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O emprego das técnicas especiais de investigação na repressão a criminalidade contemporânea

GLOBALIZAÇÃO E OS DESAFIOS DA ERA DIGITAL

3.2. Um novo conceito de organização criminosa no ordenamento jurídico brasileiro

3.2.2. O emprego das técnicas especiais de investigação na repressão a criminalidade contemporânea

É válido destacar a opinião de Winfried Hassemer, ao analisar o cenário europeu

com relação aos novos instrumentos de investigação. Segundo esse autor alemão, as últimas reformas do processo penal, têm-se concentrado na fase de investigação, isto é, naquela parte do processo em que se trata dos instrumentos de controlo.300

Trata-se segundo HASSEMER, das situações relativas “à observação policial, à busca através de cruzamento de dados pessoais, às escutas telefônicas, às escutas secretas em habitações, às informações de serviços secretos para a polícia, aos agentes infiltrados, que são os modernos instrumentos de investigação no processo penal”.301

Algumas dessas técnicas especiais de investigação discriminadas por Hassemer, já eram contempladas pela revogada Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/1995), apesar da ausência de regulamentação.302 Porém, outros instrumentos, como a ação controlada,

colaboração premiada, e a cooperação internacional, foram agregados ao ordenamento jurídico brasileiro pela nova Lei que trata sobre a matéria (Lei nº 12.850/2013)303.

mercado europeu da União Europeia – desabrocham e “florescem” as novas formas de criminalidade organizada, economicamente poderosa e internacionalizada”. (op. cit., p. 532).

299 Winfried Hassemer comenta em sua obra que não existe “igualdade de armas entre a criminalidade e o Estado que combate a criminalidade.” Direito Penal libertário, p. 145.

300 Hassemer, Winfried. Processo Penal e Direitos Fundamentais, in: Palma, Maria Fernanda, (Coord), Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, p. 21 e 22.

301 Ibidem.

302 Até a revogação da antiga Lei do Crime Organizado (Lei nº. 9.034/1995), nos termos do artigo 26 da Lei nº. 12.850/2013, discutia-se na doutrina e jurisprudência a validade, e, em algumas hipóteses, a própria constitucionalidade dos instrumentos de investigação nela previstos, diante da ausência de regulamentação e ofensa a princípios constitucionais. (Luiz Roberto Ungaretti Godoy, op. cit.)

303 Lei nº. 12.850 de 02 de agosto de 2013: “Artigo 3º. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.”

Infelizmente, frente à omissão do legislador brasileiro, não podemos colacionar nesse momento, projetos de lei que contemplem meios eficazes e avançados na repressão à criminalidade contemporânea. Destoa por sua vez, o Projeto de Lei nº. 1.404/2011 (Câmara dos Deputados), sob nº. 100/2010, no Senado Federal, cuja redação altera a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), ao disciplinar a figura do agente de polícia infiltrado na Internet para investigar crimes contra a liberdade sexual de criança e adolescente.304

Nesse ponto, torna-se interessante destacar não só os instrumentos legais de prevenção e repressão à criminalidade organizada, mas com base neles, demonstrar sua aplicação prática diante de investigações realizadas pelo Departamento de Polícia Federal.

Os dados estatísticos disponíveis no site do Departamento de Polícia Federal destacam um crescente número de operações realizadas entre os anos de 2003 a 2015. 305 Em

grande parte delas, para não dizer em todas, foram utilizadas técnicas especiais de investigação, como ferramentas para a instrumentalização do procedimento investigatório.

A título de comparação, no ano de 2003, a Polícia Federal informou a ocorrência de 16 operações policiais. Já em 2015, esse número ultrapassou a cifra de 200 operações no ano, sem desconsiderar outros anos, no transcorrer de mais de uma década, em que foram registrados índices superiores ao último ano de 2015. Contudo, conforme analisaremos a seguir, não podemos nos ater somente ao crescente número da quantidade de operações policiais, mas, sim, ao constante aperfeiçoamento da qualidade e eficiência das investigações realizadas.306

Do ponto de vista do próprio cenário evolutivo em matéria das modernas técnicas de investigação no cenário jurídico brasileiro, optamos por estabelecer dentro do período acima estabelecido, ou seja, entre os anos de 2003 a 2015, o emprego das mais variadas formas de tecnologias voltadas à facilitação do modus operandi das organizações criminosas.

