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TEORIAS E MODELOS NA COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO E DAS INTERACÇÕES HUMANAS

3. A evolução do conceito de envolvimento

3.2. Percurso histórico da investigação sobre envolvimento

3.2.3. Terceira Fase: Investigação com crianças com incapacidades em idade de creche e pré-escolar O interesse em analisar como é que crianças com incapacidades passam o tempo surgiu mais

3.2.3.1. A evolução do envolvimento – conceitos relacionados

(A) Atenção consiste em olhar para ou ouvir estímulos do meio. McWilliam e Bailey (1992) referem numerosos estudos com crianças com diferentes estatutos desenvolvimentais, em idade de creche e pré- escolar, nos quais o grau de atenção das crianças foi relacionado tanto com a aprendizagem como com a inteligência, nomeadamente: no jogo, a atenção mais prolongada precedia outros comportamentos de interacção com os objectos e diminuía à medida que a criança se tornava mais familiarizada com os objectos; no jardim de infância, quando as crianças prestavam atenção ao que outras crianças estavam a fazer, em seguida prestavam mais atenção às suas próprias actividades; em situações de aprendizagem operante o grau de atenção da criança estava associado com a aprendizagem de comportamentos contingentes. Palisin (1986) encontrou correlações positivas entre a atenção de crianças em idade pré- escolar e os seus resultados em testes de inteligência. Dixon e Smith (2000) referem que o controlo da atenção da criança, avaliado aos 13 meses de idade, prognostica a sua produção da linguagem aos 20 meses. Este resultado parece ser consistente com a noção avançada por Rothbart e Bates (1998) que descrevem duas formas para os sistemas de controlo da atenção. Uma primeira forma que parece ser originada pela maturação das regiões posteriores do cérebro, resultando numa espécie de atenção

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compulsiva por volta dos 4 meses de idade. A segunda forma, correspondente à maturação das regiões anteriores do cérebro durante a segunda metade do primeiro ano, permite à criança dirigir e manter o foco de atenção, de acordo com a sua vontade, resultando numa maior flexibilidade na tomada de consciência acerca do que a rodeia e numa distribuição voluntária da atenção. Dixon e Smith (2000) concluem que o facto de um aumento na duração da orientação da atenção entre os 7 e os 10 meses estar associado à produção de formas elaboradas de linguagem aos 20 meses, pode indicar o aparecimento desta segunda forma dos sistemas de controlo da atenção que afecta o subsequente desenvolvimento da linguagem.

A atenção revelou, assim, ser um aspecto importante a considerar na compreensão do envolvimento com sucesso.

(B) O Envolvimento activo, sob a forma de manipulação activa de materiais, foi realçado por diversos psicólogos do desenvolvimento da criança tão diversos como Piaget (1963), Baer (1976) e Bijou (1976), com um factor fundamental de desenvolvimento e aprendizagem. Embora o envolvimento activo com materiais e o jogo social sejam habitualmente estudados separadamente, os estudos sobre envolvimento, no início da década de 1990, começaram a considerar o comportamento das crianças tanto com materiais como com pessoas. Estes primeiros estudos identificaram diversas variáveis, tanto ao nível da criança como do ambiente que se relacionavam com o envolvimento activo. Num estudo que incluiu crianças em idade de creche e pré-escolar, com e sem incapacidades, McWilliam e Bailey (1991) referem a idade desenvolvimental como uma das variáveis que afecta o envolvimento activo das crianças – crianças mais velhas passavam menos tempo a interagir com adultos, menos tempo não envolvidas e menos tempo envolvidas em comportamentos de atenção quando comparadas com crianças mais novas. Neste estudo, o estatuto de incapacidade da criança, a estrutura da actividade e a constituição do grupo (grupo de idades mistas – versus grupo com criança da mesma idade) também influenciavam o nível de envolvimento da criança. Num outro estudo que considerou 20 salas de jardim de infância para crianças com e sem incapacidades, Dunst e colaboradores (1986) identificaram diversas variáveis que se relacionam com três tipos de envolvimento activo (com pares, com adultos e com materiais), nomeadamente: (a) características de organização do programa: a integração de crianças com incapacidade e a implicação parental no programa estavam associadas a mais envolvimento activo com pares e com o ambiente físico, respectivamente; (b) características do ambiente da sala: em salas com organização em espaços abertos e em zonas de aprendizagem, as crianças apresentavam mais envolvimento activo com pares mas menos envolvimento com adultos; salas com horários centrados na criança e em que os membros do pessoal se mantinham na tarefa e estavam bem preparados, as crianças apresentavam mais envolvimento activo com materiais; (c) o tipo de instrução utilizado: a utilização de um currículo individualizado estava associada a mais envolvimento com o adulto; salas em que era utilizada a instrução para todo o grupo e o ensino por incidentes críticos, as crianças apresentavam mais

