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A estigmatização da imagem pessoal

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1.3. A imagem pessoal na representação visual

1.3.3. A estigmatização da imagem pessoal

A noção de imagem real ou ideal reforça o argumento de que uma imagem criada pode ser estigmatizada. Isso ocorre principalmente se observarmos o fato de que a criação de uma efígie será sempre associada ao segmento de atuação de um indivíduo. Trabalhamos a noção de estigma como um fato ou um tipo de relação entre atributo e estereótipo. Mas, para obter essa leitura é preciso tratar o verbo estigmatizar como aquilo que marca, que assinala e não no sentido infamante ou pejorativo. Goffman estuda a manipulação da noção que rotula o “eu” de um indivíduo e o encobrimento deste. Goffman considera que “a informação social transmitida por um símbolo pode estabelecer uma pretensão especial a prestígio, honra ou posição de classe desejável”.139 Pois, o ser humano

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FREITAS, Ricardo Ferreira. Corpo e consumo: a estética carioca. Que corpo é esse? Novas perspectivas. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 127.

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SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004, p. 60.

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GOFFMAN Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988, p 53.

pode ser estigmatizado na sociedade e a forma de rotulação que ele recebe vai depender do espaço que ele ocupa e de sua forma de representação no meio social. Para Goffman, “os membros da classe baixa que, de forma bastante perceptível, trazem a marca de seu status na linguagem, aparência e gestos, são considerados como cidadãos de segunda classe”.140

Se a estigmatização é um fato concreto e está sempre presente nas representações sociais, logo se pode pensar na conveniência que uma boa imagem traz para o indivíduo, com o intuito de fazer com que a sua aparência seja estigmatizada ou marcada de forma positiva e favoreça a representação do ser humano na sociedade. Segundo Knapp e Hall, “as pessoas que interagem com indivíduos estigmatizados escolhem distâncias iniciais para conversações maiores do que com pessoas não estigmatizadas ou ‘normais’, mas essa distância diminui à medida que o tempo de interação aumenta”.141 Além dessa observação de Knapp e Hall, pode-se também mencionar que os sujeitos que ocupam um cargo de liderança são abordados com maior distância por seus subalternos porque a própria condição social de um indivíduo, listada em sua imagem, sugere uma forma de estigma na interação, impondo uma certa distância inicial.

Portanto, todos os tipos de estigma acontecem porque o indivíduo percebe a sinalização de diferenças no outro (no momento da interação) em nível intelectual, financeiro ou corporal, criando em muitos casos uma certa admiração por parte do receptor. Assim, Goffman considera que “a natureza de uma pessoa, tal como ela mesma é, nós a imputamos, é gerada pela natureza de suas filiações grupais”.142 Daí poder-se acrescentar que o esforço da boa aparência se sobressai ao contraste entre apresentação e realidade, na perspectiva goffmaniana. O que determina o estigma são os padrões do grupo. Mesmo porque, sempre que um indivíduo tiver oportunidade de se inserir numa nova unidade, ele terá condições de recuperar ou melhorar sua aparência e desvinculá-la do estigma imposto pelo convívio anterior. E isso acontece de acordo com os interesses de cada indivíduo e de cada segmento. Uma mudança em suas relações pode ser capaz de auxiliá-lo na reversão de um estigma que prejudicou a sua imagem pessoal. A área de manipulação de um estigma

140 Id. Ibid. p 157. 141 Op. Cit. p. 170. 142

pode ser considerada, nesse caso, como algo que pertence basicamente ao grupo de convívio ou de erupção de sua imagem pessoal.

Os espaços microssociológicos são lugares de manipulação do eu e, conseqüentemente, o território onde a imagem pessoal aparece ou circula. As igrejas e as empresas, por exemplo, colaboram, ao se tornarem espaços simbólicos, para engendrar um rótulo num indivíduo, criando um estigma no imaginário coletivo. Logo, a imagem é rotulada e posteriormente institucionalizada, com o objetivo de repassar uma certa identidade à sociedade. Quando um indivíduo prepara a sua imagem pessoal para a interação e a subordina aos critérios de uma instituição, ele consegue legitimar sua aparência, usando para isso os valores agregados pela organização da qual ele participa. Aumont143 escreveu que a imagem se define como um objeto produzido pela mão do ser humano sempre para transmitir algo a seu espectador, sob forma simbolizada. Daí afirmarmos que a manifestação de um estigma em uma imagem pessoal encontra os processos cognitivos e intelectivos oriundos da cultura do indivíduo.

