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1.3 – A EVOLUÇÃO DA DEFINIÇÃO DE TURISMO E A SUA TERMINOLOGIA

A designação de Turismo teve a sua evolução através dos tempos, e parece mesmo ainda haver alguma confusão relativamente ao seu aparecimento. Segundo Domingues (2012), o vocábulo tourisme foi utilizado pela primeira vez no livro Spain Revisited de Alexander Mackenzie, publicado nos Estados Unidos em 1826, tendo-se vulgarizado numa série de livros chamada Landscape Annual (curiosamente, um desses volumes foi dedicado a Lisboa). De acordo com Palma Brito (2003), apesar de a palavra touriste já ter aparecido na língua francesa em 1816, a palavra tourisme só começa a ser usada em 1841; segundo Domingues (2012), o termo aparece já em 1840, com o livro Mémoires d’un touriste, de Stendhal. No entanto, ambos os autores são concordantes em afirmar que a palavra tem origem no Grand Tour, expressão que, segundo Palma Brito (2003), aparece na literatura inglesa na segunda metade do século XVII. 41

Ainda de acordo com Palma Brito (2003), o neologismo estrangeiro touriste começa a ser utilizado em Portugal no terceiro ou quarto quartel do séc. XIX42. Mas esta designação levanta

críticas, como as de Leite de Vasconcelos (cit. por Palma Brito, 2003, vol.1, p. 11), que a considera uma palavra bárbara, defendendo que deveriam preferencialmente ser adotadas em português as palavras excursionista e excursionismo, designação que se encontra na primeira edição do Dicionário Contemporâneo de 1881.

Em Portugal, é seguro afirmar que a designação de turismo já era conhecida em 1910, com a grafia tourismo, e em 1911, por ocasião da realização em Lisboa do IV Congresso Internacional de Turismo, “o vocábulo (tal como o conhecemos hoje), entra definitivamente na língua portuguesa” (Domingues, 2012, p. 32). Este autor defende ainda que, em Portugal, a palavra turismo se definiu “como sinónimo de cultura, de lazer, divertimento e também aventura (…) [abrangendo] diversos aspetos sociais, económicos e culturais” (Domingues, 2012, p. 29); chama ainda a atenção para o facto de os ingleses fazerem uma nítida distinção entre travel (viajar) e tourism (turismo), aplicando-se ao primeiro termo o conceito de viagem e estando o segundo mais ligado ao conceito de lazer.

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A palavra tour é um galicismo anglófono, derivado do bretão medieval tor, que significa volta ou

circuito (Domingues, 2012).

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Eça de Queirós, que apreciava aportuguesar certas palavras estrangeiras, utiliza nos seus livros, a par com touriste, a palavra tourista (Os Maias, ed. Livros do Brasil, 1977, p. 688)

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De que estamos, então, a falar quando nos referimos ao turismo? Para alguns autores, apesar da dimensão que este fenómeno atingiu como atividade fundamental para as sociedades contemporâneas e do uso corrente da expressão (Cunha, 2013), a sua natureza complexa, com múltiplas motivações (Moreira, 2010), não permite uma definição clara nem consensual (Silva, 2011).

Cunha (2001) defende que, relativamente ao turismo, encontramos dois tipos de definição, que se distinguem pelos seus objetivos. A primeira, de caráter mais conceptual, tem como motivação fornecer um instrumento teórico que permita identificar as suas características essenciais, distinguindo-o de outras atividades. O segundo tipo de definição é mais técnico e o seu propósito é definir o turismo de forma a obter informações para fins estatísticos e outras de caráter legal.

De acordo com Moreira (2010), em 1937, a Sociedade das Nações Unidas apresentou a primeira definição oficial de caráter conceptual, sendo esta apenas baseada na perspetiva da procura:

“O turismo é toda a viagem realizada pelos turistas para fora da sua residência habitual por um período superior a 24 horas e inferior a um ano, por motivos de lazer” (Boyer, 1972, cit. por Silva, 2011, p. 20).

Do ponto de vista técnico e principalmente para fins estatísticos, a definição desenvolvida pela Organização Mundial do Turismo (OMT) em 1994 é, segundo Cunha (2011), ainda a mais utilizada:

“O turismo é um conjunto das atividades desenvolvidas por pessoas durante as viagens e estadas em locais situados fora do seu ambiente habitual por um período consecutivo que não ultrapasse um ano e realizadas por motivos de lazer, negócios e outras”. (OMT, 1994, cit. por Silva, 2011, p. 20)

Nesta definição, embora já se considerem outras motivações que não só o lazer, continua a apresentar-se apenas uma perspetiva da procura.

