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No início de um estudo sobre Turismo Acessível, que enquanto objeto de estudo se revela como um dos resultados da atividade turística contemporânea, torna-se importante apresentar uma breve evolução histórico-social do Turismo. Esta abordagem permitirá, certamente, ajudar a enquadrar o aparecimento do nosso objeto de estudo e a compreender melhor a importância da viagem, ao nível pessoal e social.

Analisaremos o fenómeno turístico, em geral, e também as formas de que este se revestiu, e reveste, em Portugal, dedicando especial atenção à génese do Turismo Acessível. Este veio a surgir contemporaneamente da confluência de diversos fatores, que vão desde cuidados médicos mais qualificados, meios de transporte adaptados e uma mentalidade mais aberta, entre outros; mas as viagens empreendidas por pessoas que não dispõem de mobilidade completa são uma realidade antiga a que procuraremos dedicar a devida atenção neste ponto do nosso trabalho – mesmo que tenhamos de inferir muitas das nossas conclusões, dada a escassez de referências relativas ao tema nas fontes históricas. Da nossa análise ressalta que, na medida das capacidades técnicas de cada época, existiram decerto diversas formas de preocupação com a acessibilidade: embora esta não apareça como um conceito, acaba por se manifestar na prática de diferentes maneiras, que procuraremos destacar.

De acordo com Cunha (2013), o turismo teve a sua revolução no séc. XX, mas é uma atividade que vem já de tempos imemoriais (McIntosh, Goeldner & Ritchie, 1995); embora nem todo o ato de viajar se possa classificar como Turismo, o certo é que sempre se empreenderam viagens que, mesmo apresentando oficialmente motivações diversas, acabavam por revelar um fundo de satisfação de interesses íntimos, intelectuais e afetivos, e uma aspiração à mudança e à variedade, que anunciavam já a mentalidade do turista moderno. Segundo Cunha (2013), esse desenvolvimento do turismo pode ser dividido em três períodos: a Idade Clássica, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea2. Optámos, no entanto, por considerar quatro

períodos, procedendo a uma subdivisão da Idade Clássica em Antiguidade e Idade Média, por entendermos terem havido alterações significativas que justificam esta divisão.

2 A primeira corresponderia ao período entre os primórdios das civilizações e o século XVII, a segunda

estaria compreendida entre o século XVIII e o XIX e a última, iniciada no princípio do século XX, dura até aos nossos dias.

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O Turismo na Antiguidade: Desde tempos muito recuados que se viaja e se empreendem expedições que hoje chamaríamos turísticas, mas que, na época, apareciam ligadas a outras motivações, socialmente mais aceitáveis. Diríamos que, na Antiguidade, os principais motivos que levavam as pessoas a deslocar-se – para além das viagens utilitárias, de comércio e outras – seriam de natureza religiosa, compreendendo este conceito uma miríade de aspetos diferentes, que oportunamente discriminaremos; mais tarde, outras motivações se lhes juntaram, sendo que “a essência de cada motivação humana é a satisfação de uma deficiência (devendo-se interpretar deficiência como uma falta ou situação desfavorável)” (Vukoni’c, 1996, p. 42).

O desenvolvimento de economias de produção, iniciado no Crescente Fértil há cerca de dez mil anos, criou excedentes transacionáveis, libertando riquezas para a construção de templos e locais sagrados, os quais eram objeto de peregrinações e festivais religiosos procurados pelos fiéis em datas festivas. Sabemos, por exemplo, que há mais de quatro mil anos se organizavam viagens pelo Nilo para visitar os diversos templos; essas visitas faziam-se principalmente na época das cheias do rio, quando não era possível executar trabalhos agrícolas, pois só nessa altura as pessoas se poderiam dedicar aos aspetos religiosos, visto a maioria das religiões, certamente enquadradas com aquilo que eram as necessidades das pessoas, dar preferência “ao tempo de trabalho sobre o tempo livre.” (Vukoni’c, 1996, p. 6).

Os Gregos desenvolveram atividades muito diversas no âmbito do turismo religioso, a que se encontrava ligado o turismo desportivo e o de saúde. Os grandes santuários, como o de Zeus, em Olímpia, eram visitados por milhares de pessoas, sobretudo por altura dos grandes festivais. Em Olímpia celebravam-se, de quatro em quatro anos, os Jogos Olímpicos, ponto máximo do culto de Zeus3. Estes Jogos, ao contrário dos seus descendentes da era moderna,

não eram simples manifestações desportivas, mas uma modalidade de culto religioso: os atletas competiam pela vitória que a divindade lhes concederia, vitória essa vista como manifestação do favor divino e sinal de proteção e boa sorte. Os quantitativos dos espetadores eram importantes, com um impacte notável sobre a vida das populações residentes, ainda que este fosse mitigado pela escassa periodicidade dos eventos.

