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TEORIAS E MODELOS NA COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO E DAS INTERACÇÕES HUMANAS

5. Resultados de investigação:

5.1. Envolvimento e características da criança

5.1.4. Envolvimento e temperamento

5.1.4.3. Medidas de temperamento

O facto de o temperamento se desenvolver em interacção com o meio causa alguma falta de clareza a nível conceptual, com consequências na forma de medir e de perspectivar os resultados. Por exemplo Hagekull (1989) reconhece que as medidas de temperamento para crianças em idade pré-escolar

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reflectem efeitos da interacção indivíduo-meio que têm início no momento da concepção. Como vimos, ao assumir uma abordagem desenvolvimental-contextualista, a importância do temperamento na determinação do desenvolvimento é evidente e consiste essencialmente no facto de o desenvolvimento psicológico ser o resultado da interacção entre características temperamentais, outras características do indivíduo e factores do meio (Chess & Thomas, 1991). Esta abordagem é consonante com a perspectiva do interaccionismo dinâmico (Hofstee, 1991) ou da abordagem transaccional (Sameroff, 1975, 1983), segundo a qual a pessoa age sobre a situação, que por sua vez age sobre a pessoa, de forma que não podem existir traços estáveis. Assim, não sendo viável observar o temperamento directamente, no seu estado puro, as medidas de temperamento, bem como os resultados devem ser considerados como reflectindo processos desenvolvimentais que envolvem factores do organismo, bem como factores do meio.

Existem três categorias de instrumentos de avaliação do temperamento: os questionários preenchidos pelos adultos que habitualmente cuidam da criança – pais e educadores –, as observações realizadas tanto em casa como em contexto laboratorial e as medidas psico-fisiológicas, que consistem em índices de resposta a estímulos particulares. Os questionários são as medidas mais frequentemente utilizadas, fazendo uso de escalas de resposta tipo Likert. A sua grande aceitação prende-se com o facto de constituírem uma forma relativamente económica de recolher e tratar os dados, bem como com o facto de os respondentes, conhecendo a criança numa grande variedade de situações ao longo de um período de tempo longo e continuado, serem capazes de fornecer uma perspectiva apurada da personalidade da criança. Embora tenham a desvantagem de o viés perceptivo do informante poder constituir uma fonte de erro, de uma forma geral, os dados obtidos com questionários têm revelado boas qualidades de fidelidade e validade, apresentando associações significativas com variáveis desenvolvimentais (Rothbart & Bates, 1998). As observações naturalistas têm demonstrado níveis mais elevados de objectividade e de validade ecológica; no entanto, o custo elevado deste procedimento, habitualmente, impede os investigadores de obterem uma amostra adequada do comportamento relevante do sujeito. Por outro lado, as observações laboratoriais, embora permitam ao investigador o controlo preciso de factores do contexto que despoletam o comportamento da criança, têm a desvantagem de não possuírem validade ecológica e de permitirem avaliar apenas um número restrito de comportamentos (ibd.)

A suposição de que a origem e a natureza básica do temperamento não são independentes do contexto, levou Bronfenbrenner (2005) a considerar como desadequada a utilização de critérios inter-situações e inter-métodos como condição necessária para estabelecer diferenças individuais no temperamento e a recomendar uma abordagem que perspective o “. . . temperamento em contexto: isto é, que examine a variação sistemática entre contextos e métodos como um elemento definidor do padrão diferencial de respostas, característico do indivíduo, para diferentes ambientes.” (p. 134). Evidência empírica para este argumento foi encontrada em estudos que relatam uma baixa convergência inter-métodos (Campos et al., 1983), bem como em resultados que relatam padrões contrastados de coeficientes de hereditabilidade

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obtidos em estudos sobre temperamento em gémeos, realizados em diferentes condições ecológicas (Matheny, Wilson, Dolan, & Krantz, 1981; Plomin & Rowe, 1979).

O nível modesto da correlação encontrado em diversos estudos entre cotações do temperamento por pais e por educadores, parece confirmar a necessidade de perspectivar o temperamento em contexto (Rothbart & Bates, 1998). De facto, no estudo do National Institute of Child Health and Human Development Early Child Care Research Network (NICHD ECCRN), uma cotação materna de temperamento difícil da criança não era um preditor significativo nem do nível de obediência às regras aos 3 anos de idade, nem de problemas de comportamento e conflitos com adultos aos 4.5 anos, tal como eram cotados pelo prestador de cuidados (NICHD ECCRN, 1998a, 2003a). Estes resultados parecem indicar que o temperamento, tal como é cotado pela mãe, pode não se generalizar ao comportamento da criança em contexto de educação de infância (NICHD ECCRN, 1998a).