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envolvimento activo dos três tipos (com pares, adultos e materiais); (d) características da criança e do

educador: o número de adultos estava inversamente relacionado com o envolvimento com materiais (i.e.,

em salas com mais adultos as crianças apresentavam menos envolvimento activo); um maior número de crianças na sala estava relacionado com menos envolvimento com adultos mas mais envolvimento com pares; o rácio criança:adulto e a idade da criança estavam inversamente relacionados com envolvimento activo com o adulto; em salas com crianças desenvolvimentalmente mais competentes, encontravam-se valores mais elevados de envolvimento com pares e com materiais.

(C) A Motivação para a Mestria constitui, como vimos, um dos conceitos mais importantes para a reconceptualização da noção de envolvimento, na medida em que o comportamento de mestria durante o envolvimento da criança nas tarefas, seria de entre os factores relacionados com a capacidade da criança para se tornar competente, aquele que estaria mais implicado nos diferentes níveis de envolvimento, constituindo assim a chave para um desenvolvimento positivo (McWilliam & Bailey, 1992). Foi com base no nível de mestria dos comportamentos que a dimensão qualitativa do envolvimento foi definida e operacionalizada num contínuo de níveis de sofisticação crescente.

Os sistemas motivacionais têm sido considerados um aspecto central da competência humana (Masten & Coatsworth, 1998; Yarrow, McQuiston, MacTurk, McCarthy, Klein, & Vietze, 1983). Robert White (1959; citado por Masten & Coatsworth, 1998) argumentou que existe um sistema motivacional inerente à nossa espécie, que é facilmente observável na propensão natural das crianças desde os primeiros anos de vida para se envolverem activamente com o ambiente e para experimentarem prazer (sentimentos de eficácia) em consequência de interacções eficazes. Por outras palavras, a competência seria motivada pelo prazer da mestria sobre as situações que a criança enfrenta. Esta interdependência entre competência e motivação para a mestria está presente na definição de Brockman, Morgan e Harmon (1988) – para estes autores a noção de motivação para a mestria reflecte “. . . um objectivo a ser atingido, nomeadamente competência nas transacções com e controlo sobre o meio físico e social” (p. 268). A orientação para um objectivo e a persistência são as componentes essenciais deste constructo. Sendo a persistência um conceito importante para este constructo, a medida de duração que lhe está subjacente é o aspecto que estabelece a ligação entre esta linha de pesquisa e a literatura sobre envolvimento, bem como com a pesquisa sobre o “tempo para aprender” de Carroll (McWilliam & Bailey, 1992). O factor motivação requer uma maior atenção ao nível de dificuldade dos materiais, não se relacionando com a variável tempo.

A pesquisa nesta área forneceu informação detalhada acerca da capacidade de persistência de crianças, nos primiros anos de vida, em comportamentos orientados para objectivos. No entanto a maioria destes estudos foram desenvolvidos em contexto de laboratório com materiais estandardizados. Centrando-se mais na avaliação do que na intervenção e dando mais relevo ao nível de dificuldade do

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motivação. McWilliam e Bailey (1992) invocam estas razões para argumentarem que esta área de pesquisa ainda não teve implicações na melhoria das práticas educativas.

