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3 PERCURSO NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

3.5 O território: traçando caminhos

O trabalho no território representa importante instrumento de organização dos processos de trabalho e das práticas de saúde, posto que as ações de saúde sejam implementadas sobre uma base territorial detentora de uma delimitação espacial previamente determinada. A execução das práticas de saúde sobre um

substrato territorial já vem sendo utilizada por distintas iniciativas no âmbito do SUS, como a Estratégia Saúde da Família, a Vigilância em Saúde, a proposta dos municípios/cidades saudáveis e a própria descentralização prevista na Constituição Federal. (SANTOS; RIGOTTO, 2011).

O termo território foi incorporado às definições teóricas e normativas da Atenção Básica e da ESF. Entretanto, cada território é um universo em si. Nenhum local é completamente idêntico a outro e um mesmo local sofre permanentes modificações com o passar do tempo.

O conceito de território apresenta significados distintos ao longo da história. Não há como compreender o território sem o seu uso, isto é: como território vivo. Assim, ele é sinônimo de espaço constituído por vários domínios: geografia, economia, política e cultura; reflete cada momento histórico e resulta de alterações do meio natural realizadas pelo homem por intermédio da técnica. O espaço geográfico é um sistema indissociável de ações humanas e fatos materiais. (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

Esse território onde se estabeleceu uma relação sociedade-natureza, respeitando e desrespeitando os limites e as potencialidades locais, alicerça os problemas sócio-históricos; como também a história de luta, a mobilização e o envolvimento dos agentes locais no enfrentamento e na conquista dos direitos de cidadania. No território capitalístico

Existe um imperativo territorial na produção de educação, saúde e cultura. Tal imperativo se consolida na vivência das equipes de saúde da família. Se a saúde é geograficamente condicionada, as características do território se refletem nos modos como aquela é produzida. (SILVEIRA, 2009).

Entendemos os conceitos de “território” e “comunidade” como noções para novas formas de análise e de conduta frente à situação de saúde das pessoas. Compreende-se, então, território como um espaço vivo de relações e de produção de identidades, subjetividades, crenças e valores. (SANTOS, 2006). Portanto, não considera-se apenas o espaço físico mas sim as relações produzidas neste espaço: o processo saúde-doença é uma das relações existentes no território. (FIUZA et al, 2011).

O território das Goiabeiras não deve ser visto apenas na dimensão do espaço físico, que abriga camadas populares, mas deve resgatar fatos, histórias e práticas do cotidiano das comunidades. Nesta pesquisa tendo como intercessores Deleuze e Guattari, acrescentamos algo novo ao significado de território:

[...] a terra deixa de ser terra, e tende a tornar-se simples solo ou suporte da territorialização e dos conteúdos sociais, um processo composto de significações elaboradas pelas práticas humanas. O território é de fato um ato, que afeta os meios e os ritmos que o “territorializa”, um produto de uma territorialização dos meios e dos ritmos. A territorialização é o ato do ritmo tornado expressivo, ou dos componentes de meios tornados qualitativos. [...] O território não só assegura e regula a coexistência dos membros de uma mesma espécie, separando-os, mas torna possível a coexistência de um máximo de espécies diferentes num mesmo meio, especializando-os. Ao mesmo tempo em que membros de uma espécie compõem personagens rítmicos e que as espécies diversas compõem paisagens melódicas, as paisagens vão sendo povoados por personagens e estes vão pertencendo a paisagem. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 128).

O conceito de comunidade reflete um modo de “interagir segundo padrões do lugar, de sua história, tradição, costume, valores, moral, etc. É um arranjo particular do cotidiano da sociedade.” (GÓIS, 2008).

Propomos neste trabalho extrapolar o território normativo e incorrer em pensamentos sobre um território dinâmico, cheio de relações e de vida e os movimentos de desterritorialização e reterritorialização.

Falar em territorialização nos leva obrigatoriamente à obra dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari. A territorialização para esses autores remete ao traçar do território existencial. Essa ocorre através de agenciamentos, ou seja, encontros, desencontros, reencontros, fusões, conexões. Os agenciamentos são assim, moldados nos movimentos simultaneos de desterritorialização e reterritorialização. A desterritorialização e a reterritorialização complementam-se e coexistem no tempo/espaço, sendo processos indissociáveis. Sempre o par, em relação. (HAESBAERT, 2006). Esse território existencial não está relacionada a igualdade e desigualdade.

É importante destacar que a diferença, para eles, não está colocada em relação à igualdade, cuja oposição é a desigualdade baseada na mesma escala quantificável em torno de gradações hierarquizantes, e, também, não expressa distinção. O sistema capitalista produz desigualdades, fabrica injustiças e contrastes e tem como princípio o equivaler generalizado, garantindo a reprodução de capital e o controle pela subjetividade. A diferença, quando absorvida pela lógica capitalística, é tornada distinção, ou seja, transformada em bem distintivo, demarcador das hierarquizações e

indicativo de prestígio,simulando uma mobilidade social e reproduzindo uma variada gama de formas de controle. (KROEF, 2010).

Os agenciamentos extrapolam o espaço geográfico e para sua compreensão pressupõem-se a não dicotomização entre natureza e sociedade. Por esse motivo, o conceito de território de Deleuze e Guattari é amplo, pois, como tudo pode ser agenciado, tudo pode também ser desterritorializado e reterritorializado.

Entender que no território existirão sempre vetores de saída e que não há saída deste território sem a possibilidade de um novo processo de se entrar, seguindo o movimento de territorializar, desterritorializar, reterritorializar é algo entendido como primordial para alguns autores. (HAESBERT, 2006).

É nesse território que se constitui uma diversidade de forças produtoras de emaranhado de relações; também a questão dos poderes processados em meio ao que acontece nas vivências territoriais.

A partir de novos questionamentos sobre o conceito de desenvolvimento, território usado e o papel do Estado vêm emergindo um debate sobre saúde e desenvolvimento, baseado na indagação a respeito dos conflitos políticos e ideológicos gerados ao separar a política econômica, voltada para o complexo econômico industrial da saúde, e a política social, voltada para proteção social em saúde.

Na filosofia da diferença o conceito de território não se limita apenas à produção de bens e serviços (dentre eles a atenção à saúde), a produção material, envolvendo processos que não se reduzem apenas ao território capitalistico, no sentido que envolve a produção, distribuição e consumo das riquezas em territórios captalisticos. (SILVA, 2012).

Neste sentido, a distinção é consumida enquanto comportamentos e posturas associados a um produto/mercadoria. Atualmente, o capitalismo, não é mais orientado para a produção, mas dirigido para o produto, isto é, para a venda ou para o mercado. Assim, controle e lucro são sustentados pela noção de igualdade/ identidade/semelhança e expandidos pelo fomento às distinções. Já, a diferença,relacionada aos processos criativos, indica possibilidades de ruptura. (KROEF, 2010)

Por fim, quando nos referimos a territorialização em saúde estamos nos baseando na alusão de que, mesmo se constituindo em uma estratégia organizativa e gerencial do serviço, esse processo não pode se eximir de dialogar com os

processos históricos, com a dinâmica da comunidade e com a constante transformação do território processo. Concordamos com Santos (1994):

O Território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência. (SANTOS, 1994).