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TEORIAS E MODELOS NA COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO E DAS INTERACÇÕES HUMANAS

5. Resultados de investigação:

5.1. Envolvimento e características da criança

5.1.1. Envolvimento e desenvolvimento

A observação de actividades de jogo da criança em contextos naturais tem sido utilizada em numerosos estudos como medida do seu funcionamento cognitivo. Segundo Howes e Smith (1995), estes estudos baseiam-se na noção piagetiana de que o desenvolvimento cognitivo pode ser avaliado através da observação e análise da complexidade das actividades desenvolvidas pelas crianças durante as suas interacções com os objectos. De acordo com esta perspectiva, o comportamento das crianças assume níveis de complexidade cognitiva crescente, através da sua participação em actividades de jogo e de aprendizagem. É esperado que crianças que passam maior percentagem de tempo em actividades que são consideradas estimuladoras da criatividade e de pensamento divergente (e.g., construções com legos ou jogo simbólico) tenham maior probabilidade de demonstrar níveis elevados de actividade cognitiva. A complexidade da actividade cognitiva da criança durante o jogo estaria, pois, em parte, dependente dos materiais disponíveis bem como da organização da sala. No entanto, numerosa literatura sugere que a riqueza de materiais não é suficiente para estimular a actividade cognitiva – a teoria Vygotskiana, por exemplo, sugere que o desenvolvimento de actividades cognitivamente mais complexas ocorre no contexto de experiências socialmente estruturadas com adultos e com pares (Vygotsky, 1978). Assim, em ambientes nos quais os adultos tinham frequentemente um envolvimento positivo com as crianças enquanto elas brincavam, estas demonstravam ser mais competentes em termos cognitivos (Howes & Stewart, 1987; Howes & Smith, 1995). Perante a multiplicidade de factores passíveis de influenciar o desenvolvimento cognitivo, os investigadores revelam, frequentemente, dificuldade em identificar variáveis independentes capazes de influenciar resultados pretendidos nas crianças. Na última década, a utilização da avaliação baseada no jogo tem sido defendida como um procedimento alternativo a medidas normalizadas do desempenho cognitivo da criança e como uma forma de ultrapassar alguns dos problemas associados a estas medidas. Sendo uma actividade abrangente, o contexto de jogo constitui um procedimento apropriado para avaliar a qualidade da realização da criança em diferentes domínios

resultados de investigação: factores que influenciam o envolvimento da criança em contextos educativos

naturais de socialização (Fewell & Glick, 1993; Linder, 1990).

Como vimos, para Vygotsky, no jogo a criança eleva-se acima de si própria – segundo esta concepção, inspirada em Baldwin (1861-1934; citado por Valsiner 2000), o jogo é o processo geral de criação de novas formas de comportamento através de mecanismos de imitação persistente que actuam nas funções da ZDP (Valsiner & Van der Veer, 1993) (cf. Cap. I). Assim, através do jogo a criança cria novos comportamentos e actua sobre o ambiente de formas que transcendem os pedidos ou exigências imediatas desse ambiente (Valsiner, 2000). Esta crença de que a criança produz constantemente novas formas de conduta foi denominada por este autor como modelo construtivo de interpretação do jogo da criança. Embora possa existir uma utilização parcial, pela criança, de experiências prévias, na orientação das suas brincadeiras, o modelo construtivo foca o aqui e agora da natureza construtiva do jogo da criança (ibd.). Embora não permita afirmações diagnósticas, o modelo construtivo possibilita um outro campo de aplicação: a utilização do jogo enquanto procedimento terapêutico ou de intervenção – neste sentido, a natureza construtiva do jogo é utilizada para orientar a criança para acontecimentos futuros.

Nesta secção apresentamos estudos que analisaram o envolvimento ou comportamento de mestria da criança em situações de jogo, e que documentam a relação destes com a competência cognitiva da criança

Diversas investigações constataram que o nível de sofisticação do envolvimento das crianças e a frequência das suas interacções com pares aumentam à medida que a idade cronológica e a idade desenvolvimental também aumentam (de Kruif & McWilliam, 1999; McWilliam & Bailey, 1995). Num estudo em que utilizaram a idade desenvolvimental como covariada, McWilliam e Bailey (1995) verificaram que a idade desenvolvimental e a idade cronológica estavam positivamente relacionadas a maiores frequências de interacção com pares em crianças em idade pré-escolar. À medida que a idade desenvolvimental aumentava, crianças com incapacidades passavam mais tempo atentamente envolvidas com os seus pares quando comparadas com crianças com desenvolvimento típico. Os ganhos desenvolvimentais reduziam ainda os efeitos da incapacidade relativamente ao não envolvimento. Estes resultados ilustram o papel mediador da idade desenvolvimental nos efeitos do estatuto de incapacidade no envolvimento.