A Childhood Personality Scale (CPS), utilizada no presente estudo, insere-se na categoria dos questionários e foi inicialmente desenvolvida por Dibble e Cohen (1974) para pais ou profissionais avaliarem a personalidade global de crianças em idade pré-escolar. De forma a minimizarmos os possíveis problemas de generalização acima referidos em relação a este tipo de medidas, relacionamos cotações do temperamento da criança efectuadas pelos educadores, com o envolvimento da criança em contexto de creche. Passamos a apresentar algumas considerações acerca deste tipo de medida das características de temperamento em crianças.

Questionários para pais e educadores

As diversas conceptualizações e teorias do temperamento deram origem a um elevado número de diferentes questionários e escalas para medir o temperamento de crianças durante os primeiros anos de vida. As nove dimensões identificadas por Thomas & Chess (1977, 1981) no NYLS têm sido muito utilizadas em pesquisa nesta área, tendo igualmente servido de inspiração para numerosos questionários (cf. Bates, 1989b; Rothbart & Bates, 1998; Slabach et al., 1991). Diferentes formatos de questionários foram construídos tendo em conta: (a) o grupo etário das crianças e (b) a fonte da informação (pais ou educadores). Problemas relativos à sobreposição conceptual das sub-escalas que medem estas dimensões e à sua consistência interna, originaram diversas análises factoriais dos itens desses questionários (cf. Putman et al., 2002). Uma revisão dos resultados destas análises factoriais e da sua relação com os resultados de análises de escalas derivadas de outros enquadramentos conceptuais, sugere que menos de nove categorias seriam suficientes para explicar, de forma adequada, a variabilidade do temperamento da criança. Esta lista de dimensões do temperamento em crianças nos três primeiros anos de vida inclui: Medo, Irritabilidade/Zanga, Afecto Positivo (incluindo empenhamento), Nível de Actividade, Atenção/Persistência e Ritmo (ibd.). Portugal (1998) salienta três aspectos comportamentais que mais têm sido associados a temperamento: (a) positividade versus negatividade das respostas emocionais

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em geral, perante novos estímulos, em relação a pessoas familiares ou não familiares e expressões emocionais em resposta a estados internos, como fome ou aborrecimento; (b) orientação da atenção, como capacidade de a criança se acalmar quando perturbada e distractibilidade; (c) vigor e frequência da actividade e auto-regulação da mesma. No entanto, tal como acontece com outras dimensões de temperamento, existe sobreposição conceptual e empírica entre estas três variáveis (emoção, atenção e nível de actividade) relativas ao temperamento. Goldsmith e colaboradores (1987) consideraram listas de traços temperamentais e concluíram que somente dois tinham obtido consenso geral: nível de actividade e emocionalidade.

O constructo “criança difícil” descrito pelos autores do NYLS tem igualmente tido uma grande influência na pesquisa em temperamento da criança, tendo sido desenvolvidas diversas medidas da

“dificuldade “ da criança. No entanto, o facto de em estudos subsequentes as dimensões que compõem

o constructo “dificuldade” não constituírem um cluster, levou os autores a desenvolver as suas próprias medidas de “dificuldade” (Bates, 1989a), o que cria problemas na consolidação dos resultados utilizando este constructo. O constructo “dificuldade” tem sido criticado por alguns autores, na medida em que fornece um valor conotativo a certas características de temperamento da criança, que pode não corresponder ao que os adultos educadores sentem acerca dessas características, além de que essas características podem ser consideradas “difíceis” ou “fáceis” dependendo dos requisitos da situação e da cultura em que a criança está inserida (cf. Putman et al., 2002; Wachs, 2000).

Alguns problemas têm sido identificados na utilização de questionários baseados no julgamento dos pais, nomeadamente o facto de esta medida não ser independente das medidas sobre estilos de educação parental – as características dos pais afectam as suas práticas parentais bem como o seu relato acerca do temperamento da criança. Além disso o temperamento é simultaneamente afectado por práticas parentais prévias, o que faz com que as medidas de temperamento estejam igualmente relacionadas com a história das práticas parentais (Putman et al., 2002). Estes problemas estão relacionados com questões de fidelidade e de validade deste tipo de medidas baseadas em julgamento ou relato de pais ou de educadores.

Assim, foram encontrados valores baixos de fidelidade dos dados de relatos de pais quando se considerava o acordo interobservador (baixa correlação entre as cotações de temperamento pela mãe e pelo educador) (Martin & Halverson, 1991; Slabach et al., 1991), mesmo quando era utilizada a mesma escala (Seifer, Sameroff, Barrett, & Krafchuk, 1994). No mesmo sentido, Jewsuman e colaboradores (1993) encontraram alguma correspondência entre as cotações de pais e de educadores relativamente a alguns factores do temperamento de crianças (sociabilidade, expressividade emocional e actividade) não tendo encontrado nenhuma relação relativamente ao factor atenção. Também uma análise comparativa das cotações das mães e dos educadores numa escala de avaliação do auto-controlo para crianças de

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abordagem que mães e os educadores fazem dos mesmos itens é globalmente diferente (Cruz, 1997). Com base nestes resultados a autora conclui que as duas avaliações deverão ser utilizadas de forma separada, como indicadores da percepção que mães e educadores têm do nível de auto-controlo das crianças (ibd.).

