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A estagnação do Poder Público no cumprimento da Le

MONITORAMENTO DE SINAIS)

4.1 O distanciamento do ordenamento jurídico brasileiro diante da nova criminalidade tecnológica

4.1.1. A crise empírica dos meios técnicos e jurídicos no monitoramento de sinais

4.1.1.1. A estagnação do Poder Público no cumprimento da Le

A atividade jurisdicional é uma das premissas básicas, um dos pilares de sustentação do ordenamento jurídico em um Estado de Direito, mediante a qual, este substitui os titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do embate que os envolve, como medida de justiça.

Nesse sentido, a jurisdição é, ao mesmo tempo, “poder”, “função” e “atividade”. Como poder, devemos entender a capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Já a função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de

399No último dia 04 de janeiro de 2016, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, assumiu a Presidência do Tribunal de

Justiça de São Paulo. Ao comentar o processo judicial em que a Juíza da Primeira Vara Criminal de São Bernardo do Campo determinou o bloqueio do aplicativo WhatsApp, afirmou que mesmo os grandes conglomerados econômicos “estão submetidos ao império da lei” (...) e complementou o Presidente: “Não foi uma ordem judicial arbitrária, injustificada. Era uma requisição de comunicações que levavam à elucidação de crimes graves. Serviu em um aspecto como um caráter pedagógico. Mostra que a Justiça tem que ser observada. Não pode uma empresa que tem poderio econômico e está sediada fora do Páis, não pode simplesmente ignorar uma ordem judicial”. Fausto Macedo e Julia Affonso, Não se deve ignorar ordem judicial’, diz novo presidente

do TJ de São Paulo sobre caso do WhatsApp, O Estado de São Paulo, pub. 26 de jan. de 2015, Arena Jurídica. (Disponível em: < http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/nao-se-deve-ignorar-ordem-judicial-diz- novo-presidente-do-tj-de-sao-paulo-sobre-caso-do-whatsapp/>. Acesso em 23 jan. de 2016.)

conflitos. Por fim, a atividade é o poder de determinar o cumprimento das decisões, com base na outorga conferida pelo ordenamento jurídico.400

Conforme já revelado em recentes investigações da Polícia Federal, as empresas furtam-se a cumprir as determinações judiciais, e alegam motivos que banalizam a soberania brasileira e a própria integridade das instituições públicas.

Alegações no sentido de que a empresa não pode ser intimada por uma decisão ou executada na cobrança de uma multa, uma vez que não possui representação jurídica no território brasileiro, ou mesmo, sequer possui um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) demonstram, no mínimo, um descaso à própria legitimidade das instituições públicas brasileiras, bem como, o total menosprezo a supremacia do ordenamento jurídico nacional.

Podemos citar exemplos como a ausência da jurisdição brasileira sobre uma empresa estabelecida fora do território brasileiro, até a impossibilidade técnica de fornecer a própria a chave de criptografia que permite decifrar o conteúdo das mensagens.

Em países como a China e Estados Unidos, onde o governo exerce um rigoroso controle sobre a Internet, aplicativos de troca de mensagens, como WhatsApp e Telegram401, não são bloqueados. Por sua vez, as empresas detentoras de seus direitos respeitam as regulamentações e o ordenamento jurídico local.

Desse modo, nada justifica o tratamento diferenciado pelas instituições públicas em relação às empresas de Internet, o que só se justificaria, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, se presentes as seguintes questões:

O reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a primeira diz como o elemento tomado como fator de desigualdade; a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fato erigido em critério de descrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; a terceira à consonância desta correlação lógica com os

400 Teoria Geral do Processo, p. 129

401 Interessante apontar reportagem do Jornal o Estado de São Paulo que revelou que em poucas horas após o bloqueio do aplicativo WhatsApp no Brasil, houve a migração de quase 2 milhões de usuários para o aplicativo de uso similar, conhecido como Telegram, cuja funcionalidade desse sistema é reconhecida pela criptografia das mensagens, além da permitir mensagens autodestrutivas, de modo a impossibilitar o acesso futuro ao conteúdo das comunicações postadas no sistema. (Alexa Salomão, O Estado de São Paulo, São Paulo, pub. em 20 dez. de 2015, Economia, p. B6).

interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizado402

O tratamento isonômico não deve ocorrer somente no momento em que o intérprete aplica à lei, mas sim, deve ser o norte dos órgãos que atuam no próprio processo legislativo403, cuja melhor interpretação do ordenamento jurídico obriga-os a atuar

positivamente, em sua função primordial, em especial, no momento em que denotamos um déficit de leis, como defendemos no presente trabalho, frente à busca de um novo entendimento sobre o ordenamento processual penal e legislação correlata em matéria de monitoramento de sinais.