A partir dessa afirmação, é possível deduzir que a estigmatização da imagem pessoal encontra forma na expressão verbal e não-verbal emitidas pelo corpo e pelos acessórios que complementam a aparência de um ser humano. Goffman alimentou a idéia de que, “em nossa sociedade, um homem é sempre aquilo que a sua designação indica (...)”.144 Isto porque uma “pessoa geralmente espera ter certo controle da maneira de apresentar-se diante dos outros. Para isso precisa de cosméticos e roupas, instrumentos para usá-los (...). Em resumo, o indivíduo precisa de ‘estojo de identidade’ para o controle de sua aparência pessoal”.145 Ao fixar uma imagem, o indivíduo estará criando uma marca pessoal, que interagirá de forma simbólica no cotidiano. Na sociedade pós-moderna, em que a interação é mais simbólica, até a substituição do nome por um título profissional ou religioso contribui para marcar a imagem pessoal de forma vantajosa. A perda do nome por um título, nesse caso, deixa de ser uma maneira de mutilação do eu e passa a figurar como mais um elemento legitimador da imagem.

143

Op. Cit. p. 260.

144

GOFFMAN, Erving. Estigma... p. 72.

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O corpo educado para um determinado tipo de interação simbólica é sempre um recipiente para a inserção de uma imagem estigmatizada, visando a marcar ou fazer nascer um ícone ou um fenômeno. Menciona-se ainda que um rótulo construído a partir dos recursos corporais, além, é claro, dos cognitivos e intelectivos, favorece a manutenção da imagem positiva de uma pessoa, cooperando para a legitimação da boa aparência pessoal, por ser a aparência uma forma de extensão do ser humano, partindo das mais diversas informações e recursos. Um indivíduo estigmatizado é aquele que apresenta no corpo a marca de um processo cultural inventado pelos agentes sociais e utilizado como um fator de diferenciação na interação simbólica de via dupla, na qual “o estigmatizado e o ‘normal’ são parte um do outro”.146 Como se pode observar, o corpo, no processo de interação, cria uma imagem pessoal e esta pode transformar-se num estigma.

Conclusão

Nosso objetivo neste capítulo foi oferecer um cenário amplo acerca da educação corporal para interação simbólica destinada à criação de uma imagem pessoal favorável. Argumentamos que os elementos construtores e legitimadores de uma aparência pessoal são bastante complexos e passam pelo crivo de uma base cultural e ideológica. Consideramos que o primeiro instrumento natural para a criação de uma boa imagem é o corpo e suas diversas expressões e que esse instrumento adequado é educado para a interação social de acordo com um conjunto de variáveis. Essas variáveis estão diretamente relacionadas ao cotidiano de uma pessoa e podem ser ampliadas por meio das diferentes interfaces de comunicação (TV, palco e altar). Contudo, acreditamos que a construção da imagem pessoal é um fator de reflexão sobre o quanto a sociologia e a cultura de um indivíduo o auxilia e o educa para a criação de uma boa efígie para a representação cotidiana.

Desejamos reportar as informações aqui levantadas para a esfera do marketing pessoal e, posteriormente, dirigirmos os dados para o campo religioso. Pois entendemos

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que um corpo pode ser submetido às doutrinas de uma religião e, dessa forma, ser moldado para representar as idéias do grupo religioso. Assim, o corpo é um instrumento natural de adequação das ideologias propostas pelas igrejas. Contudo, decidimos, neste primeiro capítulo, tecer nossa análise num viés não segmentado, porque almejamos mencionar que as informações trabalhadas aqui podem ser ajustadas a qualquer esfera, pois toda construção de uma imagem pessoal, seja de uma liderança religiosa ou não, possui um script de “formatação” baseado, no mínimo, nos seguintes aspectos: educação do corpo, realidade social, estética, processo de racionalização, mensagem, carisma e persuasão. Ponderamos que é por meio desses fatores que o indivíduo recebe a marca ou estigma da sua efígie e interage com o seu meio social. Por esse processo, o ser humano consegue criar uma marca pessoal e trocar os valores simbólicos ou comerciais encontrados nas técnicas de marketing pessoal.

Os subsídios levantados na primeira parte da dissertação serão aproveitados, dentro da perspectiva de que uma boa aparência pessoal serve como apoio para a apresentação do marketing pessoal, baseado na troca, forjado dentro de um contexto, uma vez que o corpo pode ser considerado como produto social. Compreendemos que os sujeitos que trabalham sua imagem por meio de acessórios, roupas, postura e gestos sofisticados, retórica, marketing de relacionamento estão promovendo simbolicamente um meio ideal de interação positiva e a isso denominamos marketing pessoal. Em suma, sem uma boa imagem, nascida principalmente de um corpo educado, não se constrói o marketing de uma pessoa. Posteriormente, no terceiro capítulo, aproveitaremos as informações classificadas em nossa averiguação para discutir o marketing pessoal no setor religioso, mais especificamente os bispos, os pastores, os obreiros e as obreiras da Igreja Universal do Reino de Deus.

