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A Câmara Municipal de Lisboa (CML) assume uma importância fulcral em todo este processo de preparação da cidade para o Turismo Acessível, uma vez que é a entidade a quem compete implementar e melhorar as acessibilidades a vários níveis fundamentais, como, por exemplo, vias públicas e mobiliário urbano.

Em entrevista realizada, em janeiro de 2013, ao coordenador do Núcleo de Acessibilidade Pedonal da CML130, Arq. Pedro Homem de Gouveia (Anexo I, h.3), a investigadora foi informada de que desde os anos 80 que a CML vem manifestando preocupações com as acessibilidades da cidade e que, em 1997, ordenou um primeiro levantamento destas. Também testemunho dessa preocupação, por parte desta entidade, é o edital nº 29/2004131.

Infelizmente, temos de considerar que dezenas de anos de preocupações, estudos, equipas e levantamentos não se traduziram, como seria desejável, em ações com verdadeiro impacto na melhoria das condições de acessibilidade de Lisboa.

Segundo este nosso entrevistado, este resultado insuficiente deve-se ao facto de a acessibilidade ter sido vista, até agora, como «uma política para a deficiência e não para a Cidade». Segundo este responsável, existe um “compromisso político” para a melhoria das acessibilidades, o qual, todavia, reconhece não se ter traduzido em “ações concretas”; e o facto de Lisboa se encontrar na situação atual deve-se à “falta de conhecimentos técnicos e inércia”. Segundo o entrevistado, a centralização de competências – política que até agora foi seguida pela CML – gerou uma desresponsabilização generalizada; espera que a atual política de descentralização, acompanhada por uma coordenação de tarefas, venha a produzir bons

130 Este Núcleo de Acessibilidade Pedonal foi criado em 2000, mas só recentemente passou para a

responsabilidade do pelouro da Mobilidade, onde, provavelmente, deveria ter sido enquadrado desde o início, pois esse novo enquadramento veio permitir um maior dinamismo nas suas funções. Atualmente, é designado Equipa do Plano de Acessibilidade Pedonal.

131 Trata-se de um regulamento municipal de promoção da acessibilidade e mobilidade pedonal criado a

partir da consulta de diversas outras entidades (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, Associação Portuguesa dos Deficientes, Associação Nacional de Famílias para a Integração da Pessoa deficiente, a Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Ordem dos Arquitetos, Ordem dos Engenheiros, entre outras) e que pretende ser um conjunto de normas que permitam “promover as condições de acessibilidade e a eliminação das barreiras físicas que constituam obstáculo à mobilidade, em conforto e segurança de pessoas e bens, em especial, daquelas pessoas que, de forma permanente ou transitória, se encontrem em situação de limitação ou de mobilidade condicionada, bem como promover a implementação e aplicação efetiva de normas técnicas adequadas a melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos”. Para mais informações consultar o site: www.cm- lisboa.pt/viver/mobilidade/modos-suaves/mobilidade-pedonal/plano-de-acessibilidade-pedonal.

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resultados, porque a acessibilidade é transversal, dependendo de muitos departamentos, e todos devem ser responsabilizados e trabalhar em conjunto.

Este Núcleo tem-se mostrado, em nosso entender, bastante ativo no que diz respeito à sensibilização da opinião pública para as dificuldades que as pessoas com mobilidade reduzida ou algum tipo de deficiência enfrentam quando circulam pela cidade, estando presente em quase todas as reuniões e ações que estejam relacionadas com o tema e mantendo contato com diversas entidades no âmbito das pessoas com deficiência. A título de exemplo, diga-se que apoiou, no dia 18 de setembro de 2012, um passeio organizado pela Associação Salvador em parceria com a Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), Associação Gulliver e outras, com relevante efeito simbólico e impacte mediático, o que evidencia a sua proximidade com os problemas existentes e o importante contacto entre a CML e as diversas associações relacionadas com as pessoas com deficiência132. Ao nível internacional, este núcleo também participou na 14ª Conferência Transed 2015 (anteriormente referida no ponto 3.4 – Legislação e Ações relacionadas com as Pessoas com Deficiência e o Turismo Acessível), tendo aí apresentado a situação de Lisboa relativamente às acessibilidades.

Este núcleo de acessibilidade coordenou a elaboração do relevante e muito desejado Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa que foi apresentado em finais de 2013 tendo sido aprovado e publicado já em 2014, sobre o qual nos debruçaremos em seguida.

O Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa (PAPL)

Este Plano, que foi apresentado em cinco volumes no final de 2013, foi debatido e votado em reunião na Camara Municipal e aprovado por unanimidade a 18 de fevereiro de 2014, pela Assembleia Municipal de Lisboa. Encontra-se em fase de execução. No primeiro volume, onde se faz o respetivo enquadramento e se apresentam os objetivos, lê-se que ele tem como missão “definir a melhor estratégia para a Câmara Municipal promover a acessibilidade em Lisboa” (PAPL, 1º v, 2014, p. 10), apresentando, para isso, uma componente estratégica que

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A CML parece realmente empenhada em tornar Lisboa mais acessível. A título de exemplo, um dos projetos vencedores do Orçamento Participativo 2012 foi o projeto 131 “Lisboa Acessível”, apresentado pela ACAPO, em conjunto com a ADFA, ANACED, APEDV, FPDD, Associação Salvador, Associação Gulliver e Fundação LIGA. Com a implementação deste projeto pretende-se eliminar todas as barreiras à acessibilidade no eixo Entrecampos – Marquês de Pombal, o que inclui adaptar as passadeiras, paragens de autocarro, remover obstáculos dos passeios e relocalizar mobiliário urbano e regularizar o pavimento.

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implica um diagnóstico global, a perceção das políticas a seguir e a definição e concretização de um conjunto de ações com impacto. O PAPL tem um prazo de implementação de cinco anos (2013-2017), deve ser aplicado gradualmente e apresenta três objetivos principais:

1. impedir a criação de novas barreiras, através da formação e fiscalização;

2. eliminar as barreiras existentes, através da adaptação progressiva dos edifícios; 3. mobilizar a comunidade, através de ações de sensibilização.

Estes objetivos deverão ser aplicados a cinco áreas distintas, que são apresentadas nos outros quatro volumes que constituem o PAPL: Via Pública, Equipamentos Municipais, Transporte Público, Fiscalização de Particulares e Desafios Transversais, incluindo-se nesta última área o turismo e, nomeadamente, o Turismo Acessível.

No que diz respeito à Via Pública, o PAPL propõe-se colocar “o peão como prioridade da CML” (PAPL, 2014, 2ºv, p. 38), o que, muitas vezes, não acontece no desenvolvimento de uma cidade, pois as acessibilidades são pensadas principalmente ao nível da circulação automóvel. No PAPL, propõe-se a utilização preferencial de passagens desniveladas, as quais deverão sempre contemplar uma acessibilidade para todos. A largura do passeio é agora considerada relativamente à sua largura livre e não à sua largura bruta. Este novo enfoque é muito importante, pois, por vezes, o passeio é largo, mas está ocupado por paragens, sinais de trânsito e até mobiliário urbano, como é o caso das esplanadas. A desobstrução da via é fundamental para uma boa circulação dos peões e, no PAPL, defende-se que a “rede de percursos pedonais deve disponibilizar ao peão um canal de circulação contínuo, regular, desobstruído, com uma largura livre superior a 1,20 m em toda a sua extensão” (PAPL, 2014, 2ºv, p. 207). O cumprimento desta norma seria realmente suficiente para melhorar as condições de circulação para uma pessoa em cadeira de rodas. Também o pavimento da via é considerado como um aspeto importante: em Lisboa, encontramos a calçada portuguesa que, no caso de não ter tido uma construção adequada ou não receber boa manutenção, pode ser um problema para as pessoas em cadeira de rodas. Neste Plano “reconhece-se que as pessoas com mobilidade condicionada são as mais vulneráveis e os seus contributos (em termos de opiniões, experiências) são os que melhor ilustram esses problemas e o seu impacto no utilizador final” (PAPL, 2014, 2ºv, p. 233). As soluções propostas no PAPL para a qualidade dos passeios vão ao encontro das preocupações em preservar a calçada nas áreas históricas, mas possibilitando, simultaneamente, a melhoria das condições de acessibilidade, em geral. Assim,

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as soluções apontadas “são semelhantes às que se encontram em Barcelona, onde se fez a diferenciação do tipo de passeio” (PAPL, 2014,2ºv, p. 235); isto é, dependendo se é um passeio normal, área histórica ou passeio singular, aplicam-se os pavimentos distintos que melhor se adaptem às diversas situações, tanto do ponto de vista estético como prático, podendo assim a calçada artística manter-se como uma possibilidade nas áreas históricas, desde que tenha a devida manutenção.

