• Nenhum resultado encontrado

O TRATAMENTO JURÍDICO DO MONITORAMENTO DAS COMUNICAÇÕES

1.5. A interceptação das comunicações telefônicas sob a égide da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.

1.5.1. A Abrangência da Lei nº 9296, de

Nos termos da parte final do inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, e artigo 1º, da Lei nº. 9296/1996, a medida excepcional de interceptação telefônica somente é admitida em investigação criminal e instrução processual penal.

Com exceção do artigo 10 da Lei nº. 9.296/199663, cujo dispositivo criminalizou a

interceptação ilegal e a quebra de segredo de justiça, os demais artigos da Lei tratam somente a respeito normas adjetivas (requisitos de admissibilidade da medida, legitimados, prazo da medida, ônus da implementação). Dessa forma, diante da ausência do prazo de vacatio legis, o referido diploma passou a ter validade e eficácia desde a sua promulgação.

63Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996: “Artigo 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”

Pertinente apontar que há precedentes do Supremo Tribunal Federal admitindo o empréstimo da prova colhida no curso de um procedimento cautelar de monitoramento das comunicações telefônicas, desde que seja respeitado o contraditório e a ampla defesa.64

Nesse sentido, conforme apontamos em tópico precedente, o ordenamento jurídico submete a medida restritiva e sigilosa65 à clausula de reserva de jurisdição.

Os elementos colhidos no curso da medida de monitoramento das comunicações, ou seja, o fluxo das comunicações e demais dados e registros pertinentes a ela, em nosso entendimento, podem constituir fonte de prova direta, quando recaírem sobre o próprio fato a ser provado, ou mesmo, prova de natureza indiciária, quando recaírem em fato diverso daquele, mas há possibilidade de se chegar ao fato probando.66

Conforme aponta Ada Pelegrini Grinover, a interceptação telefônica constitui uma forma de apreensão de sinais sonoros, de natureza física, de forma que, seu resultado não é meio, mas sim fonte de prova.67

64 Nesse sentido, segue transcrição da Ementa: “PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova.” (STF. Inq. QO 2424/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, m.v.., jul. 20/06/2007, pub. DJU de 24/08/2007, p. 87).

65 No sentido do sigilo judicial imposto ao procedimento da Lei n. 9.296, de 1996, destacamos decisão do Supremo Tribunal Federal, conforme Ementa a seguir transcrita: “1. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. Interceptação telefônica. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Impossibilidade jurídica. Requisição de cópias das ordens judiciais e dos mandados. Liminar concedida. Admissibilidade de submissão da liminar ao Plenário, pelo Relator, para referendo. Precedentes (MS nº 24.832-MC, MS nº 26.307-MS e MS nº 26.900-MC). Voto vencido. Pode o Relator de mandado de segurança submeter ao Plenário, para efeito de referendo, a liminar que haja deferido. 2. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. Prova. Interceptação telefônica. Decisão judicial. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens judiciais e dos mandados de interceptação. Inadmissibilidade. Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. Aparência de ofensa a direito líquido e certo. Liminar concedida e referendada. Voto vencido. Inteligência dos arts. 5º, X e LX, e 58, § 3º, da CF, art. 325 do CP, e art. 10, cc. art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais.” (STF. MS 27483/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, m.v., jul. 14/08/2008, pub. DJU 10/10/2008, p. 192).

66 Nesse sentido, Ada Pelegrini Grinover. Liberdades públicas e Processo Penal, p. 207. 67 Liberdades públicas e Processo Penal, p. 204.

A natureza sigilosa da medida, cuja natureza da decisão é inaudita altera parte, não atenta contra os princípios do contraditório e ampla defesa, uma vez que diante da própria essência da medida sigilosa, a concretização dos referidos princípios corolários do devido processo legal serão oportunizados, ao indiciado ou acusado, no momento em que o procedimento estiver encerrando. Portanto, verifica-se que o contraditório é diferido e não inexistente.

Nesse sentido, nos termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal de 198868,

torna-se imprescindível a fundamentação da medida judicial, de modo que, não basta ao juiz balizar sua decisão com base nos elementos demonstrados pela autoridade que solicita a medida excepcional, mas sim, apontar nos termos dos artigos 2º, 4º e 6º, da Lei de Interceptação Telefônica, os fundamentos de fato e de direito constitutivos do fumus boni iuris e periculum in mora, diante da natureza cautelar do procedimento.