3 Embora fossem os mais importantes de todos os Jogos, os que se tinham lugar em Olímpia não eram

os únicos: em Delfos realizavam-se os Jogos Píticos, em Corinto os Ístmicos, em Nemeia os Nemeus, em Atenas os Panatenaicos; mesmo o deus da medicina, Asclépios, de quem adiante falaremos, teve Jogos, realizados no seu santuário de Epidauro

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O santuário de Apolo, em Delfos, também era objeto de inúmeras visitas, e não apenas durante os Jogos que lá se realizavam, porque, além de santuário oracular, em Delfos também se praticava a cura, uma vez que Apolo era o deus da medicina (Martínez, Fernandez-Galiano & Melero, 1997, p. 52). Contudo, a difícil acessibilidade do santuário, situado na encosta de uma montanha escarpada, decerto desencorajaria os mais doentes de o frequentar. Mais tarde, a função de deus médico passou para Asclépios (ou Esculápio), filho de Apolo, em honra de quem se construiu um grande santuário em Epidauro4, onde, para além dos tratamentos

cirúrgicos e farmacêuticos disponíveis na época, se recomendava que os doentes dormissem num pórtico anexo ao templo, esperando que a divindade lhes indicasse, em sonhos, o tratamento mais indicado para os seus males (Iakovidis, 1993, p. 138); inúmeros ex-votos, encontrados nas escavações arqueológicas, atestam os bons resultados do método e o número de enfermos que o visitavam, os quais aí procuravam a cura aliando a motivação religiosa à saúde. “Os bons acessos e as amplas instalações do santuário” (Iakovidis, 1993, p. 131) seriam, sem dúvida, decisivos para facilitar a visita dos doentes e “inválidos” que aí procuravam alívio para os seus males e que para aí se deslocariam ou seriam transportados das mais diversas maneiras5.

Depois das conquistas de Alexandre, a expansão do espaço de língua grega facilitou a realização de viagens; entre os anos de 150 e 120 a. C. foi elaborada a lista das Sete Maravilhas do Mundo, atribuída a Antípatro de Sídon. A lista também é conhecida como Ta hepta Thaemata ("as sete coisas dignas de serem vistas")6. Que tal lista tenha sido elaborada é prova

indireta da criação do hábito da viagem cultural, que se terá iniciado nesta altura. Foram escritos roteiros de viagem e guias turísticos7, apontando os melhores percursos e indicando as atrações de cada terra, persistindo até aos nossos dias essa necessidade de informação, cada vez mais abrangente e detalhada; os guias e mapas sempre foram um apoio imprescindível para qualquer viajante.

4 Célebre pelo seu esplêndido teatro, ainda hoje em uso; as suas dimensões – capacidade para 12.000

pessoas – sugerem a quantidade de visitantes que ali se dirigiriam.

5 Já na Grécia existiriam cadeiras de rodas. Hefesto, o deus da Metalurgia, devido a uma má formação

dos membros inferiores, fazia-se transportar numa cadeira de rodas, conforme uma representação encontrada num vaso do séc. IV A.C. (ver site: http://www.deficienteciente.com.br/2012/01/cadeira-de- rodas-e-sua-evolucao-historica.html

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In site http://www.sohistoria.com.br/curiosidades/seteantigo/; [acedido a 27 de janeiro de 2015]

7 No séc. II D.C., o geógrafo grego Pausânias escreveu um guia de viagem com o título “Descrição da

Grécia” baseado nas suas próprias viagens nesse país e composto por 10 volumes, onde se podia obter informação sobre as diversas regiões, que ia desde os aspetos arquitetónicos até aos pequenos objetos artísticos. Foi um guia muito apreciado e imitado.

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Depois da conquista romana, as viagens aumentaram em quantidade e extensão, facilitadas pela paz que os governantes impunham e pelo excelente sistema de estradas e comunicações marítimas do Império. Já então as “acessibilidades” (no primeiro e mais lato sentido do termo) se revelavam importantes, facilitando a deslocação dos viajantes. Os filhos da aristocracia romana mais abastada apreciavam peregrinar pelo Oriente e pelas terras da antiga Grécia, apreciando as obras de arte, explorando os locais famosos e estudando:

“para estudar [filosofia], os jovens romanos iam para a suprema cidade universitária de Atenas ou para um dos outros centros gregos de educação superior, como Rodes, Mitilene, Éfeso, Pérgamo, Tarso, Esmirna, Alexandria (…)” (Grant, 1967, p. 90), naquilo a que chamaríamos um turismo académico8.