Como se refere no mesmo documento, não é possível tornar uma cidade acessível sem adaptar as suas passadeiras. Por isso, “As passagens de peões de superfície (passadeira, passeio adjacente e refúgio, quando exista) devem proporcionar a todos os peões um atravessamento autónomo, funcional, seguro e confortável” (PAPL, 2014, 2ºv, p. 171). Neste documento, refere-se que no intuito de tornar acessíveis essas passagens de peões se deve considerar a visibilidade, alinhamento, drenagem, iluminação, tipo de pavimento, sinalização, ressalto zero e piso táctil e, ainda, área de proteção no passeio e refúgio para peões. Também o tempo necessário para a travessia, nos casos de mobilidade reduzida, deve ser considerado, pois “a velocidade estabelecida por lei ao nível do tempo de travessia não considera os casos que fogem da média, os quais também têm direito a atravessar…” (PAPL, 2014, 2ºv, p. 202); segue-se, também aqui, o exemplo de Barcelona, no que diz respeito à estandardização das passadeiras.

Os Equipamentos Municipais, como estacionamentos, paragens de autocarro, instalações sanitárias, atrações, etc., são considerados no terceiro volume do PAPL, onde se lê que:

“o equipamento deve servir o visitante ou utilizador que precisa de acessibilidade de uma forma idêntica ou tão equivalente quanto possível à forma como serve os restantes visitantes“ (PAPL, 2014, 3ºv, p. 10),

devendo esses equipamentos proporcionar acesso direto, imediato e permanente e o mais autónomo possível:

“o visitante deve poder efetuar, sem ajuda de terceiros, as operações para as quais tem condições pessoais – por exemplo, se tem condições pessoais para circular sozinho numa cadeira de rodas, então o equipamento deve assegurar-lhe a possibilidade de circular sozinho” (PAPL, 2014, 3ºv, p.10).

As barreiras à acessibilidade “prejudicam a autonomia do visitante, e essa perda de autonomia gera, por regra, dois tipos de custo: a redução na qualidade do serviço prestado e a obrigação

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de criar procedimentos de apoio ao visitante, para que este não fique em situação de desvantagem “ (PAPL, 2014, 3ºv, p. 15). Na verdade, a ausência de condições de acessibilidade traduzir-se-á na insatisfação do visitante e, por outro lado, na tentativa de minimizar algumas das consequências negativas dessa falta de condições, haverá necessidade de um maior esforço em termos de recursos humanos.

O quarto volume é dedicado aos Transportes Públicos. Neste campo, foi realizado um diagnóstico sobre a atual situação, tendo sido identificadas falhas ao nível das diversas fases da viagem, pois reconhece-se a existência de uma

“profusão de obstáculos que se colocam ao peão no percurso entre a origem e a interface (paragens/estações), entre a interface e o destino final, ou mesmo nas etapas a pé que se processem na via pública para efeito de ligação entre modos” (PAPL, 2014, 4ºv, p. 68).

Propõe-se um novo modelo de paragem e dá-se ”prioridade às intervenções em paragens de autocarro cujas carreiras já disponham de frotas acessíveis” (PAPL, 2014, 4ºv, p. 78), medida esta que poderia a curto prazo melhorar muito a situação de acessibilidade, pois permitiria uma oferta parcial contínua.

No quinto volume, sobre Fiscalização e Desafios Transversais, defende-se que, para que seja possível tomar as decisões corretas e proceder à devida fiscalização, haverá necessidade de ações de formação para os técnicos municipais. Neste documento fala-se de alguma capacidade instalada, mas também de constrangimentos, entre os quais, para além das evidentes barreiras físicas e falta de formação, informação e promoção, se reconhece a inexistência de um planeamento estratégico e operacional no que diz respeito às acessibilidades. No capítulo sobre Turismo Acessível, pode ler-se que:

“Lisboa já possui uma oferta turística acessível (…) mas a ausência de uma estratégia de articulação entre os agentes turísticos e a falta de promoção das condições de acessibilidade destes espaços e produtos faz com que Lisboa apareça como um destino turístico pouco acessível” (PAPL, 2014, 5º v, p. 43).

