, orientado para as necessidades individuais desses alunos. Desta forma, a educação especial não deve ser, ao contrário do que é habitual ler-se na legislação portuguesa e ouvir-se nos meios académicos e nas escolas, uma educação paralela ao ensino regular (s. p).

De facto, os sistemas educativos procuraram o equilíbrio mas não existem ainda sinais claros, nem uma rota estabelecida que indique, com clareza, a sua organização em respostas inclusivas, dotadas de saber, meios e recursos indispensáveis à equidade para com os alunos com necessidades educativas especiais na conquista de um espaço educativo e social visível e valorizado, conducente à melhoria das suas condições de vida.

Testemunha desta realidade Slee (2011) recomenda:

Precisamos empreender o percurso que nos conduz a uma compreensão mais acertada acerca da inclusão e dos fundamentos que têm sustentado a divisão entre educação especial, educação regular e reforma educativa, como condição prévia para termos, no futuro, uma escola mais inclusiva (...) a escolarização deve promover a aprendizagem em democracia e a inclusão é um dos pré-requisitos de uma educação democrática (p. 1).

Face aos argumentos apresentados anteriormente, depreendemos que, atualmente, a heterogeneidade continua a suscitar um aceso questionamento, no anseio de um rumo para a Educação Especial e para a inclusão, em direção ao futuro, sempre pródigo em imprevisibilidade mas, relativamente ao qual, têm e devem ser equacionados horizontes que, de acordo com Furter (1966, p. 26), “(...) não existem para nos trazer de volta à origem, mas para nos permitir medir toda a distância que temos a percorrer (...)”, ideia que Nóvoa (2005) amplia, ao recomendar que “(...) precisamos de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito” (p. 71).

Por outro lado, comungando da ideia de Sassaki (2005), quando afirma que “(…) felizmente a Inclusão é um processo Mundial irreversível (…)” (p. 22), pensamos que se torna imperativo persistir no estudo e na reflexão, acerca dos conhecimentos e saberes de que a Educação Especial e a inclusão se revestem, procurando atualizar conceitos, ajustar os fundamentos e redimensionar compromissos, na eleição de políticas e práticas que conduzam ao alicerçar de uma cultura inclusiva significativa.

Neste processo os decisores e os atores educativos apresentam-se como vectores essenciais, atendendo à missão de que estão revestidos, na sua relação e responsabilidade para com a heterogeneidade. Para tal, devem repensar o desajustamento entre os seus discursos e práticas que Slee (2011) descreve deste modo:

Teachers and other education decision-makers speak of inclusion and building social capital while reinstating segregation. They speak of teaching and learning and simultaneously distract students from their education with rote training for a battery of standardized tests(p. 4).

Por outro lado, na sua génese, o conceito de inclusão pretende reassumir e reconfirmar que a inclusão não se deve esgotar no atendimento aos alunos com necessidades educativas especiais.

Ela representa, acima de tudo, a recusa da exclusão, da segregação, do preconceito e das deficiências, em benefício de um olhar que resgate o ser humano que palpita, manifestamente, em cada um, independentemente das suas características ou diagnósticos. Porque, de acordo

com a perspetiva de Ainscow (2003), apesar das melhorias verificadas nos sistemas educativos, ao longo dos últimos anos, ainda existem demasiadas crianças que permanecem fora do sistema.

Deste modo, o autor reafirma e reforça a ideia de que a equidade é uma palavra que oferece a muitos uma sensação de conforto quando a verbalizam, mas poucos são aqueles que a compreendem e utilizam de modo adequado, dando a entender o quão complexo é o percurso que conduz à verdadeira inclusão.

Este paradoxo também é patenteado por Camacho (2003) quando assevera:

(...) evocamos frequentemente a palavra “inclusão” contudo...

Não sabemos se, à força de nos limitarmos a falar dela, de tanto usarmos a palavra, de tanto tentarmos traduzi-la e simplificá-la, de tanto apontarmos o dedo acusador aos outros, por não a quererem, por não criarem condições para que ela se aplique, já a traímos na sua essência.

Não sabemos se, à força de tanto fingir que acreditamos nela, a qualquer preço... já a sonegámos e desmerecemos.

Não sabemos se, ao olhá-la como uma espécie de moda...ao fugirmos às exigências que ela reclama, ao dizermos, e pior do que isso, ao sentirmos que não é possível, que as barreiras são tantas, que a verdadeira inclusão não se consegue... já a abandonámos à partida (p. 4). Hodiernamente, torna-se então necessário e fundamental voltar a falar de inclusão: burilar o conceito, os seus princípios, as suas potencialidades e agentes dinamizadores para a transformar em práticas eficazes que desencadeiem a cultura inclusiva, a equidade e a igualdade de oportunidades, no seio das nossas comunidades de aprendizagem.