O Turismo na Idade Média: Na imaginação popular, a Idade Média foi um período de isolamento e imobilismo; poucos imaginariam esta época como uma época de viagens. No entanto, viajou-se muito durante este período9. Embora existissem muitos jovens intelectuais viajando à procura de uma formação superior, dirigindo-se aos grandes centros universitários, como Paris e Bolonha, podemos dizer que nesta época a grande motivação para a viagem era principalmente religiosa, incluindo-se na visão do mundo medieval, em que a finalidade da vida humana consistia na salvação da alma. É a época das grandes peregrinações.

E se, numa primeira fase, se “desenvolve o espírito de hospitalidade, o qual constituía um ato honroso” (Cunha, 2013, p. 24) – de acordo com a moral cristã, a hospitalidade é um dever para quem recebe e um direito para quem chega –, cedo se diagnosticou que o grande número de viajantes, que frequentemente chegavam doentes e cansados, excedia a capacidade de alojamento caridoso. Apareceu, então, a necessidade de se criarem estabelecimentos próprios para os acolher e tratar. A criação de alojamento e outros serviços para apoiar estes peregrinos deu origem ao que podemos considerar como as primeiras manifestações da oferta turística.

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Que não deixa de ter semelhanças com os Programas Erasmus da atualidade; e, na sua vertente cultural e artística, antecipa o Grand Tour.

9 O apreço medieval pelas viagens revela-se no sucesso que o livro das viagens de Marco Polo conheceu;

mesmo duvidando de algumas das maravilhas nele descritas (como o papel-moeda chinês), os europeus apaixonaram-se por aquele relato fantástico do outro lado do Mundo.

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Ricos devotos fundaram e subvencionaram albergarias e hospitais;10 as confrarias piedosas

assistiam os peregrinos enfermos e exaustos. Tal como Ambrósio (2006, pp. 65/66) refere, “o santuário, lugar singular da presença divina, exerce uma atração particular sobre o coração do pobre de Deus (o pecador, o doente, o sofredor) …”, sendo provável que entre os peregrinos já estivessem pessoas com mobilidade reduzida que não se privavam dos benefícios das peregrinações: muitas o fariam, decerto, confiando na ajuda e apoio de familiares e amigos, bem como das instituições piedosas que iam encontrando ao longo do caminho. Encontramos na própria Bíblia diversas referências a pessoas com mobilidade reduzida que ilustram esta situação, como é o caso do paralítico de Cafarnaum (Mateus 9:1.8, Marcos 2:1.12 e Lucas 5:17.26), que é trazido em peso pelos seus familiares, ou outros que se deslocavam a locais sagrados como o poço de Betsaida, onde se concentravam enfermos, aleijados e paralíticos, pois acreditavam que aí aparecia um anjo que os poderia curar (João 5:5.9).

Três grandes centros atraíam os peregrinos medievais. Em primeiro lugar, a longínqua e difícil de atingir Cidade Santa, Jerusalém, alvo de grande número de viagens piedosas. A seguir a Jerusalém surgia Roma, sede do papado e local do martírio de tantos santos, dotada de tantas e tão belas igrejas, e por isso um destino prestigioso, atraindo inúmeros “romeiros”. Os diversos papas estimulavam essas deslocações, concedendo indulgências11 aos peregrinos, os quais faziam a fortuna da cidade.

No Ocidente da Europa, Santiago de Compostela reunia as preferências dos crentes como destino de peregrinação, sabendo-se que já no século XI era um dos principais lugares de peregrinação da Cristandade. Ao longo das rotas que conduziam a Santiago (ditas genericamente “Estrada de Santiago” ou “Caminho de Santiago”, as cidades cresciam e construíam-se amplas igrejas, que hoje fazem parte da oferta cultural de muitos destinos turísticos. Nelas se exibiam, na época, uma vasta profusão de relíquias, para assim atrair os peregrinos (sendo esta uma nova forma de oferta turística). Poderíamos falar também aqui de

10 A mãe de D. Afonso Henriques, D. Teresa, fundou uma albergaria que veio a dar origem à atual

Albergaria-a-Velha. Uma lápide atesta o acontecimento: “Albergaria de pobres e passageiros da Rainha D. Teresa com 4 camas e 2 enxergões e esteiras, lume, água, sal, fogo e cavalgaduras e esmola e ovos ou frangos aos doentes” (fonte: albergariacriativa.blogs.sapo.pt/1019.html)

11 Uma indulgência consistia no perdão, a aplicar após a morte, da pena devida pelos pecados cometidos

em vida. Era concedida a quem realizasse certos atos de piedade, sendo a peregrinação um deles. É razoável admitir que também as pessoas com deficiência pretenderiam recebê-las, tanto mais que a sua deformação física seria vista, na época, como um castigo para os seus pecados.

