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A lacônica legislação infraconstitucional na disciplina do fluxo das comunicações digitais

MONITORAMENTO DE SINAIS)

4.2. Uma nova compreensão do ordenamento jurídico brasileiro na era digital

4.2.1 A interpretação da Constituição Federal brasileira frente às novas tecnologias comunicacionais

4.2.1.1 A lacônica legislação infraconstitucional na disciplina do fluxo das comunicações digitais

Uma breve leitura do texto da Lei de Interceptação Telefônica, demonstrará, de forma objetiva, uma série de impropriedades e dúvidas quanto aos requisitos, legitimados, prazo, transcrição de conversa, entre outros pontos polêmicos.474

474 Vide tópico 1.5, do Capítulo I.

A medida de interceptação das comunicações telefônicas consiste em um procedimento de monitoramento da comunicação telefônica (voz e dados associados à chamada) estabelecida por um indivíduo e seu(s) interlocutor(es), pela polícia judiciária, mediante autorização judicial, para fins de investigação criminal e instrução processual penal. Além do conteúdo de voz, objeto de interceptação dos sistemas convencionais, dados importantes da chamada, como o número e a localização dos assinantes, a data e hora da chamada, a identificação dos canais de comunicação e a ocorrência de serviços suplementares também necessitam ser monitoradas para uma maior eficiência da interceptação.

Diante do uso abusivo da técnica investigativa, aliada à excessiva exposição na mídia de conversas legalmente monitoradas, a medida excepcional passou a ser objeto de uma série de questionamentos jurídicos, em especial, nos tribunais superiores.

É interessante analisar, nessa perspectiva, a posição do Estado em duas de suas esferas. A primeira, no exercício de sua função jurisdicional, de forma que o Estado-Juiz deve empregar o legítimo poder de coação legal para o devido cumprimento das ordens judiciais. Já na esfera administrativa, os órgãos reguladores devem primar por um maior controle nas permissões concedidas a provedores nacionais e estrangeiros, bem como estabelecer, no âmbito de suas atribuições, medidas sancionatórias como multas, suspensão e interrupção do serviço daqueles que não estejam colaborando com as autoridades brasileiras no cumprimento das normas e dos regulamentos.

Nos termos do §1º, do artigo 131, da Lei 9.472/1997: Art. 131. [...]

§1º: A autorização do serviço de telecomunicações é ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.

Curiosamente, logo em seguida, o inciso I, do artigo 133, da referida Lei, dispõe quanto às condições “subjetivas” para a obtenção da autorização de serviço, de modo que, a empresa concessionária de serviço de telefonia deve estar constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País.

Apesar da inequívoca previsão acima tratada, há uma flagrante ausência de controle por parte do Estado no tratamento dispensado às empresas de Internet, em especial, daquelas que não possuem sede, ou mesmo, administração em território brasileiro, e, mesmo assim, oferecem, de forma irrestrita, serviços de comunicação.

Nesse momento, podemos citar que, diante da lacunosa previsão legal, empresas provedoras de serviços de comunicação, deixam de cumprir ordens judiciais, inclusive em matéria criminal, diante da alegação de que a empresa não possui sede ou escritório no Brasil, conforme interessante precedente do Tribunal de Justiça publicado pelo site de notícias “G1”.475

No mês de setembro de 2014, com base no Marco Civil da Internet, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a empresa Facebook do Brasil, disponibilizasse à Justiça o conteúdo de conversas do aplicativo WhatsApp, bem como os números dos IPs476 daqueles

que praticaram o crime contra a honra da vítima, diante da publicação de montagens pornográficas de uma estudante de uma universidade paulista. As fotos da aluna foram montadas a partir de imagens dela publicadas em seu perfil no Facebook.

O Facebook contestou a decisão judicial, com a alegação de que não poderia ceder os dados do aplicativo WhatsApp, uma vez que não tinha concluído o processo de aquisição do aplicativo477. “Argumentou ainda que as informações pedidas estavam na

plataforma do WhatsApp Inc, uma companhia com sede nos Estados Unidos e sem representação no Brasil”.478

Com base na Lei 12.965/2014, (Marco Civil da Internet), o juiz destacou em sua decisão:

[...] O serviço do Whatsapp é amplamente difundido no Brasil e, uma vez adquirido pelo Facebook e somente este possuindo representação no país, deve guardar e manter os registros respectivos, propiciando meios para identificação dos usuários e teor de conversas ali inseridas determinação,

475 Helton Simões Gomes, Justiça manda WhatsApp quebrar sigilo de chat com montagem 'pornô', G1, Rio de Janeiro, pub. 24 set. de 2014. (Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/09/justica- manda-whatsapp-quebrar-sigilo-de-chat-com-montagem-porno.html>. Acesso em 11 nov. de 2015).

