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A imagem masculina iurdiana no templo e na televisão

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3.2. A imagem pessoal da liderança no templo e na televisão

3.2.3. A imagem masculina iurdiana no templo e na televisão

Consideramos que a performance interativa nas interfaces de comunicação da IURD é representada por um poder masculinizado, pois, a administração dos recursos humanos e materiais da Igreja Universal, compreendidos como força de trabalho e capital constante, no que diz respeito ao pensamento marxista, apresenta uma estrutura empresarial composta de homens (dentro de sua cúpula). Porém, no que se refere aos trabalhos subordinados, a Igreja Universal conta com a ocupação em massa das mulheres, num estilo bastante naturalizado328. Entendemos que em todos os segmentos, e não somente na IURD, a mulher “sofre” de uma desigualdade desvantajosa em relação ao homem (cargos subordinados, menores salários etc); um formato sócio-econômico naturalizado.

Observando a história, nota-se, ainda, que só a partir dos anos de 1970 que algumas mulheres recebem destaque em alguns segmentos da sociedade, o que demonstra

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CAMPOS, Leonildo S. Teatro, templo... p. 223.

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A questão da naturalização abrange também a forma que a divisão do trabalho foi realizada (forma “generificada”), onde atribuíram à mulher os papéis inferiores, subalternos, caseiros.

que a inserção feminina é algo ainda incipiente no Brasil. Posteriormente, na década de 80, acontece a grande crítica do “feminismo da igualdade”, a mulher entra naquilo que é, até então, denominado “mundo masculino”, não no sentido de masculinizar os campos de interesse, mas de ocupar algumas posições, principalmente no campo profissional. Conquanto, apesar das conquistas de inclusão das mulheres e a tentativa de “desnaturalização” do gênero, o que assistimos dentro das igrejas observadas e de vários outros segmentos sociais ainda é a naturalização do papel feminino, demonstrando que as aquisições se deram em caráter embrionário.

Consideramos em nossa investigação o papel da mulher na Igreja Universal em relação à função da obreira, porque existe a figura da pastora329, mas de uma maneira minoritária, o que também pode ser visto como um fator de naturalização. Mas é importante entender que a obreira não é um agente passivo neste processo de naturalização, uma vez que ela assume seu papel e representa com “satisfação” a função de obreira, como se estivessem num palco. Ao que parece, ela trabalha dentro da noção do processo de ascese discutido por Weber330. Quando mencionamos que ela não é um agente passivo é porque, ao mesmo tempo em que se submete ao serviço auxiliar, subalterno, ela se utiliza desse serviço, no que se refere ao “poder” simbólico que o cargo lhe confere. Mesmo que implícito, a encontramos numa imagem de status em relação às outras mulheres e também numa situação de foco, de atenção por parte da platéia no momento em que auxilia o pastor nas laterais do templo. Apesar de as obreiras terem seus objetivos de atuação na esfera iurdiana e, segundo Pierre Bourdieu331, os indivíduos agem visando a metas, mesmo que não conscientes disso, notamos que as obreiras não conseguem figurar no mesmo espaço dos líderes homens, pois o controle do cenário, o poder do discurso e a exposição da imagem são atividades masculinas.

Para Macedo, a Igreja Universal não tem uma hierarquia masculinizada: “não somos machistas. Temos pastoras”.332 Apesar dessa afirmação, não encontramos durante o período de nossa pesquisa nenhuma pastora sequer no palco/altar ou na televisão

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SOARES, Beth. Mulheres pastoras: uma benção de Deus. Revista Plenitude, 29.03.1999, p.1-2.

330

WEBER, Max. A ética ...

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BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2001.

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direcionando a apresentação cúltica da IURD. No decorrer da nossa pesquisa, encontramos apenas mulheres obreiras ajudando na liturgia dos trabalhos, mesmo assim sua figuração acontece de maneira limitada. A forma de estetização da obreira iurdiana acontece pela utilização do uniforme padronizado, de cor discreta e corte modesto. Esse uniforme333 comunica que a mulher é uma obreira, sendo a sua imagem pessoal criada para o sagrado, dentro de um contexto de submissão. A imagem da obreira é “formatada” a partir de uma postura ereta, pés e pernas bem posicionados, mãos para trás e olhar acompanhando334 todas as situações e manifestações do culto, num comportamento cinestésico.335

Figura 3.12 O espaço de representação da obreira iurdiana

acontece nas laterais do palco/altar. Fonte: www.arcauniversal.com.br

No que diz respeito às mãos para trás, as encontraremos neste gesto apenas no momento em que elas estão nas laterais do altar. Isto porque, quando elas mudam de posição e começam a auxiliar nos períodos de oração, a postura passa a ser outra. Nesses momentos, elas começam a contracenar com as mãos também levantadas, passando à

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Em uma das visitas aos templos da IURD (7/5/06) observamos a seguinte cena: ao chegarmos nos deparamos com uma obreira, o dia estava frio e antes de iniciar o culto das dez horas lá estava ela, descendo uma espécie de rampa a fim de se posicionar nas laterais do palco/altar. Tudo pareceria normal se antes ela não tivesse, rapidamente, entre um passo e outro, retirado seu casaco de frio que, de certa forma, destoava esteticamente do uniforme que a padronizava em seu devido cargo. Ficou claro que ali existe um treinamento, estilo empresarial, e a preocupação é que ao abrir as “cortinas” todas/os têm que demonstrar preparo.

