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CAPÍTULO 5. A ARGUMENTAÇÃO

5.1 Argumentação, conflito e política: diálogos possíveis

Os estudos acerca da persuasão mediante o discurso remontam aos primeiros agrupamentos de homens em comunidades e, posteriormente, ao advento da democracia, na Grécia Antiga. No momento em que o homem passou a se organizar em comunidades, culminando na formação de sociedades, cujas demandas não poderiam ser resolvidas, tão somente, por meio da força, mas sim mediante o uso da palavra, observa-se o surgimento, segundo Fiorin (2016), da argumentação:

A vida em sociedade trouxe para os seres humanos um aprendizado extremamente importante: não se poderiam resolver todas as questões pela força, era preciso usar a palavra para persuadir os outros a fazer alguma coisa. Por isso, o aparecimento da argumentação está ligado à vida em sociedade e, principalmente, ao surgimento das primeiras democracias (FIORIN, 2016, p. 9).

Assim, com a instauração da democracia e de uma nova configuração de sociedade, economia e política, decorrente do surgimento da pólis grega, as demandas sociais e o gerenciamento dos conflitos passam a ser reconfigurados de modo que a coletividade aceite uma determinada posição sem que se recorra à força física, mas sim a partir da organização de um discurso calcado em práticas argumentativas:

Até então, era a violência e o face a face. A partir daí, os conflitos deveriam ser acertados não mais diretamente entre as pessoas neles implicadas, mas diante de um determinado público: o dos pares, que se denomina público, ou o dos especialistas, juízes ou outros. À força física dever-se-ia, portanto, substituir a força do simbólico: somente aquele que detivesse o domínio sobre os signos, obteria a adesão da coletividade (KLIKENBERG, 2004, p. 11).

De acordo com Mosca (2004; 2007), o surgimento da retórica resulta dos embates entre cidadãos da Sicília face à invasão de suas terras que, segundo a autora, “serviram-se da força das palavras para a coerção do inimigo”. Assim, o embate e a luta, mediante o uso da palavra, configuram-se em uma característica intrínseca à atividade argumentativa, desde os primórdios. A técnica de persuadir, isto é, os raciocínios ou dispositivos argumentativos a partir dos quais o orador conduz o outro a aceitar suas posições foi, na Grécia Antiga, objeto de estudo de filósofos que ensinavam a prática de convencer por meio da palavra. Trata-se dos sofistas: um grupo de filósofos que instauraram, em Atenas, o ensino da arte de convencer em público, por meio de proposições não necessariamente verdadeiras, mas com aparência de verdade, com vistas a promover uma disciplina a partir da qual professavam a retórica.

O poder da palavra, isto é, a emergência da fala do orador diante de um público, passa a ser ensinado e, inclusive, cobrado: nasce uma disciplina que será o embrião do direito. Assim, observa-se o surgimento da política que, concomitante ao despontar da retórica, afigura-se como um caminho alternativo à força física que, outrora, empregava-se para se fazer justiça frente aos conflitos e antagonismos. Instituem-se, assim, tanto na Grécia, como em Roma, “o espaço político ou o espaço público”209, por meio da criação da assembleia grega e do senado romano, local de deliberação e palco de ideias antagônicas, opiniões e tomada de decisões mediante o voto. Trata-se, segundo Chauí (2001), “da invenção da política”.210

Nesse sentido, cumpre assinalar que argumentação, democracia e política se entrecruzam, na medida em que é por meio da aceitação do conflito e das ideias antagônicas que os governos despóticos dão lugar, na Idade Clássica, a uma sociedade calcada na deliberação e na “democratização” das decisões e do poder. Logo, o conflito passa a ser institucionalizado e torna-se um tipo de prática de valor social e de caráter público, atendendo às novas demandas político-econômicas e sociais.

Em 1958, após o término da Segunda Guerra Mundial, num contexto de restauração das democracias, em resposta às ideias totalitárias que marcaram a Europa na primeira metade do século XX, Perelman e Olbrechts- Tyteca (1958) resgatam a retórica aristotélica, apresentando o Tratado da Argumentação, tendo como subtítulo a denominação Nova Retórica, no qual os autores empreendem o estudo das técnicas argumentativas, a partir das quais os oradores buscam, por meio da linguagem, influenciar um determinado auditório, na tentativa de assegurar sua adesão mediante a construção de um discurso constituído de proposições verossímeis, isto é, plausíveis.