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um outro tipo de manifestação relevante de turismo, onde certamente se incluiriam muitas pessoas com deficiência12, como a seguinte figura (embora tardia) ilustra:

Figura2 – Peregrinação (colunelo destinado à Sé de Lisboa, século XIX)

Todos estes centros urbanos teriam de se preparar para receber estes visitantes13, fornecendo alojamento de diversas categorias, alimentação, atendimento médico, relíquias e mais recordações devotas, e outros serviços diversos. Encontramos aqui reunidos muitos dos elementos essenciais à atividade turística contemporânea.

Para aqueles que de todo não pudessem empreender a peregrinação, devido a idade avançada, doença grave, invalidez ou extrema pobreza, a caridade medieval encontrou um expediente, na forma de peregrinações simbólicas, traçadas no chão de algumas igrejas: os labirintos. “O labirinto (…) podia ser percorrido como uma forma de peregrinação (…) Por vezes, o circuito (…) era usado como um substituto para a verdadeira peregrinação a Jerusalém” e, por tal motivo, veio a ser chamado Chemin de Jerusalem ou Caminho de Jerusalém14. Os fiéis, depois de confessarem os seus pecados, percorriam-nos piedosamente

12 Atualmente a peregrinação em cadeira de rodas manual é aceite oficialmente em Santiago de

Compostela, dando acesso ao certificado de peregrino, tendo havido no ano de 2014, de acordo com as estatísticas da Oficina de Acogido al Peregrino, 98 pessoas em cadeira de rodas que realizaram essa peregrinação. Dados obtidos no site: www.pererinossantiago.es/esp/oficina-del-peregrino/estadisiticas [acedido online a 13 de agosto 2015]

13 Tal como Ambrósio (2006:88) refere, em 1996, quando a associação das cidades santuário (Alltöting,

Fátima, Loreto, Lourdes e Czestochewa na Polónia,) se reúne pela primeira vez e decidem que o acolhimento se deve basear na qualidade, um dos pontos considerados é que se deve “criar um urbanismo que concilie a vida da cidade e a circulação dos peregrinos, em particular os deficientes …”.

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Dados obtidos no site: In http://www.lessons4living.com/chartres_labyrinth.htm [acedido a 27 de janeiro de 2015]

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do princípio ao fim, e de volta; tendo depois ido à missa e comungado, ganhavam as indulgências de uma verdadeira peregrinação: era o caminho da salvação da alma para todos, inclusive as pessoas com deficiência.

No século XV, assinalando o final da Idade Média, os Descobrimentos abriram uma nova era para o Mundo, suportada por grandes alterações ao nível tecnológico, económico, social e cultural. À viagem empreendida para – que, com raras exceções, caracterizou as épocas anteriores –, veio juntar-se a viagem feita porque,

“onde as camadas superiores da sociedade desenvolveram o gosto pelas viagens de recreio, apenas com o fim de conhecer e ter novas experiências” (Cunha, 2013, p. 26).

O Turismo na Idade Moderna: A Reforma, cindindo a Cristandade nos campos católico e protestante, veio diminuir o fluxo das peregrinações religiosas, firmemente rejeitadas pelo campo protestante, desalinhado de santos, relíquias e milagres.

Mas, como referem autores como Sprocatti (1997) e Orrey (1972), outras “peregrinações”, estas de natureza laica, se lhes sucederam: artistas plásticos como Velázquez, Rubens, Boucher, David e Fragonard, e músicos como Haendel e Gluck, entre muitíssimos outros, fizeram a indispensável viagem de estudo a Itália – que podia durar anos. Poucos foram os pintores, escultores, arquitetos, compositores e executantes musicais de alguma importância que não empreenderam essa deslocação, a fim de ficarem a conhecer a obra dos grandes mestres e aperfeiçoarem a sua própria arte, muitas vezes a expensas dos seus patronos, reis e grandes senhores laicos e eclesiásticos, interessados em engrandecer o seu prestígio graças ao talento e competência dos artistas ao seu serviço.

