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As contribuições das teorias fundadoras: os postulados de Brown e Levinson (1987[1978])

CAPÍTULO 3. A CORTESIA VERBAL

3.1 As contribuições das teorias fundadoras: os postulados de Brown e Levinson (1987[1978])

Os estudos acerca da cortesia verbal resultam de pesquisas de natureza socio- interacional que tomaram como base as ideias apresentadas por Goffman (1967) – relativas aos acordos e rituais estabelecidos na interação – a saber: as noções de face, os chamados “territórios do eu” e o trabalho de face, dentre outros conceitos. A esses processos de reparação – que visam a mitigar um ato de ameaça – assim como aqueles destinados a evitar possíveis ataques, atribuiu-se o termo cortesia verbal. A cortesia verbal consiste, pois, num complexo esquema de estratégias ou recursos, de natureza linguístico-interacional, sendo empregada como um meio de estabelecer a harmonia e o equilíbrio na interação. Trata-se de uma “instituição social” (Silva, 2008), haja vista o fato de que suas regras não são fixas: um ato é denominado cortês ou não conforme as regras de conduta de determinados grupos sociais e de suas apreciações acerca do que se adequa ou não a uma dada situação interacional.

Para Goffman, a cortesia é uma instituição cultural que tende a estabelecer e manter boas relações sociais. Configura-se como um conjunto de normas reguladoras de caráter impositivo que afetam a todos os aspectos da vida em comunidade (SILVA, 2008, p. 168).

Não obstante, é a partir dos estudos de Brown e Levinson (1987[1978]) que, de fato, as análises relacionadas aos mecanismos linguísticos empregados pelos interactantes despontaram na Linguística. Na obra intitulada: Politeness: some universals for language usage”, os conceitos de face e “territórios do eu” são renomeados e explorados de modo mais aprofundado pelos autores sendo denominados, respectivamente, como face positiva e negativa.

Cumpre assinalar que, de acordo com Brown e Levinson (1987[1978]), a cortesia afigura-se como um conceito de dimensões universais, assim como a noção de face. Além desses conceitos, observa-se, no modelo teórico desenvolvido pelos autores acerca da cortesia verbal, outras noções, tais como o conceito de pessoa modelo (MP) e o de racionalidade, segundo o qual todo falante nativo de uma língua é provido de racionalidade e possui duas faces: uma negativa e outra positiva. A racionalidade consiste, segundo os autores, na competência dos sujeitos em discernir, por meio do raciocínio, acerca do que deve ser levado em conta em se tratando da preservação das faces na atividade interacional, a saber, a sua e a de seus parceiros em um dado evento comunicativo. Trata-se da capacidade dos falantes em

proceder ao emprego de estratégias, de natureza diversa, na busca da manutenção da harmonia nas trocas verbais.

Assim, a autoimagem social, isto é, a imagem pública, na qual se investe emocionalmente (face want) pode ser perdida (to lose face), em função de atos ameaçadores distintos, denominados face treatening acts (FTAs). A face configura-se, desse modo, na imagem que cada indivíduo requer para si e deseja que seja reconhecida e valorizada. Esta última é denominada por Brown e Levinson (1987[1978]) como “face positiva”, ao passo que se atribui o termo “face negativa” ao desejo da liberdade de imposições – noção apropriada de Goffman (1967).

A fim de corroborar a hipótese de que a face e a cortesia se configuram em categorias pragmáticas universais, os autores elencam, em seu estudo, uma série de mecanismos ou estratégias de cortesia empregadas em três idiomas: inglês, tamil e tzetal, voltadas em prol da regulamentação do equilíbrio nas interações face a face.

Não obstante, possa-se afirmar que o modelo de Brown e Levinson (1987[1978]) tenha influenciado, de modo proeminente, diversos estudos acerca da (des) cortesia, cabe ressaltar que, em virtude de sua tentativa de se estabelecerem parâmetros de ordem universal – na análise dos fatos linguísticos e de seus desdobramentos na interação – diversas críticas proliferaram acerca desse modelo de análise. Atribuem-se, ao modelo de Brown e Levinson (1987[1978]), tendências etnocêntricas, no tratamento daquilo que é, efetivamente, valorizado em diferentes culturas, no caso, a autoimagem ou a liberdade de imposição.