Num estudo que pretendeu explorar padrões de relação entre idade desenvolvimental, cotações dos educadores do envolvimento global (tal como é medido pelo Children’s Engagement Questionnaire- CEQ; McWilliam, 1991) e envolvimento observado em contexto de creche e jardim de infância, de Kruif e McWilliam (1999) identificaram uma primeira função que reflectia uma relação positiva entre a idade desenvolvimental e níveis mais sofisticados de envolvimento (tanto observado como global), e uma relação negativa com níveis inferiores de envolvimento. No mesmo sentido Poppe (2003) e Poppe e colaboradores (2003) verificaram que a idade desenvolvimental se relacionava positivamente com

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a competência global e que estas duas variáveis se relacionavam positivamente com o envolvimento sofisticado e negativamente com os comportamentos de não envolvimento. A natureza destas relações da idade desenvolvimental com estas variáveis é consistente com os resultados de estudos prévios sobre envolvimento que incluíram a idade desenvolvimental como variável independente (e.g., Blasco et al., 1993; Malone et al., 1994; McWilliam & Bailey, 1995). Nestes estudos a idade desenvolvimental estava positivamente relacionada com comportamentos de envolvimento mais sofisticados e negativamente com níveis inferiores de envolvimento. De facto, Malone e colaboradores (1994) encontraram padrões de associação entre níveis de jogo categorial e sequencial, a idade cronológica e a idade desenvolvimental: a ausência de jogo, o jogo funcional e o jogo exploratório, considerados os comportamentos menos sofisticados, encontravam-se negativamente relacionados com a idade desenvolvimental, enquanto os comportamentos mais sofisticados, tais como o jogo construtivo e o jogo de faz-de-conta, estavam positivamente relacionados com a idade desenvolvimental. A idade desenvolvimental estava ainda relacionada com sequências de jogo mais sofisticadas. Blasco e colaboradores (1993) relataram, igualmente, uma relação entre a idade desenvolvimental e a sofisticação do comportamento de jogo. Crianças com desenvolvimento típico e crianças com desenvolvimento atípico que frequentavam salas com mistura de idades, mas que eram desenvolvimentalmente mais capazes, passavam mais tempo em jogo intencional e em jogo social e menos tempo simplesmente a manipular os materiais, do que crianças que eram desenvolvimentalmente mais imaturas.

Num outro estudo Messer, Rachford, McCarthy e Yarrow (1987) encontraram correlações significativas, embora baixas, entre envolvimento na tarefa26 e resultados num teste de desenvolvimento, o que indica

que estas dimensões estão relacionadas mas que o grau de sobreposição é pequeno. Os autores concluíram que, com excepção do nível intermédio de envolvimento (envolvimento simples) os restantes níveis de envolvimento na tarefa constituíam medidas representativas da motivação para a mestria, visto que se relacionavam com comportamentos de investigação, atenção visual e persistência com sucesso, três aspectos do jogo associados com mestria. Estas três medidas apresentaram uma correlação positiva, mas fraca, com os resultados das crianças no teste de desenvolvimento. Estes resultados levaram os autores a concluir que, embora o comportamento de mestria esteja positivamente relacionado com competência, inclui aspectos que representam uma dimensão distinta do comportamento.

O relatório final do Quality and Engagement Study (2001) refere que a idade cronológica e desenvolvimental das crianças influencia o nível de envolvimento dos seus comportamentos em contextos

26 Neste estudo foram considerados cinco níveis de envolvimento na tarefa, adaptados de um esquema de classificação fornecido por Vietze et al. (1981;

citados por Messer et al., 1987) e definidos da seguinte forma: (1) Ausência de envolvimento: permanecer longe da mesa, habitualmente porque a criança já não quer continuar envolvida na tarefa; (2) Envolvimento baixo: permanecer sentado ou de pé junto da mesa sem manipular brinquedos; (3) Envolvimento simples: segurar passivamente num objecto ou num brinquedo, voltar o brinquedo ao contrário ou oferecê-lo ao adulto; (4) Envolvimento activo: manipular activamente um brinquedo, comportamento que poderá levar a tentativas de resolução de um problema ou de exploração, mas sem relação com um objectivo (e.g., fechar uma tampa antes de tentar reabri-la); (5) Envolvimento com um problema: estar directamente envolvido numa tarefa específica que

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educativos: crianças em idade pré-escolar (i.e., com idades superiores a 36 meses) passavam mais tempo envolvidas em comportamentos sofisticados, tais como resolução de problemas, jogo de faz de conta, a falar ou a utilizar signos e a construir coisas, quando comparados com crianças em idade de creche. Também nas cotações do envolvimento das crianças pelos pais, tal como é medido pelo Children’s Engagement Questionnaire (CEQ; McWilliam, 1991), as crianças em idade pré-escolar obtinham resultados mais elevados do que as crianças em idade de creche em comportamentos de competência e jogo de faz de conta. Estas diferenças, idênticas às diferenças encontradas no envolvimento observado, reflectem níveis mais elevados de desenvolvimento cognitivo e social em crianças mais velhas, que lhes permite envolverem-se em comportamentos de níveis de sofisticação mais elevado.

Tendo sido largamente documentada, a relação positiva entre o envolvimento e os resultados desenvolvimentais das crianças sugere que o envolvimento poderá constituir um indicador válido da competência das crianças (de Kruif et al., no prelo). Os resultados destes estudos realçam ainda a importância e a possibilidade de incluir a idade desenvolvimental enquanto variável independente em estudos sobre envolvimento.

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