A peregrinação artística não se restringiu aos artistas profissionais: na segunda metade do século XVII, as pessoas cultivadas e com posses suficientes habituaram-se a viajar; os jovens aristocratas, principalmente de origem inglesa, habituaram-se a viajar pela Europa, em longas deambulações entendidas como sendo de estudo ou de complemento de educação – ritos de passagem intelectuais e artísticos. A moda iniciou-se por volta de 1660, e durou cerca de dois séculos; é conhecida pela expressão francesa Grand Tour, que poderemos traduzir como grande circuito.

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É consensual considerar o Grand Tour como o antepassado direto do Turismo: uma viagem empreendida para satisfação pessoal, destinada a satisfazer a curiosidade cultural, permitindo ao jovem conhecer-se a ele próprio e aprender sobre os outros. Para Cunha (2013), é com esta prática que nasce o verdadeiro conceito de turismo. É “o itinerar da cultura, da curiosidade, do prazer” (Palma Brito, 2003, p. 222).

Tendo os centros urbanos europeus como destinos preferidos, nas suas deambulações por Itália15 o touriste fazia-se acompanhar de um cicerone16 local, antepassado dos atuais guias intérpretes, entendido em arte, monumentos, curiosidades e música. Desta altura são também os primeiros guias de viagem modernos, como o popular Richardson.

Começam a aparecer os organizadores de viagens: segundo Fukushima (2011, p. 41), em 1822, em Bristol, Robert Smart irá aparecer como o “primeiro agente de navios no mundo”, mas é Thomas Cook que, em 1841, funda a agência Cook & Son, sendo esta geralmente considerada a “primeira agência de viagens do mundo”17; no ano de 1758, é fundada a Cox & King18, uma

companhia oficial de viagens ligada ao âmbito militar, sendo responsável pelas deslocações dos membros dos regimentos de elite, os designados Foot Guards.

É também neste período que aparece outra atividade turística de grande futuro, mas inicialmente ligada apenas à saúde: os banhos de mar, anunciados como um tratamento

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O percurso, que durava cerca de 3 anos, era mais ou menos normalizado: esperava-se que os jovens visitassem a França e adquirissem alguma fluência no francês, a língua aristocrática e da diplomacia, e de passagem percorreriam a Alemanha e a Suíça, mas o principal destino era a Itália. Aí, os viajantes deviam visitar as principais cidades – Florença, Veneza e sobretudo Roma, demorando-se meses ou anos (a duração normal do circuito era de cerca de três anos, mas havia quem excedesse largamente este prazo). Alguns viajantes mais aventureiros estendiam as suas deambulações até à Grécia, na época dominada pelos turcos; Thomas Beckford tomou a direção oposta e visitou Portugal, onde foi calorosamente acolhido pela nobreza.

16 Já Voltaire (1769) referia este hábito nas suas Les Lettres d'Amabed (Cartas a Amabed), in Romans et

Contes de Voltaire, 1ª ed. Garnier Flammarion: Paris, 1967, onde se lê:

“O signor Amabed pode contar comigo, enviar-lhe-ei um Cícero [em italiano Cicerone] que ficará ao seu serviço; só tem de mo dizer (...).”

Voltaire também acrescenta a seguinte nota: “É sabido que em Roma se chama Cícero [ou seja, Cícerone, em italiano] às pessoas que fazem ofício de mostrar as antiguidades aos estrangeiros”. A designação também existe em português: “Do it. cicerone, uso figurado de Cicerone (forma it. do antr.

Cícero), dado, por graça, aos guias em alusão à sua verbosidade”, in Dicionário Etimológico da Língua

Portuguesa (3ª. Ed.), 2º volume, Livros Horizonte, 1977; “ETIM it, cicerone (séc. XVIII) ‘id’, dada a célebre eloquência de Cícero, orador e político romano (106 – 43 a. C.), estabeleceu-se então uma comparação desse com os guias romanos, graças à efusividade dos últimos”, in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tomo V, 2001.

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Segundo Cunha (2013, p.28), este pioneiro irá organizar a primeira viagem à volta do mundo.

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médico. Acreditava-se, seguindo os ensinamentos do Dr. Floyer19, que o mar tinha poderes

milagrosos, até mesmo para os paralíticos. Não se julgue que se tratava de uma atividade de prazer: o Dr. Richard Russel “recomendava o tempo frio para os banhos de mar; [três senhoras suas conhecidas] banhavam-se em Brighton antes do amanhecer, em Novembro.” (Wright,