Não se trata mais de convencer por meio de argumentos lógicos, formais, comprovados a partir de dados matemáticos, mas sim mediante o uso de provas baseadas no que pode ser considerado razoável, isto é, verossímil.

A argumentação volta-se para o verossímil, aquilo que é plausível e razoável e não da esfera das certezas absolutas, lógico-matemáticas, comportando pontos controvertidos e passíveis de discussão. Como a linguagem natural é seu instrumento, a ambiguidade não lhe é estranha (MOSCA, 2007, p.300).

209 Chauí (2001).

210 Criaram o espaço político ou espaço público – a assembleia grega e o senado romano –, na qual os que possuem

direitos iguais de cidadania discutem suas opiniões, defendem seus interesses, deliberam em conjunto decidem por meio do voto, podendo, também pelo voto, revogar uma decisão tomada. É esse o coração da invenção política (CHAUÍ, 2001, p. 376).

Segundo Amossy (2017), a apresentação de um tratado que remonta à retórica argumentativa configura-se no resgate de um pensamento voltado para uma visão pluralista em torno da realidade, a partir da consideração do verossímil:

Eles respondem às preocupações do filósofo que procurava restabelecer a racionalidade no coração do que chamava, em sentido amplo, de questões humanas. De acordo com ele, na era do pluralismo, os seres humanos só podem escapar da arbitrariedade e da violência buscando um acordo, não sobre o racional, mas sobre o razoável (AMOSSY, 2017, p. 21).

Observa-se, assim, a proposta de um método de análise cuja finalidade era a de contemplar as diferentes técnicas ou tipos de argumentos, por meio dos quais o orador intenta alcançar seu principal objetivo: o de conduzir seu auditório a agir da maneira esperada, levando- o a aceitar as teses que lhe são apresentadas, promovendo, assim, sua adesão. Nesse sentido, importa assinalar que, para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005[1958]), a atividade argumentativa implica, nomeadamente, em uma tomada de ação, na medida em que se busca conduzir o outro a agir da maneira esperada.

Assim como Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005[1958]), Toulmin publica, em 1958, sua obra intitulada “Os usos do argumento”, a partir da qual o autor busca, mediante o estudo do valor argumentativo dos enunciados, resgatar as investigações acerca da argumentação, tendo como base um modelo monologal, partindo do princípio de que a argumentação estaria circunscrita a “esquemas argumentativos”.

Ascombre e Ducrot (1988), por sua vez, apresentam uma teoria da argumentação de cunho pragmático-semântico: “A teoria da argumentação na língua é uma teoria da significação”211, conforme salienta Platin (2008), estudioso da argumentação. Nessa direção, Ascombre e Ducrot (1988) examinam de que modo os encadeamentos dos enunciados e sua orientação a uma dada conclusão promovem, por meio da semântica, projeções argumentativas. Nesse sentido, cumpre observar que, para esses autores, a argumentação inscreve-se na língua, na medida em que o encadeamento de enunciados projeta determinadas orientações argumentativas, isto é, está orientado para determinadas conclusões, de modo que qualquer enunciado pode apresentar o que se denomina como “argumentatividade”. De acordo com essa perspectiva, o valor argumentativo dos enunciados independe de fatores contextuais, uma vez que, para os autores, a argumentação afigura-se como um fato de língua, não como um fato relacionado ao discurso. Trata-se de uma concepção em torno da argumentação que difere,

nomeadamente, da concepção oriunda da retórica argumentativa, cuja finalidade era a de persuadir um auditório por meio de argumentos (FIORIN, 2016, p. 16).

Assim, de acordo com essa concepção teórica, a da argumentatividade, isto é, da argumentação na língua, a linguagem é, por si mesma, eminentemente argumentativa, uma vez que o próprio encadeamento de enunciados resulta, por si só, em determinadas projeções ou desdobramentos argumentativos. Posto isso, pode-se afirmar que, para as teorias da “Argumentação na língua” a argumentatividade é um fenômeno inerente à linguagem ou está intrinsecamente ligada aos fatos da língua.

Já para Grize (1990), a argumentação configura um fenômeno de natureza cognitiva, partindo do pressuposto de que à linguagem subjazem processos cognitivos. Trata-se, pois, de considerar a língua e a argumentação a partir de esquemas e operações lógico-discursivas (PLATIN, 2008, p. 38-39). Diante do exposto, cumpre assinalar que a diversidade de aportes teóricos, relacionados à argumentação, aponta para uma crescente revitalização dos estudos argumentativos.