Se preferirmos outro conceito, deixando de parte a habitual abordagem restritiva e limitativa relacionada com a estatística, e segundo Lopes (2010), podemos dizer que o turismo é:

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“… uma atividade que conjuga um conjunto de serviços prestados através de produtos tangíveis e intangíveis e uma plêiade de agentes económicos, sociais e culturais com implicações muito vastas no conjunto da sociedade (…)” (Lopes,2010, p. 9).

Tal abordagem – passando agora para um registo relacionado com a oferta – permite encarar o turismo como uma atividade económica que articula uma complexa rede de produtos e serviços, com múltiplos reflexos no quotidiano das pessoas e das sociedades, formando uma “constelação” de produtos e serviços complementares, que constituem a oferta turística.

Por isso, na opinião de Moreira (2010), a definição mais completa, mostrando um conceito mais lato de turismo, é aquela apresentada por Beaver (2002, cit. por Moreira, 2010, p. 11). Assim, temos:

“ (…) o Turismo inclui as atividades das pessoas durante as viagens e estadas em lugares situados fora do seu ambiente habitual, por um período consecutivo que não ultrapasse um ano e realizadas por motivos de lazer, negócios e outras, junto com as organizações e pessoas que facilitem essa atividade, onde se incluem os serviços que possibilitam e suportam essas atividades e os fornecedores desses serviços, tanto públicos como privados, e que o façam tanto de forma direta ou através de intermediários”. (Beaver, 2002, p. 285)

Trata-se de uma síntese que contempla numa só definição a perspetiva da oferta e da procura, ao considerar a duração e os objetivos da motivação dos turistas, bem como os serviços e prestadores de serviços envolvidos nessa deslocação de pessoas. Esta definição contempla igualmente o papel dos intermediários na prestação de serviços aos turistas, um facto que se tornou determinante com a evolução desta atividade, que envolve toda uma panóplia de situações e pessoas.

Mas não é só ao nível da definição do conceito de turismo que se verificou uma evolução: ela também se verifica ao nível da designação de quem viaja. Se, numa primeira fase, e relativamente à designação de quem viaja se deu preferência ao termo viajante, esta expressão revelou-se muito ampla e difícil de utilizar em termos estatísticos, aparecendo, portanto, a necessidade de distinguir os vários tipos de viajantes.

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Em 1963, na Conferência das Nações Unidas realizada em Roma e cujo tema foi O Turismo e as Viagens Internacionais, foi adotado o termo visitor (visitante) para designar “toda a pessoa que se desloca a um país diferente daquele em que reside, por qualquer razão que não seja a de aí exercer uma profissão remunerada” (Cunha, 2001, pp. 15/16). No decorrer desta mesma Conferência procedeu-se ainda à distinção entre dois grupos de visitantes, os turistas43 visitantes que permanecem pelo menos 24 horas no país visitado, e os excursionistas – os visitantes temporários, que permanecem menos de 24 horas no país visitado (aqui se incluem, por exemplo, a generalidade dos visitantes de cruzeiro).

Devido à evolução da própria atividade turística, estas definições acabaram por se revelar desatualizadas (Cunha, 2013) e, de modo a adequá-las à realidade, em 1993 a OMT propôs à Organização das Nações Unidas (ONU) a adoção de novas definições. Assim, atualmente, nos documentos das Nações Unidas e nos manuais estatísticos do Statistical Office of the European Communities (Eurostat), encontramos as seguintes definições:

visitante (visitor), designando toda a pessoa que se desloca a um local, situado fora do

seu ambiente habitual, durante um período inferior a doze meses consecutivos e cujo motivo principal da visita é outro que não seja o de exercer uma atividade remunerada no local visitado (Eurostat, 2013, p. 18

)

;

turista (tourist) é considerado todo o visitante que passa pelo menos uma noite no

local visitado (Eurostat, 2013, p. 19);

excursionista (excursionist) – atualmente designado por day visitor ou same day visitor

(visitante do dia) 44 –, é todo o visitante que não pernoita no local visitado e que fica pelo menos três horas nesse local.45

43 No entanto, continuamos a encontrar, ao nível da literatura sobre turismo, o uso predominante da

palavra turista em vez de visitante. Por este motivo, muitas vezes aparecerá ao longo do nosso trabalho a primeira designação, aplicada em muitos casos num sentido lato.