De fato, há culturas em que a autoimagem é mais relevante que a necessidade de liberdade, haja vista o fato de que, em certas comunidades de fala, os valores de um grupo e a afiliação a ele é, sobremaneira, valorizada, a despeito de que a liberdade de imposição seja ameaçada.

Outro aspecto questionado, no que concerne aos estudos de Brown e Levinson (1987[1978]), diz respeito às razões pelas quais um ato ameaçador às faces seria desencadeado. Os autores elencam três motivos pelos quais uma ameaça verbal é realizada e que influenciariam, sobremaneira, na escolha de quais mecanismos corteses se empregariam nessas situações: as relações de poder (P), a distância social entre locutor e interlocutor (D), e, por fim, o grau ou nível de imposição de um ato de ameaça em diferentes culturas.

Para os autores, há motivações sociais que determinam e orientam a dinâmica na interação nos três tipos de situações apresentadas. As relações de poder perfazem as relações entre falante e ouvinte, de modo que há tipos de contratos interacionais em que se observa maior ou menor igualdade entre os participantes da interação. Nos casos em que há diferenças

significativas, em termos de poder entre os interlocutores, a relação é de assimetria, ao passo em que em relações de relativa igualdade, observa-se a simetria.

Em relações assimétricas, um ato ameaçador destinado àquele que possui mais poder configura-se como um ato grave, de modo que compete àquele que se encontra investido de menor poder mobilizar, com maior frequência, diferentes estratégias de cortesia. O mesmo não se aplica ao interlocutor que possui mais poder como, por exemplo, em casos em que o ofensor é o patrão. O segundo fator, apresentado por Brown e Levinson (1987[1978]), consiste no nível de distanciamento ou de aproximação entre os interlocutores. Em relações em que predomina maior distanciamento, observa-se a atuação dos mecanismos de cortesia de modo mais frequente. O terceiro motivo diz respeito ao nível de gravidade de um ato de ameaça em uma dada cultura, o qual acarretaria maior ou menor uso de atos corteses.

Há que se acrescentar que, para Brown e Levinson (1987[1978]), ao longo da interação, os interlocutores podem ou não cometer um ato de ameaça. Ao procederem ao ato de ameaça, os interlocutores podem efetivar o ataque à face diretamente (on record) ou indiretamente (off

record). Assim, há casos em que a ameaça ocorre sem qualquer tipo de procedimento de

atenuação (baldly) e há aqueles em que a ameaça ocorre mediante o emprego de mecanismos de reparação. Neste último, observa-se o que os teóricos denominaram como cortesia positiva – destinada à face positiva – e negativa, orientada para a face negativa. Há, ainda, a possibilidade de executar um FTA de modo indireto, mediante o emprego de procedimentos distintos.

Em seu estudo acerca dos atos ameaçadores das faces (FTAs), os autores procedem à sua exposição de modo minucioso. Há, segundo Brown e Levinson (1987[1978]), atos que ameaçam a face positiva e aqueles que promovem a ameaça da face negativa.

✓ Atos que ameaçam a face positiva do falante: confissões, humilhar-se a si mesmo, pedidos de desculpas, dentre outros.

✓ Atos que ameaçam a face negativa do falante: promessas, compromissos com o outro. ✓ Atos que ameaçam a face positiva do ouvinte: acusações, injúrias, xingamentos.

✓ Atos que ameaçam a face negativa do ouvinte: pedidos, convites, perguntas indiscretas relacionadas à vida pessoal e comentários de natureza invasiva.

Por fim, cumpre assinalar os motivos pelos quais, segundo Brown e Levinson (1987[1978]), cometem-se atos de ameaça à face de modo direto, sem o uso de procedimentos de reparação: devido à urgência em se comunicar algo ou em casos de baixa ameaça à face daquele que comete o FTA. Trata-se de casos de pedidos e oferecimentos, ou em situações de

assimetria, nas quais um falante que, numa condição hierarquicamente superior, procede ao emprego de ataques diretos e sem atenuadores, destinados à face de um subordinado.

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