Ademais, importa assinalar que, dentre as razões que podem justificar o interesse pela argumentação e de seus desdobramentos, no período pós-guerra, observa-se a necessidade da criação de um “discurso sensato” (Platin, 2008), como contraponto à emergência dos discursos fanáticos, veiculados por governos totalitários, que se opunham à pluralidade de opiniões e à possibilidade de haver antagonismo de ideias.

A construção de um pensamento autônomo da argumentação nos anos 1950 foi, sem sombra de dúvida, profundamente estimulada pela vontade de encontrar uma noção de “discurso sensato”, por oposição aos discursos fanáticos dos totalitarismos (PLATIN, 2008, p.8).

A emergência de discursos passíveis de influenciar o outro, mediante a palavra, em lugar da força ou da violência física, passa, então, a ser objeto de estudo a partir da década de 50, em contraposição aos discursos totalitários.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a argumentação se instaura, assim, em uma aceitação do princípio de contradição, isto é, do dissenso, haja vista que é mediante o antagonismo de ideias que a atividade argumentativa é engendrada no discurso, segundo Platin (2008). A argumentação inscreve-se, pois, em contratos de interlocução calcados na contraposição dos discursos. Não obstante, observa-se que, nessas situações discursivas, não se busca chegar a um acordo entre as partes por meio da apresentação de argumentos, mas sim o contrário.

Acerca do dissenso, Angenot (2015, p. 16) postula que “há consideráveis dificuldades de persuadir o outro: as interlocuções humanas não raras vezes são diálogos de surdos”,

conforme o autor, que problematiza a questão do contradiscurso e do antagonismo, procedendo a uma abordagem do desentendimento.

De acordo com Platin (2008), cumpre distinguir duas concepções acerca da argumentação, quais sejam, a que se inscreve em um modelo monologal, segundo o qual se busca sistematizar a argumentação tendo como base as estruturas da língua, e a que a situa em um modelo dialogal, pelo qual se leva em consideração, não somente aspectos monológicos, mas também aspectos dialógicos, conforme ressalta o autor (2008). Acerca do modelo dialogal, trata-se de circunscrever a prática argumentativa tanto no âmbito enunciativo, como na esfera interacional:

Na argumentação, há irredutivelmente o enunciativo e o interacional. De acordo com uma feliz formulação de Schiffrin, “a argumentação é um modo de discurso nem puramente monológico nem puramente dialógico [...] um discurso pelo qual os locutores defendem posições discutíveis” (1987, 17-18). Trata-se, então, de articular um conjunto de noções que permitam levar em conta esse aspecto biface da atividade argumentativa (PLATIN, 2008, p.65).

Platin (2008) assinala, ainda, que o modelo de análise dialogal212 configura-se como polifônico e intertextual. Trata-se de um modelo analítico que considera a argumentação como um tipo de atividade marcada pelo embate entre um discurso e um contradiscurso, a partir do qual duas proposições antagônicas contrapõem-se, cada qual com seu arcabouço ideológico. Tais assunções ideológicas engendram, por sua vez, as distintas posições assumidas no discurso, em prol das quais os participantes da atividade comunicativa argumentam, com o intuito de justificá-las:

As interações fortemente argumentativas apoiam-se sobre um desacordo que apresenta características específicas: ele não é instantaneamente reparado no decorrer da interação em que surgiu; é tematizado na interação; pode ser levado para um lugar argumentativo específico. Desse modo, ele produz interações organizadas em torno de um conflito preexistente; o conflito é a razão de ser dessas interações e condiciona seu desenrolar; as intervenções dos participantes são desenvolvidas e planejadas (PLATIN, 2008, p. 68).

Assim como Platin, Amossy (2017; 2018) apresenta uma visão polifônica e dialógica da argumentação. Não obstante Amossy (2018) considere que todo discurso se apresente como uma resposta a outros discursos, – já que, para a autora, a argumentação é intrínseca a toda a realização discursiva – cumpre ressaltar que, para a autora (2017; 2018), há que se distinguir

212 Acerca da argumentação sob a égide dialogal, Platin (2008) assinala o seguinte: “Falaremos de “modelo

dialogal” da argumentação para cobrir, ao mesmo tempo, o dialogal propriamente dito, o polifônico e o intertextual, a fim de insistir em um aspecto fundamental da argumentação, o da articulação de dois discursos contraditórios.” (PLATIN, 2008, p. 66).

entrediscursos que apresentam “dimensão argumentativa”, daqueles que possuem “intenção argumentativa”, isto é, aqueles que possuem “visada argumentativa” (Amossy, 2017; 2018).