44 Referido em vários documentos, como, por exemplo, nas Recomendações Internacionais para a

Estatística do Turismo, das Nações Unidas, 2008, p. 10. Encontramos diversas traduções deste termo para português, o que às vezes causa alguma confusão. Assim, temos autores que traduzem por “visitante de dia” (Cunha,2013, p. 11), “visitante de um dia” (Palma Brito, 2003, p. 60) e “visitante do dia” (Cunha, 2001, p. 19), sendo este último, por o considerarmos uma tradução mais próxima, o termo que irá ser utilizado neste trabalho.

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Nesta categoria incluem-se ainda oficialmente os visitantes de cruzeiro (Eurostat, 2013, p. 19). Contudo, na nossa opinião, estes apresentam-se como um caso distinto, que talvez exija a criação de uma outra designação, por exemplo turista em cruzeiro, uma vez que estes visitantes podem ser vistos de duas perspetivas diferentes. O visitante que vem em cruzeiro, na perspetiva do mercado emissor, é um turista, pois na prática pernoita no barco, fora do seu ambiente habitual; no entanto, na perspetiva

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Verificamos, assim, a permanente necessidade de adaptar estes conceitos e definições à realidade, que se vai continuamente modificando. A evolução do turismo está diretamente relacionada com a evolução da própria sociedade e com o modo como o turismo vai sendo percecionado e vivido. Hoje em dia, quando vivemos em plena era de globalização, essa é, sem dúvida, uma premissa incontornável.

do mercado recetor, apresenta-se como um excursionista / visitante do dia, visto que não pernoita no local visitado (os vários portos onde o barco atraca). Contudo, há barcos que ficam de um dia para o outro num porto, o que vem colocar a questão da pernoita: embora não se alojem num estabelecimento de alojamento coletivo ou privado do local visitado, esses visitantes pernoitam efetivamente nesse local. A categoria de visitante do dia, na nossa opinião, já não abarca completamente esta realidade, havendo um nítido desfasamento entre as práticas e as exigências do rigor estatístico.

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2 – NOVOS TIPOS DE TURISMO

Como já referimos anteriormente, o Turismo tornou-se, na segunda metade do séc. XX, num bem de consumo regular indispensável para uma boa parte da humanidade. Hoje, o seu desenvolvimento apresenta tendências que traduzem o aparecimento de um novo modelo de oferta e consumo.

Este novo modelo resulta de grandes mudanças que se têm vindo a verificar nas sociedades e que se mostram cada vez mais rápidas. Entre essas mudanças, encontramos: as alterações em termos demográficos e de povoamento a que temos vindo a assistir, com as grandes metrópoles a ganharem terreno e o envelhecimento generalizado da população, a mudança das mentalidades resultante da globalização, que por sua vez se desenvolve e instala graças ao avanço das modernas tecnologias da informação que alteraram a forma de relacionamento entre as pessoas. Pessoas que, agora, estão mais próximas, devido às novas possibilidades de deslocação cada vez mais rápidas e facilitadas, as quais, de acordo com Ferreira (2006, p. 96) “contribuem para aproximar destinos e redefinir os conceitos de vizinhança”. E ainda, como refere Plog (1991)46, as grandes preocupações com o planeta, que se traduzem em questões

relacionadas com a sustentabilidade e também as preocupações ao nível da responsabilidade social, que hoje cada vez mais se evidenciam, devendo ser tidas em conta. Não há dúvida que é premente a necessidade de acompanhar todas essas alterações profundas no seio das sociedades, que, ao criarem novos hábitos e necessidades, obrigam ao desenvolvimento de novos produtos e serviços, pois, tal como Cunha (2003, p. 97) afirma, “quem não se adapta ou quem não antecipa as mudanças não tem lugar no turismo”.

46 Este autor apresenta inclusive um “código para viajantes” (1991, p. 225) que pressupõe já

preocupações com a preservação das áreas turísticas no intuito de lhes dar sustentabilidade e, nesse sentido, preservando-as em termos ecológicos.

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