Nesse entendimento, oportuna a citação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, cujo voto do relator entendeu que a falta de fundamentação na decisão judicial, mesmo que amparada nos motivos que ensejaram a decisão anterior, levou à nulidade da medida.69

A referida decisão tornou nula a decisão judicial monocrática do, à época, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que, diferentemente da representação formulada pelo do delegado de Polícia Federal que representava nos autos, cujo pedido solicitava a

68 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] XI - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”

69 Segue trecho da Ementa da decisão do Supremo Tribunal Federal: “Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. [...] Alegada falta de motivação da decisão proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a qual autorizou a 7ª prorrogação das escutas telefônicas pelo prazo de 30 dias consecutivos, o que estaria em desacordo com a lei de regência. Legitimidade da Corte para sua análise. Licitude da decisão de prorrogação. Precedentes. Trancamento da ação penal. Medida excepcional não demonstrada no caso. Conhecimento parcial da ordem. Ordem denegada. [...] 2. A 7ª prorrogação das escutas telefônicas, por ter sido autorizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, legitima esta Corte para sua análise. Entretanto, inexiste, na espécie, ausência de motivação da decisão que a implementou, pois, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, “as decisões que, como no presente caso, autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento” [...]. Conhecimento parcial da ordem. Ordem denegada.” (STF. HC nº. 100.172/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, m.v., julg. 21/02/2013. Pub. 25-09-2013, DJ, p. 188).

prorrogação da medida pelo prazo de 15 dias, acabou por autorizar a medida de interceptação telefônica pelo prazo consecutivo de 30 dias.70

Em outra oportunidade, diante de uma emblemática investigação conduzida pelo Departamento de Polícia Federal, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendeu pela nulidade do procedimento investigatório ab initio, frente à violação de direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988. O Ministro relator destacou, em seu voto, que a decisão judicial que embasou a medida excepcional de interceptação das comunicações telefônicas deixou de observar princípios basilares de um Estado Democrático de Direito, frente à inobservância dos princípios da legalidade, da imparcialidade e do devido processo legal, bem como a falta de fundamentação das decisões.71

Do ponto de vista objetivo, a proteção abrange, não apenas os telefones privados, mas também, os telefones públicos. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal manifestou- se:

70 Conforme amplamente divulgado na mídia, a referida investigação trata-se da assim denominada operação Têmis, conduzida pelo Delegado de Polícia Federal Luiz Roberto Ungaretti de Godoy, cujo processo iniciou-se após representação do Ministério Público Federal junto ao Tribunal Regional Federal da Terceira Região, uma vez que os fatos relatavam o suposto envolvimento de juízes federais daquele mesmo Tribunal, entre outros suspeitos, na prática de crimes contra a Administração Pública. Posteriormente a investigação foi remetida ao Superior Tribunal de Justiça, pela suspeita do envolvimento de juízes federais de segunda instância no apuratório. (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=200602786980&aplicacao=processos.ea.>. Acesso em 13 jan. de 2016. Nesse sentido, destacamos trecho do voto do Ministro Hamilton Carvalhido: “[...] Em abril do ano corrente, foi deflagrada a operação Têmis da Policia Federal, em que se apura a suposta prática de corrupção envolvendo membros do Poder Judiciário. A investigação iniciou-se no Egrégio Tribunal Regional da 3ª Região, sendo remetida, posteriormente, a este Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em virtude de prerrogativa de foro. Nesta Corte, o inquérito judicial em referência recebeu o número 547/06. [...].” (STJ – HABEAS CORPUS Nº 88.543/SP (Decisão monocrática 2007/0185565-6), Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j.

10/08/2007, pub 15/08/2007, Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?tipo_visualizacao=&livre=%22opera%E7%E3o+T%EAmis%22& &b=DTXT&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=11>. Acesso em 13 jan. de 2016.

71 Nos termos da decisão prolatada em sede de Habeas Corpus, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, concedeu ordem para anular todas as provas colhidas desde o início da investigação, conhecida como operação Satiagraha, como também, aquelas geradas por derivação, no curso da medida, conforme trecho a seguir transcrito da Ementa da decisão: “Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Operação satiagraha. [...]. Patente a ocorrência de intromissão estatal, abusiva e ilegal na esfera da vida privada, no caso concreto. Violações da honra, da imagem e da dignidade da pessoa humana. Indevida obtenção de prova ilícita, porquanto colhida em desconformidade com preceito legal. Ausência de razoabilidade. As nulidades verificadas na fase pré-processual, e demonstradas à exaustão, contaminam futura ação penal. Infringência a diversos dispositivos de lei. Contrariedade aos princípios da legalidade, da imparcialidade e do devido processo legal inquestionavelmente caracterizada. A autoridade do juiz está diretamente ligada à sua independência ao julgar e à imparcialidade. Uma decisão judicial não pode ser ditada por critérios subjetivos, norteada pelo abuso de poder ou distanciada dos parâmetros legais. Essas exigências decorrem dos princípios democráticos e dos direitos e garantias individuais inscritos na constituição. Nulidade dos procedimentos que se impõe, anulando-se, desde o início, a ação penal.” (STJ. HC 149.250/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, m.v., j. 07/06/2011, pub. DJe 05/09/2011).