Certas discriminações somente podem ocorrer de forma justificada. Nesse sentido, Marco Antonio Marques das Silva observa que:

Não se pode visualizar o princípio da igualdade como inerte, mas como meio de prover a eliminação das desigualdades, o que nos reporta à máxima Aristotélica de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, ou seja, aceitar a existência das diversidades colocando-se na particular situação do indivíduo para, aí sim, dispensar-lhe o tratamento adequado.404

A história revela que a inoperância do Estado na atuação contra o crime organizado remete, muitas vezes, ao aparecimento de forças clandestinas que vendem uma falsa ilusão à sociedade de que possuem os meios e ferramentas de aniquilar o inimigo.

No ambiente virtual não é diferente. Após os atentados de 13 de novembro de 2015 à capital francesa, o grupo clandestino de hackers Anonymous declarou guerra ao Estado Islâmico. Segundo a reportagem do periódico francês Le Monde.fr, hackers ligados ao grupo veicularam um vídeo na Internet em que prometem lançar uma operação de ciberataques jamais realizada antes contra os terroristas, conforme trecho a seguir transcrito: “[...] Nous allons lancer l’opération la plus importante jamais réalisée contre vous, attendez-vous à de très nombreuses cyberattaques."405

402Celso Antônio Bandeira de Mello. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 27.

403 Segundo essa premissa, Marco Antonio Marques da Silva defende que: “A igualdade, por sua vez, não se traduz apenas como simples manifestação de direito, mas como princípio norteador à elaboração e interpretação das normas que formam e consolidam, como basilar, o sistema jurídico de uma sociedade justa”. (Tratado luso brasileiro, p. 231).

404 (Tratado luso brasileiro, p. 231)

405Riposte d’Anonymous aux attentats du 13 novembre: le vrai et le faux, Le Monde, França, pub. 17 nov. de 2015. (Disponível em : <http://www.lemonde.fr/pixels/article/2015/11/17/riposte-d-anonymous-aux-attentats-

Segundo veiculado no periódico O Estado de São Paulo, em menos de 24 horas após a declaração “de guerra” do grupo Anonymous, foram derrubados 5,5 mil perfis na rede social Twitter, relacionadas à rede terrorista Estado Islâmico.406

Nesse sentido, a ausência de uma legislação pertinente à matéria, que permita ao Estado a atuação firme e segura (não podemos deixar de ressaltar que o limbo jurídico norteia o ambiente virtual), abre espaço para a atuação de grupos clandestinos, como por exemplo, o Anonymous. Diante da ausência do Estado, lança-se uma plataforma de combate ao “mal” e tais grupos decidem atuar em nome da sociedade, muitas vezes, diante da inoperância tecnológica, aliada à ausência de uma legislação eficaz na prevenção e repressão ao ciberterrorismo.

O desafio de criar-se uma legislação sobre um ambiente que ultrapassa as fronteiras territoriais de nações e continentes (como no caso da Internet, cujos servidores podem se encontrar em um local, a sede da empresa em outro e os usuários distribuídos por todo o planeta), submete-se, a princípio, a uma problemática de infindável complexidade e impossível solução jurídica.

O argumento de um ambiente virtual livre e desprovido de qualquer regulamentação jurídica, bem como da interferência e controle estatal sob o indissociável argumento basilar da liberdade de informação e comunicação, remete a um estado de desagregação social.

A respeito do assunto, Tércio Sampaio Ferraz analisa a concepção desenvolvida por Locke e Rousseau sobre os limites à liberdade, ou seja, a necessidade do Estado-Leviatã exige uma outra forma de liberdade, conforme anota o autor:

Nessa nova situação, a condição de ser livre vai exigir tanto não- impedimento (liberdade no sentido negativo) quanto a participação política (autonomia). Rousseau pede, assim, a constituição de uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si

du-13-novembre-le-vrai-et-le-faux_4812217_4408996.html?xtmc=reseaux_sociaux&xtcr=19,>. Acesso em 19 nov. de 2015).

406 Segundo reportagem do periódico o Estado de São Paulo: “A declaração de “guerra” cibernética foi dada em resposta aos ataques em Paris e ganhou o nome de #OpParis, destinada a bloquear sites e contas nas redes sociais do Estado Islâmico. Depois do anúncio do ataque, outros grupos de hackers, como o BinarySec, também anunciaram campanhas contra os sites de recrutamento do Estado Islâmico.” (Anonymous derruba 5,5 mil

próprio, ficando livre como antes. Para Locke, os homens, ao entrar na sociedade civil, abandonam a igualdade, a liberdade, e o poder que eles tinham no estado de natureza nas mãos de um da sociedade que será de tal modo disposta que o legislativo articule uma organização [...].407

E complementa o autor que, na construção do conceito moderno de liberdade, deve-se buscar um novo enfoque, no sentido de liberdade legal, ou como diz Montesquieu, “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem” (La liberte est le droit de faire tout ce que les lois permettent).408

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