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CAPÍTULO 4: DESCORTESIA VERBAL

4.6 As contribuições de Blas Arroyo (2011): a construção de um modelo de análise da descortesia

4.6.1 Estratégias funcionais de descortesia no debate eleitoral

As estratégias conceituais ou funcionais agrupam-se, conforme delimitado por Blas Arroyo (2011), em cinco tipos:

1. Estratégia: associar o interlocutor a fatos, intenções e valores negativos175:

centrar la atención – en combinar estratégias conceptuales (desairar, desdeñar, criticar, ridicularizar...) con otras estritamente formales y retóricas (el empleo de ciertos pronombres, marcadores identitarios, tabúes y palavras malsonantes, etc), o incluso con algunas que podríamos situar en el nível de la interacción verbal (invadir el espacio del otro mediante interrupciones, hacerle sentir incómodo a través de silêncios engorrosos, etc.). [...] Así las cosas, en lo que sigue presentamos un análisis alternativo para dar cuenta del modo en que se construye la descortesia en el debate electoral, y los diversos planos que pueden se distinguirse em su realización[...] (BLAS ARROYO, 2011, p. 201).

174 Tradução nossa, com adaptações, da versão em espanhol: a) las estrategias conceptuales o funcionales en las

que se basan los políticos para zaherir la imagen del adversario; b) los recursos linguísticos y retóricos mediante los que el orador lleva a cabo formalmente esas estrategias; los mecanismos interaccionales con los que se enfrenta al interlocutor y las eventuales reacciones de este último[...] (BLAS ARROYO, 2011, p. 202).

175 Tradução nossa, com adaptações, do original: Asocia al interlocutor con hechos, intenciones, valores, etc.

Nos casos em que se associa o interlocutor a fatos negativos, podem ser observadas as acusações de incompetência, ocultação e falta de credibilidade. Acusa-se o debatedor oponente de não ter competência para exercer a função pretendida, assim como de não ser um candidato com credibilidade para assumir quaisquer funções, apelando-se a fatos passados, a partir dos quais se associa a imagem do rival a eventos ou acontecimentos que lhe refutem a imagem. Os ataques podem, nesse caso, ser diretos ou indiretos, mediante o emprego de alusões. O interesse é, sobretudo, o de associar a imagem do interlocutor a valores e fatos negativos, com os quais se possa rechaçar sua autoimagem pública e privada.

Tome-se, como exemplo, o fato de que, no discurso político, os candidatos fazem uso de dados estatísticos – nesse caso, mecanismos de natureza retórica, uma vez que cumprem o fim de tornar o discurso crível por meio de sua semelhança a tipos de raciocínios matemáticos – para corroborar ataques e acusações de manuseio indevido do dinheiro público, baixo desenvolvimento da economia durante a gestão do acusado, dentre outros aspectos factuais. Nesse caso, utiliza-se um mecanismo retórico para concretizar-se a primeira sub- estratégia de acusar o oponente de incompetência e, por conseguinte, de associá-lo à ideia de incredibilidade, cumprindo a segunda sub- estratégia: não se pode confiar nesse candidato. No caso da terceira sub- estratégia, a de ocultação, observam-se táticas de ataques disferidos à imagem pública do candidato rival, ao qual se opõe devido à supostas ocultações em sua “agenda oculta”, apelando, assim, ao seu passado político.

2. Dizer que mente

O emprego dessa estratégia no discurso político, em especial, no debate eleitoral, é, de acordo com o autor: “Uma das maiores ofensas possíveis para a imagem do imputado, quer seja na esfera pública ou na privada” (BLAS ARROYO, 2011, p. 208)176. Isso significa que, em momentos em que se procede ao uso desse tipo de estratégia, pode-se observar maior probabilidade de danos à autoimagem dos interlocutores, uma vez que se faz necessário provar o que se diz, por meio das próprias palavras ou mediante a apresentação de documentos, dentre outros recursos, a partir dos quais se concretiza a estratégia referida. Pode-se, por exemplo, proceder à exposição de notícias ou mesmo de falas antagônicas com o intuito de comprovar a acusação de que o oponente, de fato, mente. Nesse caso, consideramos, neste estudo, o uso de

176 Tradução nossa da versão original em espahol: Una de las mayores ofensas posibles para la imagen del

um recurso retórico baseado em argumentos de autoridade177, dentre outros mecanismos por meio dos quais a estratégia “dizer que o outro mente” materializa-se na tessitura do discurso político.