Uma possível explicação para estas diferenças é que o temperamento da criança deriva do seu comportamento, sendo que esse comportamento é influenciado pela natureza do contexto interactivo, que é diferente para mães e educadores.

Relativamente à validade das cotações dos pais em questionário do temperamento da criança, Seifer e colaboradores (1994) encontraram correlações baixas entre os relatos dos pais e observações directas do temperamento das crianças por observadores independentes, o que os levou a concluírem que os relatos dos pais constituem uma fonte de informação desadequada acerca do temperamento da criança, visto que estes estão sistematicamente enviesados acerca do comportamento dos seus filhos e, além disso, os pais podem não possuir experiência com um leque suficientemente vasto de crianças, que lhes permita colocar o seu filho num contínuo de comportamentos normativos. As fontes potenciais de erro de medida nos relatos dos pais acerca do temperamento dos seus filhos foram categorizadas por Rothbart e Goldsmith (1985; citados por Bates, 1989b) em três categorias específicas: (a) características

do cotador, relativamente independentes do comportamento da criança incluindo: compreensão das

instruções e dos conteúdos de questionários ou escalas, conhecimento acerca do comportamento da criança e impressão geral que o cotador tem da criança, imprecisões de memória, o estado emocional no momento em que preenche o questionário (e.g., ansiedade), desejabilidade social e aquiescência, conhecimento dos grupos de referência implícitos nas cotações das escalas, precisão na detecção e codificação de acontecimentos raros mas importantes, tipo de impressão que o cotador (mãe/pai) pretende que o bebé faça no investigador; (b) viés da avaliação em função do comportamento da criança ou da interacção cotador-criança: comportamentos da criança que ocorrem como resposta ao comportamento dos pais, os comportamentos observados que são interpretados em função das características dos pais; (c) factores relativos ao método e relativamente independentes tanto da criança como do cotados: necessidade de inquirir acerca de situações raramente observadas, adequação da selecção de itens, da sua formulação e das opções de respostas.

Apesar de realçarem a necessidade de utilizar diferentes tipos de medidas em pesquisa na área do temperamento, Rothbart e Bates (1998) defendem a utilidade dos relatos dos pais, na medida em que eles estão numa boa posição para observar a criança, especialmente comportamentos pouco frequentes mas que, no entanto, são críticos para definir uma dimensão particular do seu temperamento. Além disso os autores consideram que os aspectos do temperamento relativos ao relacionamento social, que surgem na interacção com os pais, podem ser muito importantes na compreensão do desenvolvimento

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de validade objectiva e propõem abordar as questões de validade dos relatos dos pais acerca do temperamento dos seus filhos em termos de variância, o que implica que a validade das medidas de temperamento seja avaliada num contínuo em vez de o ser de forma absoluta. Dois componentes de variância são apontados por Bates (1989b) ao propor que os questionários de temperamento cotados pelos pais contêm uma componente objectiva (relato do comportamento actual da criança) e uma componente subjectiva (modificada pelas características dos pais). De facto, diversos autores realçam esta componente subjectiva das avaliações parentais, e salientam que os pais tendem a avaliar os seus filhos de acordo com critérios de representação idiossincrática, influenciados por factores como expectativas e critérios de desejabilidade social entre outros (Seifer et al., 1994; Sandino, 2003). Diener, Goldstein e Mangelsdorf (1995) referem diversos estudos que apoiam a existência destes dois tipos de componentes nos relatos dos pais acerca do temperamento dos seus filhos baseando-se em três tipos de evidência empírica: correlação entre os relatos e características da personalidade dos pais, relação dos relatos dos pais com relatórios mais objectivos acerca do temperamento das crianças e análise das expectativas dos pais. Os resultados dos estudos de Diener e colaboradores (1995) além de apoiarem a existência das duas componentes, objectiva e subjectiva, nas cotações dos pais acerca do temperamento dos seus filhos, fornecem evidência empírica para a existência de dimensões específicas na componente subjectiva, nomeadamente: humor, personalidade e expectativas.

Relativamente às cotações dos educadores, estas duas componentes (objectiva e subjectiva) estão igualmente presentes. No entanto, os educadores têm oportunidade de observar as crianças numa grande variedade de contextos e estão diariamente expostos a uma variedade de crianças com diferentes características. Assim, embora as suas observações relativamente ao comportamento da criança possam ser influenciadas por enviesamento pessoal, estas têm maior probabilidade de serem mais objectivas do que as observações ou percepções dos pais (cf. Mobley & Pullis, 1991).

Thomas e Chess (1981) afirmam ser desejável que as medidas de temperamento baseadas nas cotações de pais e educadores acerca do temperamento das crianças sejam complementadas com métodos qualitativos de julgamento por profissionais com competências nas áreas da psicologia ou da psiquiatria. Esta é uma das formas mais comuns de examinar a validade de constructo de dimensões avaliadas pelos inventários ou questionários.

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