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O sigilo de dados e das comunicações telefônicas

O TRATAMENTO JURÍDICO DO MONITORAMENTO DAS COMUNICAÇÕES

1.4. A interpretação dos incisos X e XII, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de

1.4.2. O sigilo de dados e das comunicações telefônicas

De início, convém recordar que, ao contrário do tratamento dispensado às disciplinas as quais se submetem à cláusula de reserva de jurisdição, nesse tópico, ao mencionar o “sigilo de dados”, não nos referimos aos “dados cadastrais”, que conforme conceito e entendimento já externado em tópico precedente, não dependem de autorização judicial para que as autoridades administrativas possam obtê-los, conforme o interesse público.

Da mesma forma que defendemos no Capítulo anterior a inexistência, no sistema constitucional brasileiro, de direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, traçamos, nesse momento, algumas linhas a respeito da disciplina “sigilo de dados”, adotando a mesma linha de raciocínio.

51 Nos termos do artigo 34º, da Constituição da República de Portugal, que dispõe sobre a Inviolabilidade do domicílio e da correspondência: “1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis. 2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos previstos na lei. 4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”

52 Inês Moreira Santos, Direito fundamenta à privacidade vs. Persecução criminal: a problemática das escutas telefônicas, p. 109.

Uma análise preliminar do dispositivo consagrado no inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal, poderia levar ao equívoco da inviolabilidade absoluta “de dados”, cujo entendimento, nesse sentido, também já foi externado por alguns doutrinadores, com base na interpretação literal do citado dispositivo, que preconiza:

Artigo 5º. [...] [...]

XII. é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Antônio Scarance Fernandes defende o entendimento de que o sigilo sobre os dados estaria sob a tutela do inciso XII, do artigo 5º, ou mesmo, pela proteção do inciso X, do referido artigo, da Constituição Federal de 1988, conforme trecho abaixo transcrito:

Os dados de uma exegese restrita, seriam apenas os registros constantes de um computador de um indivíduo, os quais contêm segredos a respeito de sua vida. Numa visão mais ampla, abrangeriam quaisquer anotações pessoais e reservadas, como as constantes de um diário. De qualquer forma, estas anotações, se não amparadas por esse inciso, estão acobertadas pela proteção genérica da intimidade e da vida privada do inciso X.53

Sob outro ponto de vista, quanto ao emprego das terminologias empregadas pela Constituição Federal de 1988, sobre o dispositivo em voga, torna-se oportuna a visão dos tribunais superiores, conforme decisão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, em sede de Recurso Extraordinário, que passamos a analisar.

Nos termos da manifestação do Ministro, não se deve confundir a proteção conferida no inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, que disciplina a quebra do sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), com outras formas de dados, como por exemplo, aqueles obtidos de um computador. Conforme ressalta o Ministro, “[...] a proteção a que se refere o art.5º, XII, da Constituição, é da comunicação 'de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador”.54

53 Antônio Scarance Fernandes. Processo Penal Constitucional, p. 99-100.

54 Nesses termos, segue trecho da decisão proferida pelo Ministro Sepúlveda Pertence: “Não há violação do art. 5º. XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve "quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial". 4. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270). V - Prescrição pela pena concretizada: declaração, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva do fato quanto ao delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (C. Penal, arts. 203; 107, IV; 109, VI; 110, § 2º e 114, II; e Súmula 497 do Supremo Tribunal). (STF, Tribunal Pleno, RE nº. 418416-SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, v.u., j. 10/05/2006, pub. DJU 19/12/2006, p. 37).

Em outra oportunidade, ao analisar a constitucionalidade de dispositivos de uma Lei Estadual do Estado de Santa Catarina, quanto à obrigatoriedade de identificação do número de telefone, novamente o Supremo Tribunal Federal manifestou-se quanto à necessidade de diferenciar a proteção constitucional conferida pelo inciso XII, do artigo 5º, que não deve se confundir com outras formas de “dados”, conforme consignamos a seguir: “[...] refere-se à interceptação e à consequente captação de conversa, por terceira pessoa, sem a autorização e/ou o conhecimento dos interlocutores e interessados na conversa telefônica.[...]55”.

Já em outra decisão, ao tratar dos poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito, em decisão plenária, por unanimidade, da lavra do Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal, manifestou-se no sentido de que a quebra do sigilo aos registros e dados telefônicos não se confunde, em hipótese alguma, com a interceptação das comunicações telefônicas, que constitui matéria sujeita ao princípio da cláusula de reserva de jurisdição, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição Federal.56

E complementa o Ministro em seu voto:

A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a

55 Segue trecho da decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade proferida pelo Ministra Carmen Lúcia: “[...] Os arts. 1º e 2º da Lei catarinense n. 11.223, de 17 de novembro de 1998, que cuidam da obrigatoriedade de identificação telefônica da sede da empresa ou do proprietário nos veículos licenciados no Estado de Santa Catarina e destinados ao transporte de carga e de passageiros, a ser disponibilizada na parte traseira do veículo, por meio de adesivo ou pintura, em lugar visível, constando o código de discagem direta à distância, seguido do número do telefone, não contrariam o inc. XII do art. 5º da Constituição da República. A proibição contida nessa norma constitucional refere-se à interceptação e à consequente captação de conversa, por terceira pessoa, sem a autorização e/ou o conhecimento dos interlocutores e interessados na conversa telefônica. A informação de número telefone para contato não implica quebra de sigilo telefônico.” (STF. ADI nº 2407-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carmen Lúcia, v.u., j. 31/05/2007, pub. DJU 29/06/2007, p. 21).