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“olhar acompanhando”, porque não é muito característico das classes sociais subalternas de onde vem a maioria dessas mulheres, manter a cabeça para cima, num sentido de igualdade, até porque nota-se uma certa “timidez”; e sua cabeça geralmente fica meio que para baixo. Mas, isso também pode demonstrar uma espécie de reverência por parte dessas mulheres ao espaço sagrado e ao transcendente.

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Movimento do corpo ou comportamento cinestésico inclui gestos, movimentos do corpo, comportamento ocular e a postura. KNAPP, Mark L; HALL. Judith A. Comunicação não-verbal na interação humana. São Paulo: JSN, 1999.

imaginação coletiva um senso de socorro, o estar em uma posição assistencial, mas o espaço de representação dessa obreira não chega ao púlpito e nem na televisão.

Apesar de a obreira da IURD aparentemente receber algum tipo de treinamento provindo de algumas técnicas de marketing pessoal, uma vez que ela representa seu papel com simpatia, voz amável, gestos suaves, sorriso no rosto, cabelos arrumados, unhas limpas, sapatos limpos, mesmo assim ela interage marginalmente com a platéia. Ela aborda a clientela somente na recepção do templo, mas não no sentido da estratégia de venda pessoal. Dessa forma, quem vai trabalhar a venda pessoal e a oferta ou repasse dos bens simbólicos é o homem. A obreira apenas cumpre seu papel auxiliar. Relembramos Berger que afirma que “os papéis sociais e as identidades existem como fenômenos objetivamente reais do mundo social, mesmo que todas as coisas sejam produções humanas”.336 Logo, pensamos a que forma de produção da imagem da obreira está submetida à dominação masculina existente na Igreja Universal.

Ora, notamos que na IURD existe um desnível muito acentuado em relação aos aspectos da exposição da imagem pessoal das mulheres nos meios de comunicação e nos templos. As mulheres obreiras não têm acesso aos meios nobres de distribuição da imagem, como o palco/altar e televisão. Por isso, assumimos que não é possível trabalhar a idéia do marketing pessoal da liderança iurdiana masculina na mesma dimensão da feminina. E isso parece transmitir a idéia de que a maneira de exposição masculina da liderança é uma forma ideal de representação no palco/altar e na TV. Ora, é perceptível a relação de poder “estruturada e estruturante” na maneira de apresentar a imagem da liderança iurdiana nos meios de comunicação da mensagem da Igreja. Nos escritos de Bourdieu encontramos o texto seguinte, que pode nos ajudar na análise dessa situação:

Não basta notar que as relações de comunicação são, de modo, inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acumulados pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nestas relações e que, como o dom ou o potlatch, podem permitir o acumular poder simbólico. É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação

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BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985, p.15-64.

da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra dando o esforço de sua própria força as relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a domesticação dos dominados.337

No decorrer da pesquisa pareceu-nos que o tipo de representação masculinizada para os meios de comunicação com a clientela é condizente com a imagem de poder masculino encontrada naquela instituição, haja vista a padronização das ações corporais verbais e não-verbais, a partir do bispo Edir Macedo. Segundo Karnal, “as representações nascem da interação entre as crescentes necessidades de se atingir o indivíduo na sua postura existencial em relação à fé cristã e a crescente necessidade de manter formalmente, esta adesão de forma pública, uniforme, regular e visivelmente concreta”.338 Logo, a representação da liderança iurdiana nasce de um poder masculino e a imagem de maior inserção nos seus meios de comunicação é também masculina. Dessa forma, leiamos, a partir da própria afirmação do bispo Edir Macedo, a noção de que o poder na esfera religiosa tem de ser masculino:

O homem é que deve colocar-se como líder numa relação conjugal. Esse entendimento nasce à luz da bíblia. O homem é a cabeça, e a mulher o corpo. Imagine um corpo sem cabeça ou vice-versa. Impossível existir relacionamento. Na direção da Igreja Universal, conhecemos exemplos desse tipo. Quando a mulher manda no marido, o pastor não cresce. Ela domina e não dá certo.339

Essa afirmação contradiz as colocações de Macedo quando ele garante que a estrutura da IURD não é machista e que existem pastoras em sua hierarquia. Ora, a direção e o controle dos cultos e eventos da IURD é de responsabilidade dos homens e isso comprova tal contradição no discurso de Macedo, deixando claro o poder masculino na imagem da liderança iurdiana apresentada no palco/altar e na televisão.

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BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 9.

338

Op. Cit. p. 222.

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