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CAPÍTULO 5. A ARGUMENTAÇÃO

5.4 As contribuições de Amossy (2018) para um estudo da argumentação no discurso

5.4.2 Os esquemas argumentativos no discurso

Partindo das contribuições da retórica aristotélica227, Amossy (2018) procede ao estudo dos esquemas argumentativos ou fundamentos lógicos do discurso argumentativo e de seus efeitos de persuasão. Trata-se, não obstante, de analisar de que modo determinados tipos de raciocínios lógicos encontram-se atrelados, em uma perspectiva da argumentação no discurso, a recursos de natureza interacional e “linguageira” até então negligenciados pela retórica e pela lógica informal sendo, posteriormente, levados em conta no exame da persuasão pela Pragmática e pela Análise do Discurso:

Mais precisamente, a pragmática e a análise do discurso questionam procedimentos que reduzem a complexidade da linguagem natural e negligenciam os dados discursivos da troca verbal (AMOSSY, 2018, p. 138).

Propondo-se a examinar as estruturas argumentativas dos textos, atendo-se, no entanto, a questões de ordem interacional, resultantes da “materialidade linguageira” das diferentes trocas verbais, Amossy (2018) procede ao estudo de alguns tipos de raciocínios lógicos, oriundos da herança aristotélica, a saber: o silogismo, o exemplo e a analogia (ilustração), assim como do que, no âmbito da lógica informal fora considerado, por muito tempo, como paralogismos ou argumentos falaciosos, tais como: a questão complexa, a falsa dicotomia, a generalização abusiva, a falsa causalidade, bem como argumentos oriundos da retórica –ad

hominen, ad vercundiam, e ad baculum – empregados e analisados, pela autora, em seu

cuidadoso exame de corpora diversos.

Além desses argumentos, Amosy (2018) procede à investigação do que denomina como raciocínio entinêmico, o qual subjaz discursos diversos, configurando-se, segundo a autora, na “armadura” sobre a qual a argumentação se sustenta. Para Amossy (2018), o entimema – uma das principais formas de pensamento estudadas – constitui-se a partir de premissas não necessariamente verdadeiras, mas que se apresentam válidas em um dado evento comunicativo. Nessa forma de raciocínio, há, muitas vezes, uma premissa maior, apresentada por um proponente, que é, segundo a autora, acompanhada de uma premissa menor e de uma conclusão:

O que é, então, o entinema, e que ligação ele tem com o silogismo? Entre as diversas definições existentes, a mais operatória parece ser aquela que foi retomada e divulgada por Quintiliano. Ela apresenta o entinema como silogismo lacunar, a saber, um silogismo cujos elementos não estão todos presentes. Segundo Aristóteles, o entinema

227Acerca das contribuições da herança Clássica, em se tratando do logos, Amossy faz as seguintes considerações:

“A retórica oriunda de Aristóteles coloca, no âmago do logos, dois procedimentos lógicos – a dedução e a indução -, que correspondem a duas construções lógico- discursivas: de um lado, o entinema derivado do silogismo, e, do outro, o exemplo ou a analogia. “Todo mundo” – lê-se no primeiro livro da Retórica – “apresenta a prova de uma asserção expondo ou exemplos ou entinemas, e não há nada além disso” (Aristóteles, 1991: 85). Isso quer dizer que, para Aristóteles, a argumentação no nível do logos fundamenta, principalmente, os raciocínios lógicos que estão na base do discurso com intenção persuasiva (AMOSSY, 2018, p. 137).

é composto de termos pouco numerosos e frequentemente menos numerosos do que os que constituem o silogismo [...] Essa é a base sobre a qual se pôde considerar o entinema um silogismo truncado, do qual se pode omitir tanto a premissa maior quanto a conclusão (AMOSSY, 2018, p.140).