Assim, conforme pontua Amossy (2017)213, há discursos cuja natureza e estrutura os circunscrevem entre os que apresentam viés argumentativo, tratando-se de eventos comunicativos com clara “intenção argumentativa”, na medida em que consistem em discursos por meio dos quais se intenta agir sobre o outro para convencê-lo de algo. Nesse caso, podem- se mencionar o discurso político, o discurso jurídico ou o publicitário.

Quanto aos discursos que se inscrevem em uma “dimensão argumentativa”, observam- se todos os que se apresentam, aparentemente, como discursos marcados pela neutralidade, tais como a narrativa, as notícias de jornais, dentre outros eventos discursivos. Embora Amossy (2017), em sua obra Apologia à Polêmica, estabeleça a distinção entre gêneros de “dimensão argumentativa” e os que apresentam um tipo de “persuasão programada”, isto é, os gêneros de “intenção argumentativa”, no tocante à sua estrutura organizacional e suas finalidades discursivas, para a autora, todos os discursos possuem uma dimensão argumentativa, ou seja, são intrinsecamente argumentativos, independentemente de sua natureza214. Outro aspecto a ser ressaltado reside no fato de que, assim como Angenot (2015), Amossy (2017; 2018) procede a uma abordagem de relações de interlocução marcadas pelas dissensões, às quais subjazem a dicotomia e a polarização:

É preciso, ainda, para evitar confusões, distinguir entre a intenção e a dimensão argumentativa. Mesmo que, por sua natureza dialógica, o discurso comporte, como qualidade intrínseca, a capacidade de agir sobre o outro, de influenciá-lo, é preciso diferenciar entre a estratégia de persuasão programada e a tendência de todo discurso a orientar os modos de ver do(s) parceiro(s). No primeiro caso, o discurso manifesta uma intenção argumentativa: o discurso eleitoral ou o anúncio publicitário constituem exemplos flagrantes disso. No segundo caso, o discurso comporta, simplesmente, uma dimensão argumentativa (AMOSSY, 2006, p. 32-34): isso ocorre com a notícia de jornal, que se pretende neutra, com a conversa ou com uma grande parte das narrativas ficcionais (AMOSSY, 2017, p.131).

213 Do mesmo modo, Aristóteles inscrevia o discurso político no seio dos discursos voltados para a esfera do

argumentar, tal como ressalta Mosca (2007): Partindo-se dessa caracterização, vê-se que alguns campos são propícios à argumentação, tal como se vê na Retórica clássica, em que o deliberativo correspondia ao político, à defesa do bem comum, com as tradições de assembleias, hoje parlamentares.

214 Percebe-se, portanto, que, por sua natureza dialógica, o discurso comporta como qualidade intrínseca a

capacidade de agir sobre o outro, de influenciá-lo. Sem dúvida, é preciso manter a distinção entre a estratégia de persuasão programada e a tendência de todo discurso de orientar as maneiras de ver do(s) interlocutor(es). No primeiro caso, o discurso manifesta uma orientação argumentativa: o discurso eleitoral ou a publicidade constituem exemplos flagrantes disso. No segundo caso, ele comporta simplesmente uma dimensão argumentativa (Amossy, 2006 [2000], 2005): assim acontece com o artigo informativo que preza por sua neutralidade, a conversa coloquial ou o texto ficcional. Mas a argumentação, apresente ela ou não uma vontade manifesta de conduzir à aprovação, é sempre parte integrante do discurso em situação(AMOSSY, 2007, p.122).

A esse respeito, Mosca (2007) assinala haver, desde a retórica aristotélica, eventos comunicativos cujas finalidades discursivas incidem, necessariamente, no campo da argumentação, haja vista o fato de terem, como principal objetivo, influenciar o outro. Logo, tal distinção – entre discursos com tácitas intenções argumentativas e aqueles que apresentam propósitos discursivos que não apresentam finalidades de persuasão – pode ser observada desde a herança aristotélica, isto é, a Retórica clássica, em que se verificou uma distinção efetiva no que tange aos objetivos discursivos de cada gênero estudado:

Partindo-se dessa caracterização, vê-se que alguns campos são propícios à argumentação, tal como se vê na Retórica clássica, em que o deliberativo correspondia ao político, à defesa do bem comum, com as tradições de assembléias, hoje parlamentares; o forense, para o trato dos procedimentos judiciários; e o epidítico, para as diversas ocorrências da vida em sociedade, destinando-se a exaltar ou censurar seus costumes e episódios marcantes, aquilo que desperta prazer ou desprazer (MOSCA, 2007, p. 295).