56Conforme segue trecho da Ementa a seguir transcrito: “COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.” (STF, MS nº. 23.452-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, v.u., j. 16/09/1999, pub. DJU 12/05/2000, seção 1, p. 86).

possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado.57

Oportuna menção a Rogério Lauria Tucci, sobre o tema:

[...] a falta de uma vírgula, subsequente ao vocábulo, e anterior a “comunicações telefônicas” (nos termos do artigo 5º XII, da Constituição), importou na incorporação de “dados” à dicção final – “salvo no último caso” - de sorte restar permitida a respectiva violação [...].58

Uma vez exposto o nosso entendimento quanto à permissividade aos dados sigilosos, oportuna a menção de que os “dados” a que se refere o inciso XII, do artigo 5º da Constituição Federal, não se confundem com aqueles mencionados no parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº. 9296/1996, cujo dispositivo disciplina: “o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”, conforme analisaremos a seguir.

O referido dispositivo da Lei de Interceptação Telefônica dispõe, justamente, sobre os dados obtidos do próprio fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que os “dados estanques”, ou seja, aqueles decorrentes dos sinais emitidos pela própria comunicação, mas que, não se confundem com ela, não são amparados pelo conceito do parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº 9.296/1996.

A título de exemplo de “dados estanques”, podemos citar os dados cadastrais, o registro da localidade de utilização da linha móvel (ERBs), ou mesmo, do endereço em que se encontra registado o IP (Internet Protocol) de um sistema computacional. Nessa seara, analisaremos a seguir, a tutela jurídica que recai sobre eles, com base no estudo do inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.

A tutela constitucional sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, apresentam caráter relativo, em especial, quando confrontados com outros direitos de igual importância, como por exemplo, o direito à inocência, à paz e à segurança pública. Dessa forma, quando os primeiros forem utilizados como verdadeiro escudo protetivo para a realização de práticas ilícitas, ou mesmo, incriminação de pessoas inocentes, poderão ser ponderados.

57 Ibidem.

Nesse sentido, a própria declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, dispõe em seu artigo 29, in verbis:

O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.

No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem–estar numa sociedade democrática. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.59

Uma vez , discorrido sobre os conceitos de intimidade, de privacidade, de vida privada, de honra e de imagem das pessoas, podemos, neste momento, complementar o estudo, na disciplina do acesso aos dados sigilosos oponíveis às pessoas físicas ou jurídicas, mesmo que para sua obtenção seja necessária a exposição daqueles direitos, sob o irrestrito amparo do ordenamento jurídico, inclusive sob a cláusula da reserva de jurisdição.

Desse modo, no que diz respeito à matéria “monitoramento de sinais”, a quebra do sigilo de dados, abrange: a) o acesso aos extratos (referente a chamadas efetuadas e recebidas), b) as ERB’s (estação rádio base) e, c) CCC’s (centrais de comutação), que permitem o acesso ao local aproximado de onde se encontram os aparelhos investigados. Também não podemos deixar de considerar que, se o aparelho de telefonia móvel celular possuir o serviço de localização GPS (Global Positioning System), o referido dado poderá ser obtido da mesma forma, ou seja, mediante circunstanciada autorização judicial.60

Por fim, oportuna a citação de trecho do voto do Ministro Moreira Alves, no que se refere aos prejuízos de uma interpretação restritiva quanto à absoluta inviolabilidade dos dados sigilosos, in verbis:

[...] as palavras voam, enquanto que os escritos permanecem. Cuida-se da forma de comunicação que não deixa vestígios para sua realização. [...] Caso se entenda que os dados referidos no inciso XII do art. 5º da Constituição são

59 (Disponível em: <http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/universal-declaration-of-human- rights/articles-21-30.html>. Acesso em 07 de jan. de 2016).

60 Nesse sentido Vicente Greco Filho, nos termos de uma interpretação evolutiva natural, sustenta que a quebra do sigilo de comunicações telefônicas, mesmo não se tratando de interceptação propriamente dita, permite o acesso aos registros das comunicações existentes nas concessionárias de serviços públicos, tais como a lista de chamadas efetuadas e recebidas (op. cit., p. 17). Compartilha do mesmo entendimento Carlos Mário da Silva Velloso (As comissões parlamentares de inquérito e o sigilo das comunicações telefônicas, Revista

quaisquer dados, entendidos estes como informações, independentemente de estarem sendo ou não comunicados, todo e qualquer registro de informações, em qualquer suporte, como papel, fitas gravadas, disquetes, computadores, estaria coberto por sigilo. Essa solução inviabilizaria, na prática, a prova de qualquer ilícito, administrativo ou penal, bem como as provas no processo civil, de modo que não pode ser esta a interpretação do dispositivo constitucional.61

1.5. A interceptação das comunicações telefônicas sob a égide da Lei nº.

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