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4.2 A MULHER E O CORPO PERFEITO

4.2.5 Quadris, pernas e pés

Os membros inferiores são citados e expostos como algo que se faz essencialmente importante para a beleza feminina. E para uma melhor harmonia com a perfeição do corpo, estas partes, também segundo o Anuário, deveriam estar sempre bem cuidadas:

Uma mulher é sempre seductora quando tem pernas bonitas... Esta opinião masculina, que obtem unanimidade de votos em caso de discussão sobre a esthetica feminina, deveria ser lembrada por muitas mulheres que descuidam do cansaço das pernas. [...]

No verão é um verdadeiro supplicio quando chega a noite. Todas essas perturbações devidas a uma insuficiência vascular – isto é má circulação – são o prenúncio de inconvenientes mais graves: as varizes que alteram a circulação e que são irremediáveis, pois são devidas ás veias que arrebentam. Desastre irreparável numa perna bonita aquellas manchas azues ou violeta, o marmoreado que aparece quando se está de “maillot”, o que transparece mesmo sob a meia de seda. Por favor leitora, não espere estes desastres irreparáveis. Cuide das pernas preservando-as da fadiga e do calor que lhes augmenta o mal estar. 305

Tendo em mente a sociedade patriarcal, a opinião do homem sempre era destacada como importante para o desenvolvimento corporal de uma mulher, não podendo ser desconsiderada,

304 CONVÉM evitar peso para ser elegante e saudável. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima

“O Malho”, ano XXIII, 1957, p. 142.

305 TORNOZELOS finos e barriga de perna redonda. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima

“O Malho”, ano IV, 1937, p. 226.

uma vez que a dominação masculina tornava a reprodução do discurso mais comum. Nesse sentido, as pernas deveriam possuir um aspecto jovial e bem cuidado, para que pudessem se encaixar em um perfil bonito e salutar, taxando como “desastre” as varizes, muitas das vezes ocorridas pelo desagaste diário ou mesmo pela gravidez e o aumento de peso que ela trazia.

O destaque dado à feiura das pernas poderia ser tanto que havia mesmo a sugestão de proibir de expô-las em público através do uso dos trajes de banho ou de roupas mais curtas:

Não há mulher bonita com as coxas grossas. Sob o vestido ou de maillot nada torna tão pesado o corpo. Afine as coxas e rejuvenescerá, adelgaçará a linha. Precisa, apenas, de um pouco de coragem. Si a natureza lh’as deu delgadas e compridas, não creia, porém, que as conservará sempre assim sem um pouco de gynastica. Nas mulheres as coxas têm tendência para engrossar muito rapidamente e são as coxas que aproveitam a primeira gordura superflua. Indicamos uma série de movimentos destinados a manter as coxas fuseiformes, si os fizer regularmente. Estes movimentos, feitos rapidamente e numerosas vezes, tornarão delgadas as coxas que estejam um pouco engorgitadas. [...] Si fizer todos os exercícios indicados nas gravuras, e nadar de bicycleta, correr ou nadar methodicamente, terá belas coxas, musculosas, mas finas. Não seja preguiçosa, leitora, não diga: ora, debaixo do vestido se vê. Que erro!

Os vestidos de agora talvez descubram mais o corpo que o estricto maillot de banho...306

No artigo “para ter coxas finas”, a feiura aparecia sob a forma de coxas grossas e gordas que davam um aspecto envelhecido às mulheres. Aqui o estereótipo de beleza das curvas acentuadas não chegava às leitoras brasileiras da revista. Quer seja pela moda da “cultura física”

e dos cuidados crescentes com a saúde ou mesmo pela “linha fina” representar uma beleza mais duradoura, o fato é que a revista de 1952 também exibia algumas dicas desse tipo:

Afinal a silhueta para ser elegante, um técnico no assunto escreveu que, cada verão, devemos verificar se a linha do corpo está pronta a receber e exibir um “short”, um

“maillot”, um vestido que deixa ombros e braços nús, pés sem meias, a cintura fina de invejar, uma esbelteza do porte que supera qualquer boniteza fisionômica. Toda mulher deve vestir com elegância o seu indispensável “short” nos dias de calor. O pior é que nem todas podem fazê-lo, mesmo porque se trata de veste indiscreta, revelando, muita vez, o que muitas devem esconder. Para sentir-se à vontade ao usar as pequenas calças, continua o técnico, várias qualidades físicas são indispensáveis: ter bonitas pernas, quadris estreitos, ventre chato, e, principalmente, não possuir as gordurinhas cacetes que se aninham na cintura e no peito. Essas linhas perfeitas podem ser mantidas ou mesmo adquiridas depressa, asserção que deve encorajar as mulheres que se deixaram abalar pelo sabor de gulodices e, em consequência, aumentar de peso. Os quadris aumentam em virtude de vida sedentária, manter-se sentada durante bastante tempo, falta de ginástica e regime alimentar abundante... Faz-se mistér um exame de consciência, e vale a pena esforçar-se para corrigir tais defeitos. A princípio custa um pouco, depois acostumam-se ao trabalho diário, ocupando pouco espaço de tempo, e redundando em benefício da silhueta, da saúde e da boniteza. 307

306 DAS, Joaquim; PALAU, André. Para ter coxas finas. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano IV, 1937, p. 182. Nenhuma ocorrência sobre a vida dos autores foi encontrada.