A concepção de argumentação, compreendida como o “domínio da controvérsia” (Mosca, 2007) sendo, portanto, vinculada ao dissenso, estando presente em situações comunicativas conflituais, é mencionada, também, por outros estudiosos, como Fiorin (2016):

Um discurso pode concordar com outro ou discordar de outro. Se a sociedade é dividida em grupos sociais, com interesses divergentes, então os discursos são sempre o espaço privilegiado de luta entre vozes sociais, o que significa que são precipuamente o lugar da contradição, ou seja, da argumentação, pois a base de toda a dialética é a exposição de uma tese e sua refutação (FIORIN, 2016, p.9).

Para Mosca (2007) e Fiorin (2016), a argumentação encontra-se, de modo efetivo, intrinsecamente atrelada ao conflito, a partir do qual a atividade argumentativa se desenvolve com vistas a promover o consenso ou a mudança de atitudes daqueles a quem se destina: “A argumentação, enquanto domínio da controvérsia e da plurivocidade, está presente nas mais diversas situações polêmicas e conflituais”. (MOSCA, 2007, p. 300). Em outras palavras, para a autora, a argumentação se desenvolve a partir de um dissenso, frente a um antagonismo de assunções: “A argumentação se desenvolve onde não há consenso, diante de uma questão polêmica” (MOSCA, 2007, p. 300).

Acerca desse fato, em seu estudo intitulado Retórica e objetividade, Gracio (2014) destaca uma “relevância incontornável”, intrínseca à atividade de argumentação, pelo fato de que subjazem, aos procedimentos argumentativos, antagonismos que lhes são inerentes, sendo, pois, necessário considerar o estudo da argumentação à luz de um “pluralismo” que, de forma efetiva, a constitui:

É, pois, nesse quadro que a argumentação assume uma relevância incontornável, pelo menos se advogarmos que é a dimensão de troca e de interação, e não a mera

expressividade, aquilo está no coração dos procedimentos argumentativos. De facto, ao pensarmos a argumentação no registro das oposições discursivas, podemos associá- la desde logo a um pluralismo que lhe é inerente, remetendo esse pluralismo não só para uma resistência à unidimensionalização que elide a alternativa, como para um apelo à poiesis imaginativa como forma mais saudável e libertadora de lidar com o que se revela como problemático (sendo aqui de relembrar o laço que une o “lidar com o problemático” e a “política”, a “indeterminação” e a “deliberação”). Nesse sentido, os procedimentos argumentativos são indissociáveis do alargamento do pensável (GRACIO, 2014, p.182).

No que se refere à natureza das manifestações de cunho persuasivo, Aquino (1997) assinala que um discurso argumentativo pode ser caracterizado pela defesa de um dado ponto de vista, o qual se estabelece em contraposição a outro, a partir da formulação de argumentos sobre os quais se assentam um determinado posicionamento. Assim, nesse movimento dialético, em que se contrapõem posições antagônicas, observa-se, segundo a autora, um desacordo evidente e necessário entre os participantes de determinadas trocas verbais. No entanto, cumpre observar que, para Aquino (1997), o simples fato de entrar em confronto, a partir de um enfrentamento polêmico, não significa que um discurso seja, efetivamente, argumentativo. Para isso, faz-se necessário que se instaure um discurso situado em relação a outro discurso, também argumentativo, ao qual se apresentem contra-argumentos. Nesse sentido, Aquino (1997) assinala que a argumentação deve ser passível de ser refutada, contrariamente ao que se verifica no discurso demonstrativo, cujas proposições são irrefutáveis:

Um discurso argumentativo situa-se em relação a outro discurso argumentativo, implícito ou explícito; corresponde a defender um ponto de vista contra outro, o que significa, segundo Erlich (1993), polemizar. Para Möeschler (1986), entrar em polêmica não é indicativo de que somente existe um desacordo, mas toda a possibilidade de ocorrerem contra-argumentos. Por tal motivo, a argumentação fica propensa a ser refutada, diferenciando-se, assim, do discurso demonstrativo, lógico, dedutivo que é irrefutável (AQUINO, 1997, p.146).

Dissenso e argumentação encontram-se, desse modo, intimamente relacionados,

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