476 Vide tópico 2.1.4.1, do Capítulo II.

477 Segundo reportagem publicada na Internet pelo site G1, o Facebook anunciou nesta quarta-feira (19) a compra do aplicativo WhatsApp por US$ 16 bilhões. O valor é o mais alto já pago por um aplicativo para smartphones desde que a própria rede social comprou o Instagram. Também é a maior aquisição do site de Mark Zuckerberg. (Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/02/facebook-compra-o-aplicativo- whatsapp-por-us-16-bilhoes.html>. Acesso em 30 dez de 2015).

aliás, que encontra amparo na regra do artigo 13 da Lei 12.965/2014 (conhecida como Marco Civil da Internet).479

Em um recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo foi abordada justamente a nebulosa questão sobre quem recai a responsabilidade no fornecimento de dados referentes a registros de conexão, diante da omissão do ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, surgiu a discussão no cenário jurídico brasileiro sobre a responsabilidade do provedor de Internet versus as empresas virtuais, como por exemplo, o Google ou Facebook. 480

Além da abordagem da questão da responsabilidade do provedor de conexão, o julgamento proporcionou a análise de uma questão interessante, ou seja, a permissividade no Brasil, do uso compartilhado de endereços de TCP/IP481, por diferentes usuários, cuja

problemática resulta justamente na impossibilidade de identificar o local em que um determinado infrator utilizou-se de um sistema computacional. 482

Tal fato, além de dificultar a investigação, uma vez que não é possível delimitar o local de acesso a determinado sistema computacional, ainda pode gerar flagrantes injustiças, uma vez que um usuário que tenha compartilhado o mesmo IP daquele que foi utilizado por um criminoso, pode vir a ser responsabilizado. Curioso apontar que a referida problemática somente tornou-se possível, porque foi autorizada pelo Comitê Gestor da Internet.483

479 Ibidem.

480 Nos termos da Ementa: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – Obrigação de fazer – Provedor de serviços de internet – Decisão que antecipou a tutela e determinou a remoção do ar de fan pages e grupos fechados hospedados nas URLs indicadas e fornecimento de dados de cadastro disponíveis – Preliminar de conversão em retido – Não cabimento – Mérito – Insurgência da ré apenas no tocante à informação das “portas lógicas de origem” – Informação própria de provedor de conexão – Empresa/ré que exerce atividade de provedor de aplicação de internet (Facebook) – Impossibilidade de fornecimento dos dados relativos à “porta lógica de origem” – Decisão modificada – Preliminar rejeitada, recurso provido.” (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2012094-24.2015.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Egídio Giacoia, j. 28.04.2015) No mesmo sentido ver: (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2150710-76.2015.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Marcondes, j. 31-08-2015).

481 Vide tópico 2.1.4.1, do Capítulo II.

482 Nesse sentido destacamos trecho do Agravo de Instrumento nº 2012094-24.2015.8.26.0000: “há uma rede de endereços disponíveis para acesso à internet denominada ‘IPV4’. No entanto, referida rede se esgotou, de modo que foi criada uma nova rede denominada ‘IPV6’. Para essa transição o Comitê Gestor da Internet autorizou os provedores de conexão a dividirem os endereços pré-existentes de modo que os usuários passaram a compartilhar um mesmo endereço de IP. Contudo, cada usuário irá acessá-lo por meio de uma ‘porta lógica de origem’. Feitas essas considerações, pode-se concluir que a ré, Facebook Brasil, que exerce atividade de provedor de aplicação de internet, não possui referido dado, tendo em vista que se trata de informação própria de provedor de conexão”. (Ibidem.)

483 Decreto nº. 4829, de 03 de setembro de 2003: “Artigo 1o Fica criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGIbr, que terá as seguintes atribuições: I - estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil; II - estabelecer diretrizes para a organização das relações entre o Governo e a sociedade, na execução do registro de Nomes de Domínio, na alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e

Por sua vez, o Desembargador Relator do Agravo de Instrumento acaba por concluir que diante da impossibilidade de identificação do IP, a ré, Facebook Brasil, que exerce atividade de provedor de aplicação de Internet, não possui o referido dado, tendo em vista que se trata de informação própria de provedor de conexão, cujo endereço pode ter sido compartilhado por inúmeros usuários concomitantemente.484

Se não forem adotadas medidas enérgicas contra a cibercriminalidade, cujas ações revestem-se do fantasma do anonimato do agente do crime e gera como resultado a consequente impunidade pela inoperância do Estado, os efeitos maléficos não acarretarão somente reflexos nos índices crescentes de criminalidade, mas sim, consequências nefastas na economia, na educação, na saúde e, principalmente, na estabilidade social.

4.2.1.2 O déficit legislativo na regulação das empresas de comunicação

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