[...] a garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos.72

Em nosso entendimento, a Lei de Interceptação Telefônica possibilita o monitoramento dos seguintes dispositivos: a) telefones fixos (públicos ou privados); b) telefonia móvel celular; c) terminais telefônicos utilizados para fax; d) terminais de radiofrequência; e) telefones satelitais, f) fluxo de sistemas de informática; e, g) sistemas de telemática73.

Desde já, é adequado salientar que, diante da especificidade imposta ao tema “monitoramento das redes virtuais (eletrônicas)”, optamos pelo estudo da disciplina em um capítulo à parte.74

1.5.2. Os legitimados

Nos termos do artigo 3º, da Lei nº 9.296/1996, a autoridade policial e o Ministério Público são os legitimados pela quebra do sigilo telefônico e/ou a interceptação telefônica,

72 (STF. HC 72588/PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, m.v., j. 12/06/1996, publ. DJ de 04/08/2000, pp. 00003).

73Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela constitucionalidade do parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 9.296, de 1996, conforme Ementa que transcrevemos a seguir: “Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Parágrafo único do art. 1º e art. 10 da Lei nº 9.296, de 24.7.1996. 3. Alegação de ofensa aos incisos XII e LVI do art. 5º, da Constituição Federal, ao instituir a possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. 4. Relevantes os fundamentos da ação proposta. Inocorrência de periculum in mora a justificar a suspensão da vigência do dispositivo impugnado. 5. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Medida cautelar indeferida. Posteriormente, por falta de legitimidade, a ação foi julgada improcedente, uma vez que a autora não possuía legitimidade, nos termos do artigo 103, IX, da Constituição Federal de 1988.” (STF. ADI-MC 1488/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, v.u., j. 07/11/1996, publ. 26/11/1999, pp. 00083).O STJ, igualmente, decidiu que o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.296/96 autoriza, em sede de persecução criminal e mediante autorização judicial a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática (HC 15026/, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, v.u., j. 24/09/2002, publ. DJ de 04/11/2002, p. 266). No mesmo sentido os precedentes que seguem: “[...] V. A expressão ‘comunicações telefônicas’ foi utilizada na Constituição Federal e na Lei nº 9.296/96, em sentido lato, englobando, inclusive, as comunicações realizadas através de sistemas de informática e telemática, por via de telefone, pelo que plenamente viável a sua interceptação e quebra do respectivo sigilo, dado que devidamente autorizados pelo legislador, para fins de prova em investigação criminal e em instrução processual penal. VI. As técnicas de comunicação se modernizaram, a permitir, assim, que inúmeros crimes extremamente graves possam ser cometidos pela via telefônica, mediante a utilização de recursos técnicos aptos a emitirem, transmitirem e receberem mensagens por meio de métodos ou processos convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro ou visual, pelo que se restasse admitida somente a interceptação de sons e conversas, a persecução penal sofreria sérios cerceamentos, resultando em prejuízos à necessária elucidação dos fatos delituosos.” (TRF3ª Região. ACR 7596 SP 2000.61.81.007596-0, Quinta Turma, Rel. Juíza Suzana Camargo, v.u., j. 03/08/2001, pul. DJU de 04/09/2001, p. 454).

apesar do mesmo dispositivo admitir que o juiz, de ofício, determine a medida excepcional, prevalece o entendimento de que o referido dispositivo viola o princípio da imparcialidade e do devido processo legal.

No dia 31 de março de 2005, o então Procurador Geral da República, ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3450) questionando justamente a legitimidade do juiz de decretar de ofício, a interceptação das comunicações telefônicas, por ofensa aos princípios acima referidos.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência do pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 3º da Lei nº 9296/1996, excluindo a interpretação que permite ao juiz, na fase pré-processual penal determinar, de ofício, a interceptação de comunicações telefônicas.

Os Autos foram conclusos ao relator em setembro de 2011 e, até o presente momento, aguardam decisão.75

Outline

Documentos relacionados