307 SILHUETA elegante. Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano XIX 1952, p. 172-173.

O texto defendia, explicitamente, que as mulheres que não possuíssem certos atributos não deveriam vestir shorts durante o calor. A feiura das pernas, dos quadris largos e da gordura, quer fosse no ventre, na cintura ou no peito, não permitia o uso de roupas mais leves que facilitassem a vida das mulheres durante o verão. Esconder as ditas “imperfeições” era algo fundamental para a beleza feminina que, para não revelar o “sedentarismo”, a falta de ginastica e a alimentação em excesso, não deveriam medir esforços para conquistar a tão sonhada beleza.

O uso inapropriado de certas roupas também poderia revelar alguns “defeitos” da estética feminina, como apontava Sorcière (Alba de Mello), no artigo “na moda”, de 1934:

Da moda, gostam todas as mulheres, procurando adaptal-o ao próprio typo; buscando-lhe a feição que realce a belleza; estudando-buscando-lhe a linha que mais acentúe a perfeição do corpo ou encubra provaveis... imperfeições; escolhendo o colorido que não prejudique o da pelle, pelo contrário, mais viço lhe dê. A moda, conquistadora irresistível, tem sofrido modificações, inummeras, tendo logar mais radical há annos quando surgiram a as saias pelos joelhos e cabellos cortados quasi como os dos homens. Durou, durou, bastante. Até parecia que não mais abandonaríamos os trajes que nos deixava pernas de fora – atingindo mesmo o exagero de permitir exhibição dos joelhos, que, com os cotovelos, são, sem dúvida alguma, os pontos fracos da esthetica feminina. 308

O texto que exibia o uso da moda em favor do realce da beleza feminina revelou algumas noções de feiura. O uso das roupas curtas e da moda “à la garçonne”, popularizada nos anos de 1920, deixava de fora “pontos fracos” de estética feminina como os joelhos e os cotovelos.

Assim como eles, os pés exigiam um recurso à parte na manutenção da beleza, pois “uma das coisas mais difíceis para mulher é mostrar-se fascinante... se os pés lhe doém! o encanto pessoal tente a desapparecer se a dona está se preocuppando com um sapato apertado ou um callo dolorido”.309

A feiura, fosse inconscientemente ou não, estava por conta e risco das mulheres. As revistas e as publicidades que elas traziam já teriam “feito o seu trabalho em prol das mulheres”

ao entregar um leque de oportunidades para conquistarem por si mesmas a beleza, como mostra Sant’anna:

Max fator Jr., Elza Marzullo, uma serie de conselheiros homens e mulheres, brasileiros e estrangeiros, não cessam de repetir: os segredos de beleza não existem mais, tudo depende do aprendizado de algumas técnicas, que segundo eles são acessíveis a todas as mulheres. No final da década de 50 a beleza parece ter se tornado um dever inalienável de toda mulher, algo que depende unicamente dela [...], por conseguinte, recusar o embelezamento denota uma negligência feminina que deve ser

308 SORCIÈRE. Na moda. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano I, 1934, p. 165.

309 FACTOR, Max. Segredos de Beleza. In :Anuário das Senhoras, Rio de Janeiro: Sociedade anônima “O Malho”, ano VI, 1939, p. 178-183, 200, 203,212, 274.

combatida. Um bom “exame de consciência”, sugerem os conselheiros, revelam que os defeitos da aparência são unicamente resultantes dos problemas individuais. Estes vão da falta de confiança em si mesma às frustrações secretas, inconscientes.

A preocupação com a beleza das mulheres revelou inúmeras formas e ocorrências de feiura por toda extensão do corpo feminino, que tornava mais difícil do que necessário o consumo de dicas que se renovavam e se adaptavam ao sabor dos avanços da ciência da beleza e da dinâmica dos costumes. Essas, porém, foram algumas que puderam ser listadas dentre tantas exibidas em artigos ou publicidades. Entretanto, a feiura para as mulheres não pairava somente nos detalhes físicos, mas também no que talvez fosse a origem principal desses casos, a moralidade. Com base nisso, no tópico a seguir pode-se aprofundar um pouco nesse terreno denso e instável.