304 O Projeto de Lei sob nº. 1404/2011, na Câmara dos Deputados, sob nº. 100/2010, no Senado Federal, foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal em 2015 e encaminhado para a Câmara dos Deputados, onde aguarda deliberação. Segundo o texto do referido projeto, insere-se na Seção V-A, no Capítulo III, (Dos Procedimentos), do Título VI, da Parte Especial da Lei 8.069, de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), com o título "Da infiltração de agentes para a investigação de crimes contra a liberdade sexual de criança ou adolescente", cuja medida estabelece regras para a infiltração de agentes de polícia na internet para investigar os crimes disciplinados nos artigos 240, 241, 241-A, 241-C, 241-D, do Estatuto da Criança e do Adolescente, além das figuras típicas previstas nos artigos 217-A, 218, 218-A, 218-B 219-B, do Código Penal brasileiro. (Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96360>. Acesso em 10 jan. de 2016). 305 (Disponível em: <http://www.pf.gov.br/agencia/estatisticas/operacoes>. Acesso em 24 dez. de 2015). 306 Idem.

Inegavelmente, o cenário das novas tecnologias não só favoreceu o surgimento de novas modalidades de crimes, mas também, alterou significativamente a dinâmica utilizada pelos grupos criminosos, em especial nas formas de comunicação e na movimentação de ativos ilícitos.

Assim, no ano de 2003, como marco desse período acima estabelecido, podemos mencionar a operação Anaconda307, uma vez que a referida investigação da Polícia Federal

inovou de forma significativa, em especial do ponto de vista do emprego de modernas ferramentas de investigação.

Nesse sentido, como forma de identificar o modus operandi de uma complexa organização criminosa, cujos integrantes aproveitavam-se da própria estrutura repressora estatal para facilitar suas atividades ilícitas, foram empregadas mediante a devida autorização judicial, técnicas de monitoramento sobre as comunicações dos investigados, propiciando à época, a inédita utilização de farto suporte probatório, embasado justamente no monitoramento das comunicações do grupo investigado.

A inovação do serviço de inteligência do Departamento de Polícia Federal, utilizando como recurso o emprego de provas obtidas por intermédio da interceptação telefônica, culminou na prisão de pessoas detentoras de poder político e financeiro no país, assim, possibilitou a identificação e desarticulação de uma grande organização criminosa.

No curso da instrução processual penal, foram levantadas diversas alegações pela defesa quanto a própria legalidade das provas obtidas por meio do monitoramento das comunicações dos réus. À época, o próprio Supremo Tribunal Federal manifestou-se às vezes quanto à legalidade do monitoramento, como por exemplo, em questões afetas ao prazo da medida de interceptação telefônica. Em outras vezes, entendeu pela ilicitude da colheita da prova, diante da ilegitimidade na própria condução do monitoramento telefônico, frente a inobservância da Lei nº. 9.296/1996.

307A operação “Anaconda” teve início no dia 30 de outubro de 2003, em São Paulo e Maceió. O objetivo da operação foi à desarticulação de uma organização criminosa de servidores públicos que, entre outros crimes, atuava na intermediação de decisões judiciais favoráveis. A organização era estabelecida na cidade de São Paulo, com ramificações nos estados do Pará, Alagoas, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Na operação foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão e oito pessoas foram presas, por determinação do Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Dois delegados do Departamento de Polícia Federal foram presos, um deles aposentado, um agente da corporação, além de um juiz federal e quatro empresários. Posteriormente foi recebida denúncia pelos crimes de formação de quadrilha, prevaricação, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, facilitação ao contrabando, lavagem de dinheiro e concussão. (Disponível em: <http://www.pf.gov.br/agencia/estatisticas/operacoes/2008>. Acesso em 10 dez. de 2015).

Desde então, as técnicas especiais de investigação passaram a ser utilizadas como forma de obtenção de provas para determinar autoria e materialidade, além da identificação das diferentes formas engenharia financeira de movimentação de ativos ilícitos nos delitos praticados pelas organizações criminosas, conforme veremos em algumas investigações que revolucionaram, ou mesmo, instigaram o Poder Judiciário a manifestar-se quanto a própria utilização de técnicas inéditas no cenário jurídico brasileiro.

Da mesma forma, estabelecemos um marco com a operação Anaconda, em especial pelo ineditismo em matéria de monitoramento das comunicações e precedentes jurisprudenciais correlatos. Torna-se interessante mencionar que nos últimos anos foram realizadas centenas de investigações pelo Departamento de Policia Federal que, se por um lado, demonstram a imperiosa necessidade da constante utilização das técnicas especiais de investigação na elucidação das modernas práticas criminosas, por outro lado, atestam que ainda caminhamos em passos lentos na busca do cenário investigativo que propicie mecanismos eficazes de combate à criminalidade organizada.

Dessa forma, o cenário contemporâneo implica em uma nova visão sobre a repressão criminal. O emprego da tecnologia e a profissionalização daqueles que atuam na atividade investigativa devem sempre estar à disposição do aparato estatal, concretizando assim uma busca constante de eficiência e celeridade, em especial na identificação daqueles que realmente comandam e financiam o crime.

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