Para Amossy (2018), o fato de o entimema atuar sobre um auditório, para o qual se destina, permite inscrevê-lo em um “quadro de comunicação”, a partir do qual parceiros interacionais, em uma dada situação de interlocução, buscam apresentar posições, muitas vezes divergentes e antagônicas, que podem ser reconstruídas pelo analista mediante a recuperação de premissas ausentes, correspondentes a um determinado raciocínio entimêmico. A reconstrução do entimema pode dar-se, pois, a partir de premissas válidas. Assim, cabe ao analista identificar e investigar o raciocínio entinêmico, ora a partir da observação de uma premissa menor ou maior, ora pela observação de uma determinada conclusão engendrada por essa forma de raciocínio:

Ele deve, entretanto, retraduzir as réplicas dos interactantes em termos de proposições e acrescentar diversos elementos ausentes para conseguir reconstituir os esquemas silogísticos sobre os quais se baseiam as intervenções[...] (AMOSSY, 2018, p. 142, grifos nossos).

No complexo processo de reconstrução das premissas ausentes, não formuladas explicitamente, ou mesmo em premissas presentes, que perfazem cada entimema apresentado pelos interactantes no discurso, faz-se necessário atentar-se ao “discurso em situação” (Amossy, 2018), ou seja, à situação discursiva e ao tipo de contrato interlocutório empreendido entre os participantes de um dado evento comunicativo, para que seja possível ao analista “retraduzir as réplicas dos interactantes”.

Ele não deixa de ser a armadura que sustenta a interação; ignorá-lo seria apagar um aspecto essencial da argumentação. Um exemplo suplementar permitirá mostrar melhor como se pode levar em conta, simultaneamente, a estrutura entinemática e a materialidade linguageira, e também salientar como o tratamento particular do entinema já é em si um elemento argumentativo importante (AMOSSY, 2018, p. 149).

No que diz respeito ao exemplo, importa ressaltar que se trata de mais um tipo de raciocínio, proveniente da herança clássica, a ser tratado por Amossy (2018), assim como por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005[1958]). O exemplo pode ser do tipo histórico – que se configura em um fato do passado – ou ficcional, isto é um evento formulado no âmbito do próprio discurso do orador a partir de uma narrativa ou apólogo. No caso do “exemplo histórico”, cumpre assinalar que seu status reside no fato de cumprir uma determinada autoridade em função de fundamentar um acontecimento presente. Trata-se de um evento precedente ao qual o orador recorre e evoca com vistas a assegurar a legitimidade de algo:

O exemplo ou a analogia, que estabelece “a relação da parte à parte e do semelhante ao semelhante”, é o segundo pilar sobre o qual a retórica de Aristóteles funda o logos [...] O novo é posto em perspectiva e esclarecido pelo familiar e pelo antigo. Segundo Aristóteles, é necessário distinguir entre o exemplo real, tirado do passado, e o exemplo fictício, inventado pelo orador em função das necessidades da causa, como o apólogo ou a narrativa (AMOSSY, 2018, p. 152).

Assim, observa-se uma forma de raciocínio a partir da qual o orador visa a promover a indução do auditório, mediante fatos ancorados em um passado. O exemplo histórico é, amiúde, empregado no discurso político, segundo Amossy (2018), além de configurar um tipo de recurso argumentativo empregado em todos os discursos de visada argumentativa, conforme ressalta a autora:

Ele, assim, recorre ao exemplo histórico, que se encontra em numerosas explorações na argumentação política. Se esse tipo de exemplo convém a todo discurso com

intenção persuasiva, ele se presta, no entanto, mais particularmente aos discursos que

pertencem ao deliberativo (Amossy, 2018, p. 152, grifos nossos).

Além disso, Amossy (2018) aponta – no complexo processo que subjaz a uma análise argumentativa no discurso – a importância de outros elementos imprescindíveis, como o tipo de ethos apresentado ou que se visa apresentar, a doxa compartilhada que perfaz a troca verbal, bem como as imagens – apontando, inclusive, a importância das faces228 nela negociadas.

Outros aspectos concernentes à situação discursiva são, também, estudados por Amossy (2018), como o dispositivo enunciativo e as marcas que cada sujeito deixa no texto, por meio das escolhas lexicais – muitas vezes pautadas por um léxico marcadamente axiológico – dentre outros.

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