3. Mostrar desprezo, depreciar.

Esse tipo de ataque destina-se, sobretudo, à autoimagem pública do interlocutor. Trata- se de atos de descortesia como o menosprezo, o sarcasmo e o apelo à ridicularização, que incidem, direta ou indiretamente sobre as virtudes, habilidades, qualidades e aparência do candidato oponente, de modo a rechaçar-lhe a imagem, tanto no plano individual, quanto no plano social. Em outras palavras, atacam-se as competências e qualidades individuas (quality

face) e seu desempenho e papel institucional e social (sociality face). Assim, para explicar essa

estratégia de descortesia, bem como o âmbito, individual e social, relativo à imagem a que se destina, Blas Arroyo (2011) recorre ao emprego da teoria relacional da face da linguista britânica Spencer-Oatey (2008), cujo trabalho acerca da face diferencia-se das concepções de face positiva e face negativa de Brown e Levinson (1987[1978]). Assim, ao menosprezar o outro devido à sua incompetência, em se tratando das suas realizações políticas, no plano profissional, ou relativamente ao seu caráter, isto é, ao plano pessoal, dentro desse combate dialético, permite ao orador desconstruir a imagem do outro diante do auditório. No caso do ataque ao plano pessoal, utilizam-se ataques ad hominen e ridicularizações, os quais, utilizados em demasia podem, no debate político, acarretar consequências negativas para aquele que os emprega.

4. Formular contrastes desvantajosos para o interlocutor

Ao formular contrastes desvantajosos em relação ao adversário, no embate dialético eleitoral, o participante que faz uso dessa estratégia visa a estabelecer dois polos: um negativo, do qual o candidato rival faz parte; e um polo positivo, que se atribui, deliberadamente, a si. Isso significa que, por meio do emprego do estabelecimento de contrastes, a partir de uma “égide maniqueísta”, conforme assinala Blas Arroyo (2011), contrastam-se fatos ou valores positivos em relação a feitos e realizações negativas, relacionadas à imagem do candidato

177 Os argumentos de autoridade consistem em provas, como a referência à palavra de outrem, ou mesmo a notícias

de jornais de grande circulação, dentre outros recursos, que, por sua vez, atribuem fidedignidade e legitimidade às acusações. Perelman e Olbrechts- Tyteca (2005[1958]) os consideram como um tipo de argumento quase-lógico.

oponente. Trata-se de um tipo de estratégia com a qual se estabelecem relações dicotômicas, com vistas ao ataque.

Segundo Blas Arroyo (2011), há que se destacar, dentro dessa macroestratégia, o que o autor denomina como uma subestratégia, que consiste em rechaçar a imagem de membros do grupo relacionado ao debatedor rival, assim como a imagem de pessoas às quais o oponente atribui valores positivos. Trata-se, pois, de um tipo de ataque, direto ou indireto, veiculado por meio do estabelecimento de contrastes entre o candidato que ataca e terceiras pessoas, que, amiúde, não participam do debate:

Por fim, incluímos, também, nesse paradigma da descortesia uma subestratégia como a que leva a avaliar de forma desvantajosa pessoas ou fatos próximos do interlocutor […] Com ela, o orador menospreza aquele que sabe que é valorizado muito positivamente pelo adversário, quer seja um correligionário ou um aliado, pertecente ao mesmo grupo ideológico (BLAS ARROYO, 2011, p. 218).178

Estabelecem-se, assim, contrastes desvantajosos entre ideias, propostas políticas, fatos pertinentes, dentre outros aspectos, por meio de antíteses, entre dois polos: um negativo – o do interlocutor a que se ataca – e um positivo – no caso, o do falante, fato que desvela, muitas vezes, a polarização ideológica que permeia o confronto dialético entre os participantes.

5. Acusar o interlocutor de contraditório

Trata-se, segundo o autor, de um tipo de “manobra dialética” empregada com muita frequência no debate eleitoral, com o intuito de deslegitimar a imagem do adversário mediante a acusação de contradições, entre feitos e propostas. Realiza-se, por meio dessa estratégia, um contraponto entre o que se prometeu e a realidade: apontam-se inconsistências no discurso adversário sob uma égide temporal, na medida em que se apela a fatos passados para, a partir deles, refutar a imagem do debatedor oponente, colocando-se em xeque sua credibilidade. Blas Arroyo (2011) oferece, como exemplo de concretização dessa estratégia, o apelo a recursos retóricos, como as perguntas sem valor referencial, com as quais não se busca, efetivamente, obter informação, mas sim atacar a imagem alheia.

178 Tradução nossa da versão original em espanhol: Finalmente, incluímos también en este paradigma de la

descortesía una subestrategia como la que lleva a evaluar de forma desvantajosa a personas o hechos cercanos al interlocutor[...] Con ella, el orador menosprecia aquello que sabe que es valorado muy positivamente por el adversario, ya sea un correligionario o un aliado perteneciente al mismo bando ideológico (BLAS ARROYO, 2011, p. 218).

4.7 Descortesia verbal e persuasão: uma análise dos recursos formais e retóricos ao serviço

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