Embora estes autores refiram que os investigadores da área da motivação para a mestria não tenham referido nenhuma conexão com a linha de estudos sobre envolvimento, esta ligação é bem visível em estudos mais recentes que focaram o comportamento de mestria em contextos naturais. Nomeadamente, num estudo que tinha como objectivo examinar os efeitos de características da criança e do ambiente nos comportamentos de mestria, bem como nos comportamentos sociais em crianças com incapacidades em idade pré-escolar, Hauser-Cram et al. (1993) avaliaram a eficácia da criança para seleccionar e atingir objectivos em três áreas: (a) utilização do tempo na sala de actividades, (b) mestria de tarefas e (c) actividades sociais com pares. A utilização do tempo foi medida através de variáveis que reflectem a capacidade da criança se envolver tanto em actividades sociais como de mestria, num nível adequado de participação (em oposição à observação passiva) e para procurar actividades que comportam um objectivo (em oposição a comportamento exploratório simples). Na área da mestria as variáveis incluíam capacidades como: seleccionar tarefas adequadas; utilizar estratégias adequadas na abordagem da tarefa, tanto a nível da organização como da monitorização da execução; tentar persistentemente durante a execução de tarefas; resistir à distracção; completar tarefas com sucesso (e.g., colocar todas as peças de um puzzle correctamente). Na área social as variáveis mediam: o nível de envolvimento com pares; a utilização de estratégias eficazes para organizar e manter a interacção; a capacidade de se acomodar às necessidades dos outros, partilhando e dando a vez; a capacidade de influenciar os outros com sucesso, sem recorrer à força física ou à agressão. O estudo revelou que crianças cognitivamente mais desenvolvidas passavam mais tempo envolvidas em tarefas de mestria e em interacção social com pares. Relativamente às influências do ambiente, as análises indicaram relações entre os três tipos de comportamentos das crianças na sala e as seguintes características do ambiente: o grau de integração das crianças com incapacidades do ambiente educativo, o rácio educador-criança e a extensão em que era permitido às crianças escolherem as actividades (ibd.). Estes autores referem ainda capacidades relacionadas com a mestria independente de tarefas, nomeadamente: realizar tarefas sem depender do educador, trabalhar sozinho de forma construtiva e transitar de uma actividade para outra com orientação mínima por parte do educador. Estas capacidades foram identificadas pelos educadores de crianças com incapacidades, em estudos que tinham como objectivo examinar áreas do desenvolvimento com valor prognóstico relativamente à adaptação destas crianças a contextos regulares.

As capacidades de mestria independente foram igualmente referidas como tendo valor prognóstico relativamente à futura adaptação de crianças com desenvolvimento típico, que frequentavam o jardim de infância. Com base nos resultados de um estudo longitudinal realizado no âmbito de um projecto de educação de infância, os investigadores referem que observações de capacidades de mestria independente, conjuntamente com capacidades de interacção com pares, tinham um óptimo valor

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prognóstico relativamente à adaptação e ao sucesso académico. Crianças que revelavam um nível adequado de mestria independente e capacidades de interacção com pares no jardim de infância, tinham menos problemas na escola, ao passo que crianças que revelavam um nível baixo de mestria e de interacção com pares, eram mais frequentemente retidos no mesmo grau de ensino, eram mais vezes referidas para serviços de apoio e apresentavam resultados baixos nos testes de realização académica (Hauser-Cram, Pierson, Walker, & Tivnan, 1991; citados por Hauser-Cram et al., 1993).