Neste sentido e, de acordo com Nóvoa (2005, p.13) quando defende que “(...) recusar não é esquecer, não é negar, não é omitir. Recusar é conhecer, estudar, investigar, compreender. É tentar imaginar outros destinos (...)”, estamos conscientes de que a mudança paradigmática, sonhada e empreendida por quantos nos antecederam neste percurso, no intuito de valorizar e legitimar a Educação Especial, enquanto domínio potenciador de respostas diferenciadas, não deve ser omitida, nem ignorada.

No entanto, de modo antagónico e, apesar das recomendações e dos normativos legais apontarem para a circunstância de que os alunos com necessidades educativas especiais devem usufruir de uma educação inclusiva, junto dos seus pares, no exercício do direito a um patamar de conhecimentos idênticos aos demais, no meio o menos restritivo possível e em ambientes educativos acolhedores e indutores de aceitação, respeito e felicidade, a leitura da realidade parece, muitas vezes, apontar noutro sentido.

Estabelecendo uma acutilante analogia com o que acabamos de referir, vem-nos à memória a parábola de Kafka, recontada por Arendt (2006):

Ele tem dois adversários. O primeiro empurra-o pelas costas, desde a origem. O segundo bloqueia o caminho à sua frente. Ele dá luta a ambos. Na verdade, o primeiro apoia-o no seu combate contra o segundo, ao empurrá-lo para diante: e, do mesmo modo, o segundo apoia-o no seu combate contra o primeiro, ao fazê-lo retroceder. Mas isto é assim apenas em teoria. Pois não existem apenas os seus adversários, existe ele próprio também, e quem sabe realmente quais são as suas intenções? O seu sonho, porém, é ver chegar um momento de menor vigilância - o que exigiria uma noite mais negra do que alguma vez se viu - em que pudesse fugir da frente de batalha e ser promovido, à conta da sua experiência de combatente, à posição de árbitro na luta entre os outros dois adversários (p. 21).

À semelhança do que acontece com Kafka, percecionamos uma luta inacabada, e quiçá ameaçadora, em torno da simbiose que deveria existir entre as Ciências da Educação e a Educação Especial.

Segundo Chatelanat e Pelgrims (2003) a tensão entre a Educação lato sensu e a Educação Especial “apparaît comme un miroir grossissant des tensions, richesses et faiblesses qui caractérisent la plupart des domaines des sciences de l’éducation” (p. 17).

Em consequência da conjentura anterior, os referidos autores referem que, com efeito, “(...) Se pose alors le problème des liens entre la production de connaissances para rapport aux différentes thématiques étudiées, d’une part dans le spécialisé, d’autre part dans l’ordinaire”.

De posse de todos estes princípios, premissas e pressupostos urge então envidar esforços para que a coexistência destas duas áreas se materialize em respostas conspícuas, junto da população que apresenta necessidades especiais, capazes de vencer o lamento que Morais (2017) nos apresenta, quando reconhece:

(...) até podem ser muitos a querer a mudança. Acontece que, por vezes, dois pontos que parecem concêntricos, semelhantes, aproximados, procuram distanciar-se e afastar-se propositadamente, como se fossem dois polos opostos de ímanes. Não se pode negar a beleza da diversidade, mas, quando, se tem de enfrentar uma frente colossal e sólida como a escola dita tradicional, a fragmentação parece dificultar a tarefa em mãos (…)(p. 94). Estabelecendo a primazia de diligências para que o acesso ao conhecimento não se torne redutor para a população com necessidades especiais, os paradigmas e percursos inerentes às Ciências da Educação e à Educação Especial exigem, na nossa opinião, exigentes e ajustadas tomadas de decisão relativamente à escolha dos saberes fundamentais que se devem eleger para poder educar a todos, de modo inclusivo e emancipatório, de acordo com a harmonia e desafios com que o mundo contemporâneo nos patenteia. Tudo isto sem esquecer aquilo que Fino (2013)

recomenda: “(…) o que importa, bem mais do que os conteúdos, é a qualidade dos contextos de aprendizagem (…)” (p. 71).

Ou, no dizer de Colôa (2018) que, complementando o pensamento anterior, afirma que é urgente construir “A Escola Completa”, terminologia que o autor aplica aos “contextos de aprendizagem”, quando declara:

A Escola Completa é a escola diversa e diversificada porque assume a própria diversidade das comunidades em que se inscreve. Deste modo não pode ser considerada uma opção porque ela é a própria razão da democracia. No “fim” a Escola Completa será sempre o respeito pela pluralidade, um ambiente que acolhe TODAS AS PESSOAS e que, recusando ser meramente um espaço de encontro, se vivifica numa comunidade genuína. A Escola Completa será sempre “locais plurais” e gentes diversas que, por isso mesmo, não elaboram sobre a identidade do OUTRO mas afirmam a SUA/NOSSA identidade, tanto no plano individual como coletivo (p. 13).