Na tentativa de facilitar a vida a estes visitantes, o PAPL propôs-se executar mapas das principais áreas turísticas, utilizando um software de sistemas de informação geográfica que indica o seu grau de acessibilidade para cadeira de rodas. Os parâmetros contemplados são

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largura de passeios, qualidade do pavimento, declives e ressaltos nas passagens de peões. Estes estudos deram origem a alguns percursos para as principais áreas de turismo em Lisboa – Belém, Centro e Parque das Nações –, os quais foram colocados num ficheiro do Google Earth. Os percursos apresentam 3 níveis de acessibilidade, representados numa escala cromática. Como se pode ver no volume 5 deste Plano (páginas 52/53), relativamente à área de Belém, verifica-se: um troço verde, quando cumpra todos os parâmetros; um troço laranja, quando há pelo menos um atributo fora dos parâmetros; e um troço vermelho, quando existam dois ou mais atributos negativos.133

Neste documento propõe-se, ainda, um conjunto de Diretrizes Técnicas que deverão ser levadas a cabo para que o Turismo Acessível se implemente em Lisboa. Temos, então:

DT2 – Captação de Emissores Chave, cujo procedimento será “definir, programar e executar uma série de tarefas para identificação e contato com emissores chave deste tipo de turismo, e preparar e enviar informação fiável e atualizada sobe as condições de acessibilidade na cidade”;

DT3 – Roteiros, destinada a “completar, afinar, operacionalizar e divulgar o sistema de roteiros para turistas em cadeira de rodas”;

e DT4 – Aqui Estamos, onde se propõem ações de informação e sensibilização dos agentes turísticos e do público em geral.

Para além destas Diretrizes Técnicas diretamente aplicáveis ao turismo, encontramos outras que, pertencendo mais às competências internas da CML, terão aplicação prática na execução do Plano. Falamos das diretrizes:

DT1 – Programa Municipal de Formação em Acessibilidade e Design Inclusivo, que pretende dar formação aos funcionários da CML;

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Embora os mapas sejam já um passo em frente no que se refere ao estudo das acessibilidades da via pública, no que aos visitantes em cadeira de rodas se refere, continuaremos num formato de «tentativa e erro», para além de que não sabemos o nível de acessibilidade dos museus e monumentos assinalados, o que pode implicar uma ida a um local não acessível, perdendo tempo e criando sentimentos de frustração que são de evitar. Em nossa opinião, este tipo de mapa poderá ser útil, mas haveria também necessidade de saber quais os atributos negativos, para que os visitantes pudessem decidir se teriam, ou não, possibilidade de continuar por esse percurso, tendo em conta a sua capacidade individual. Nestes percursos também não se tem em conta o tipo de cadeira de rodas, que é um dado fundamental; este aplicativo não deverá também excluir a existência de informação/sinalética de apoio ao turista com mobilidade reduzida, pois tal tecnologia não é de utilização generalizada; convém não esquecer, ainda, a regular e indispensável atualização do mapa, o que, a não ser feito, resultará inevitavelmente na inadequação deste, no curto prazo.

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DT6 – Exceções ao DL 163/2006: Orientações e recomendações, onde se propõe esclarecimento sobre as exceções contempladas neste Decreto-Lei no que diz respeito à sua aplicação ao nível dos edifícios;

e DT7 – Competência e procedimentos de exceção, onde se pretende identificar o procedimento correto para cada tipo de exceção possível, e definir responsabilidades e procedimentos nas situações não previstas.

Logo no enquadramento feito no Primeiro Volume do PAPL se assume que:

“Cidades acessíveis são cidades mais confortáveis, mais sustentáveis e mais competitivas, e, nessa medida, promover a acessibilidade é defender a Cidadania e qualificar a Cidade” (PAPL, 2014, 1º v, p. 14).

A maior parte das ações atrás descritas ainda se encontra no nível das boas intenções, estando apenas a DT1 (formação) atribuída e a DT3 (roteiros) iniciada. Ao nível do turismo julgamos que o Plano – a efetivar-se a sua muito aguardada e necessária implementação – poderá ter intervenções extraordinariamente positivas não só para os moradores da capital, como para os turistas que a visitam134.

134 Não podemos esquecer que os visitantes gostam de andar a pé e que, de acordo com o Observatório

de Lisboa (2011), andar a pé é o meio de deslocação mais utilizado na cidade, sendo a quarta atividade mais praticada pelos visitantes. No caso do nosso objeto de estudo, poder fazê-lo sem problemas, em cadeira de rodas, será um enorme passo em direção a um destino turístico acessível.