(D) Competência tem diversos significados em psicologia. Segundo Masten e Coastworth (1998) este conceito refere-se, geralmente, a um padrão de adaptação eficaz ao meio, quer esse padrão seja definido globalmente, em termos de um sucesso razoável em tarefas desenvolvimentais esperadas para uma pessoa de determinada idade e género no contexto da sua cultura, sociedade e tempo (e.g., competências de linguagem), quer seja definido de forma mais restrita, em termos de domínios específicos de aquisição, tais como aquisições académicas ou aceitação pelos pares. O conceito tem, assim, um duplo significado – por um lado, existe um registo das aquisições actuais da pessoa (a realização da competência), e por outro existe a consideração acerca da capacidade de realização no futuro (ibd.). Neste sentido, Meadows (1996) realça o risco de confundir competência com realização, na medida que a competência, ou a capacidade de pensar e agir com o máximo de sucesso é um conceito heurístico. Em cada momento essa capacidade depende, em larga medida, do problema colocado e do contexto – assim, a realização da pessoa em dado momento é, numa medida considerável, específica da situação em que ocorre. Esta ideia relaciona-se com a noção da plasticidade dos processos desenvolvimentais e com a consequente possibilidade da existência de múltiplas trajectórias desenvolvimentais que podem ser igualmente eficientes no processo desenvolvimental.

Considerando a criança como um sistema no contexto de outros sistemas (família, escola), a competência resulta das interacções complexas entre a criança e o meio em que vive. Ao longo do seu percurso desenvolvimental a competência muda, na medida em que, tanto a criança como os contextos também mudam, e a criança vai, assim, enfrentando diferentes desafios, que tem que negociar para demonstrar competência. A competência é, assim, influenciada tanto pelas capacidades da criança como pela natureza dos contextos em que ela vive (Masten & Coatsworth, 1998). Dito de outra forma e em termos bronfenbrennianos, embora a criança demonstre competência através das suas acções, o que depende em parte das suas características desenvolvimentalmente instigadoras, os ambientes em que ela vive também podem ser instigadores dessa competência. Nomeadamente a criança pode funcionar a um nível superior quando tem apoio de um adulto ou de um par mais competente, através de um processo, denominado pelos seguidores de Vygotsky como scaffolding (Bruner, 1985; Wood et al., 1976), que possibilita à criança funcionar no limiar das suas capacidades actuais.

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num contexto e incompetente noutro, dependendo do ajustamento entre os desafios ambientais que são colocados à criança e os recursos que ela possui para lidar com esses desafios. Este é o conceito de

“goodness-of-fit” (Thomas & Chess, 1977, 1981, 1989; Lerner, 1989) que é fundamental para explicar

o conceito de competência tanto em pessoas com desenvolvimento típico como com desenvolvimento atípico – por exemplo, uma criança com uma incapacidade motora que se desloca autonomamente em cadeira de rodas, pode não ter sucesso em movimentar-se autonomamente devido a barreiras arquitectónicas.

Diversas noções de criança competente emergiram nesta linha de investigação. No entanto, a definição que melhor se adapta aos objectivos deste trabalho é a noção etnográfica de Ogbu (1987; citado por McWilliam & Bailey 1992) que aborda competência como “o conjunto de capacidades

socio-emocionais, cognitivas e práticas que são necessárias para realizar tarefas culturais”.

Ao reflectir acerca do conceito de “competência nas transacções” presente na definição de

motivação para a mestria de Brockman et al. (1988), McWilliam e Bailey (1992) salientam aspectos

referidos na literatura que se relacionam com o desenvolvimento da competência em crianças e que serão posteriormente considerados na definição dos diferentes níveis de envolvimento: (a) Controlo

contingente da criança sobre o meio; (b) Motivação de execução: o impulso para vencer desafios;

(c) Iniciação: capacidade para iniciar interacções (Sameroff, 1975); (d) Motivação para a mestria: persistência em actividades orientadas para um objectivo (Yarrow et al., 1983); (e) Competência

social: capacidade de envolvimento em interacções interpessoais (Guralnick, 1990); (f) Competência interactiva: comportamento progressivamente mais diferenciado (Dunst & McWilliam, 1988). Este

último aspecto assume especial relevo, na medida em que o seu estudo originou a conceptualização do modelo desenvolvimental de competências interactivas (que descrevemos na secção seguinte) e que esteve na génese da hierarquia desenvolvimental subjacente à dimensão qualitativa do conceito de

envolvimento. Neste sentido enquadramo-lo na quarta fase dos estudos sobre envolvimento.

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