Por meio da compreensão da tríade corpo, interação e imagem é que pretendemos alargar o nosso pano de fundo para tratar a respeito das ferramentas de marketing pessoal. Acreditamos que as técnicas de marketing relacionadas ao ser humano, egressas, principalmente, da classe executiva, podem ser avaliadas paralelamente ao novo formato do perfil de líderes religiosos emergentes da esfera neopentecostal instaurada no Brasil. O referencial teórico escolhido para pensar a questão é o interacionismo simbólico, porque acreditamos que toda imagem criada e toda forma de marketing pessoal são

produzidas para a interação simbólica, com o cunho de troca ou venda. Outrossim, a construção da boa aparência pessoal, ajustada às técnicas de marketing, para uma ação vantajosa na representação do cotidiano, é o ponto chave que desejamos discorrer no capítulo que se segue.

C

APÍTULO

2.

C

ORPO

,

INTERAÇÃO E MARKETING

PESSOAL

Discutimos no primeiro capítulo sobre a educação corporal necessária para a interação simbólica envolvida na criação de uma imagem pessoal. Argüimos sobre muitos recursos que podem ser utilizados na produção de uma imagem positiva. Tratamos, ainda, da idéia de que cada cultura precisa de formas próprias de interação, na qual o sistema cultural é o responsável por estabelecer os arranjos simbólicos imbuídos na esfera interativa. Isto porque toda interação requer um padrão sócio-cultural de imagem humana na qual a forma de construção da aparência pessoal é criada para a representação cotidiana, de acordo com o espaço macro ou microssocial a que o indivíduo está vinculado. Acreditamos que os fatores expostos no primeiro capítulo são significativos para adentrar na discussão do marketing pessoal. Entretanto, consideraremos o marketing pessoal uma ferramenta de marketing resultante da pós-modernidade.

Assim, os sujeitos que trabalham sua imagem por meio de acessórios, roupas, postura, processos de embelezamento e gestos sofisticados podem ser considerados pessoas que estão promovendo simbolicamente um meio ideal de interação. Tais procedimentos são denominados de marketing pessoal. Como no caso da aparência pessoal dos bispos, pastores,obreiros e obreiras da Igreja Universal, que pode ser entendida como uma construção para representação no meio religioso. Recorremos aos escritos de José Martins, que afirma que “a mente das pessoas percebe, simultaneamente, vários aspectos da imagem [encontrando] o apelo ao ego, as emoções e os estados de espírito mais sutis”.147 Daqui surge a idéia de escrever o segundo capítulo, com o propósito de analisar o marketing pessoal tanto de forma conceitual como também operacional a partir de uma imagem

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MARTINS, José. A natureza emocional da marca: como encontrar a imagem que fortalece sua marca. São Paulo: Negócio, 1999, p. 126.

construída para ser percebida e identificada como uma imagem de sucesso. Assim, julgamos existir uma associação entre o marketing pessoal e a dinâmica das áreas executiva, religiosa e política em relação à adequação da imagem de um líder a seus liderados. Dessa forma, o interacionismo simbólico será importante neste capítulo, principalmente pelas suas contribuições para a área de marketing e também servirá como um referencial para tratar a respeito da exposição do marketing pessoal.

O interacionismo simbólico como teoria sociológica reforça os significados, relacionando a interação social aos símbolos. “O interacionismo simbólico pode ser considerado uma variante da corrente interacionista em ciências sociais”.148 Nesse sentido, desejamos ressaltar que o marketing pessoal é uma prática que dispõe de vários mecanismos simbólicos que estão ligados à interação humana, criando uma certa “ciência das aparências”. Analisaremos, então, a questão do corpo e o marketing pessoal à luz do interacionismo simbólico, partindo do pressuposto de que a ferramenta de marketing, o marketing pessoal, pode ser avaliada por meio do corpo, de suas expressões verbais e não- verbais e não somente por meio de roupas e acessórios. Nesse aspecto, o marketing pessoal vai além destes recursos de encobrimento, pois para se praticar marketing pessoal é necessário criar uma boa imagem, e esta advém principalmente de técnicas corporais. Conquanto, analisaremos o marketing pessoal na ótica da interação social e comercial. No capítulo final verificaremos como esse processo acontece no caso da Igreja Universal do Reino de Deus, por meio de seus bispos, pastores, obreiros e obreiras.

No documento Download/Open (páginas 51-58)