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A estrutura participativa do debate eleitoral: tipos de destinatários

CAPÍTULO 1: O DISCURSO POLÍTICO

1.4 Debate eleitoral: estrutura e principais características

1.4.2 A estrutura participativa do debate eleitoral: tipos de destinatários

A noção de participantes “ratificados” e “não ratificados”41, da qual surgem as explicações acerca dos papéis interlocutórios e de sua importância no quadro participativo das interações verbais, é proveniente dos estudos de Erving Goffman (1967).

Goffman (1967) influenciou diversos autores cujos estudos contemplam a questão da imagem e da interação, como Brown e Levinson (1987[1978]), Culpeper (1996; 2011) e Kerbrat- Orecchioni (2006), dentre outros. Partindo das premissas desse teórico, em seu estudo dos desdobramentos do evento conversacional, Kebrart- Orecchioni (2006) assinala haver, em toda a troca comunicativa, um emissor ou falante e um ou vários receptores, também denominados como ouvintes. Para a autora, as condições daquele que ocupa uma ou outra posição modifica-se, continuamente, à medida que a interação transcorre:

Portanto, nem sempre é possível distinguir claramente destinatário direto e indireto: em vez de opô-los radicalmente, é frequentemente preferível falar de destinatário privilegiado vs. Secundário (hierarquia evidentemente móvel no curso de uma mesma conversação e até mesmo de um único turno de fala) (KERBRART-ORECCHIONI, 2006, p. 29).

Isso significa que o quadro participativo sofre transformações, no que tange ao estatuto dos participantes quanto ao seu papel interlocutório – o destinatário direto assume, em determinados momentos da interação, o estatuto de destinatário indireto e vice e versa, ao passo que os papéis interacionais, tais como os de político ou de moderador, não se modificam:

Os papéis interacionais se caracterizam, ao contrário, por sua relativa estabilidade ao longo da troca, porque estão diretamente ligados ao tipo de interação em curso (KERBRAT-ORECCHIONNI, 2006, p. 32).

Devido à grande rotatividade, em se tratando dos papéis interlocutórios desempenhados ao longo da interação, a autora opta por denominar os participantes do evento interacional como destinatário privilegiado42 ou destinatário secundário, em lugar de se referir aos mesmos como “destinatários diretos” ou “indiretos”, sinalizando haver, pois, uma hierarquia de destinatários.

41 Termo apresentado por Goffman (1967) para denominar os participantes que participam fisicamente da interação

e os que a observam ou dela participam de forma indireta.

42 A autora denomina os interlocutores como falante e ouvinte, locutor e alocutário, além de destinatário

Neste estudo, consideramos que tal rotatividade do quadro participativo pode produzir, no discurso político, efeitos de persuasão sobre o eleitorado, especialmente por meio da manipulação da deíxis pessoal, assunto que trataremos mais adiante.

Nesse sentido, pode-se afirmar que, no contrato interacional, há os participantes reconhecidos, isto é, os que fazem parte do contrato interlocutório fisicamente: “eles fazem oficialmente parte do grupo conversacional, assim como atestado pelo “arranjo físico” desse grupo [...], assim como os simples expectadores que, segundo a autora, são, a princípio, excluídos, participando da interação apenas como “testemunhas de uma troca”.

Partindo desse princípio, Kerbrat-Orecchioni (2006) estabelece a noção de tropo

comunicacional, segundo a qual a determinação dos interlocutores na interação – daqueles a

quem, de fato, o discurso se dirige – depende de um complexo esquema de papéis interacionais, assemelhando-se à figura de atores em um teatro:

A mesma análise pode ser feita em alguns tipos de interações não ficcionais, como as entrevistas ou debates midiáticos, nos quais os participantes fingem estar falando exclusivamente entre si, quando nos é permitido pensar que é, antes de tudo, aos ouvintes que visa o discurso que se constrói no estúdio. Conclusão: a configuração do formato de recepção é, ao mesmo tempo, fluida (porque as fronteiras que separam as diferentes categorias de receptores não são nítidas) e flutuante (porque o estatuto interlocutivo dos participantes não para de se modificar ao longo do desenvolvimento da interação) (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 31, grifo nosso).

Assim, há que se observar a existência de um destinatário aparente – para o qual o participante da interação se dirige direta ou indiretamente – e um destinatário principal ou real, que não participa fisicamente da troca verbal, mas para o qual o discurso se destina, de fato, e a partir do qual se constrói. Kerbrat-Orecchioni (2006) denomina esse fenômeno, verificado no debate político, tal como no teatro, como um tipo de “estratagema enunciativo”: trata-se do

tropo comunicacional. Desse modo, a autora esquematiza um quadro por meio do qual

apresenta os principais estatutos de interlocução em “trílogos”, os quais podem ser atribuídos aos seguintes participantes da interação: o de alocutário direto ou de alocutário indireto.

Ao proceder à análise da estrutura participativa de interações articuladas em trílogos, em seu estudo acerca da argumentação, atrelada à linguística da enunciação e à pragmática, Marianne Doury (1995) assinala haver, no debate político-eleitoral, um tipo de organização nomeadamente complexa e volátil. Há, segundo a autora, três tipos de participantes nesse tipo de troca verbal43:

43Original em francês: Ainsi, le cadre participatif du débat met en jeu au moins quatre personnes: – au moins deux

débatteurs,– un public,– un “modérateur”, chargé de faire appliquer les règles qui caractérisent le débat (DOURY, 1995, p.4).

▪ os debatedores, que constroem suas imagens, em uma relação de interdependência, uma vez que um depende do outro para que um dílogo se constitua;

▪ o moderador e o público presente na platéia;

▪ os telespectadores, que não participam, fisicamente, da interação, conquanto seja em função deles que todo o evento comunicativo, no caso, o debate, se articule.

Cumpre observar que, assim como Kebrart-Orecchioni (2006), Doury (1995) concebe o trílogo como um tipo de troca verbal em que os papéis podem variar. Isso significa afirmar que os destinatários se inscrevem na interação ora como diretos, ora como indiretos.

Finalmente, cada tipo de destinatário deve ser caracterizado de acordo com a oposição direta / indireta, relativa à hierarquia dosistema de endereçamento. É essa distinção que permite definir o tropo comunicativo: nesse caso, o alocaturário, constituído por vários índices como destinatário direto, é de fato apenas um destinatário secundário, enquanto o "verdadeiro" destinatário do discurso é um destinatário indireto (DOURY, 1995, p.7).44

De fato, para a autora, o participante cuja influência é mais forte, em se tratando de seu papel interacional dentro de um quadro participativo trílogue, é, com efeito, o público/telespectador, para o qual ambos os debatedores orientam suas práticas discursivas:

Nos Duelos aos Cinco, que constituem nosso corpus como em qualquer debate mediado, a existência de um público (e a imagem que os debatedores constroem) influenciam fortemente a maneira como elaboram seu discurso. Além disso, condiciona sua própria existência. É para esse público que os convidados concordam em se conhecer e interagir durante o show. Em muitos casos, é provável que um debate privado, reunindo os mesmos participantes, não tenha chance de existir, sendo cada um convencido antecipadamente dos limites de tal reunião (impossibilidade de convencer o outro, respeito pelo interlocutor insuficiente para discutir com ele, etc.) No entanto, esse terceiro, verdadeiro destinatário da interação, é excluído do formato de emissão do debate (DOURY, 1995, p.4).45

44 Tradução nossa da versão original em francês: Enfin, chaque type de destinataire doit être caractérisé selon

l’opposition direct / indirect, relative à la hiérarchie du système d’adresse. C’est cette distinction qui permet de définir le trope communicationnel : dans ce cas, l’allocutaire, constitué par divers indices comme destinataire direct, n’est en fait qu’un destinataire secondaire, alors que le “vrai” destinataire du discours n’est qu’un destinataire indirect (DOURY, 1995, p. 7).

45 Tradução nossa da versão original em francês: Dans les Duels sur la Cinq qui constituent notre corpus comme

dans tout débat médiatisé, l’existence d’un public (et l’image que les débatteurs en construisent) influence très fortement la façon dont ils élaborent leur discours. Plus encore: elle en conditionne l’existence même. C’est pour

ce public que les invités acceptent de se rencontrer, et de dialoguer pendant la durée de l’émission. Dans bien des

cas, il est probable qu’un débat privé, réunissant les mêmes participants, n'aurait aucune chance d'exister, chacun étant par avance convaincu des limites d'une telle rencontre (impossibilité de convaincre l'autre, respect de l'interlocuteur insuffisant pour argumenter avec lui, etc.) Pourtant, ce tiers, véritable destinataire de l'interaction, est exclu du format d'émission du débat (DOURY, 1995, p.4).

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