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2.2.1) A formação da Comunidade Científica

Isso não impediu, porém, que cientistas, engenheiros e educadores fundassem associações e iniciassem movimentos para divulgar a atividade científica no país. Dentre as instituições que surgiram destaca-se a Sociedade Brasileira de Ciências. Fundada em 1916 por iniciativa de professores de mineralogia e geologia da Politécnica do Rio de Janeiro, entre eles Everaldo Backheuzer, Ennes de Souza, Alberto Betim Paes Leme e Henrique Morize, a agremiação seria rebatizada em 1922, passando a denominar-se Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Defensora da ―Ciência pura‖, a entidade chegou a propor, em 1931, a criação de um ―conselho nacional de pesquisas‖, como forma de favorecer o financiamento da investigação científica. A proposta, porém, acabou engavetada e os pesquisadores seguiram desconectados do Estado e do setor produtivo.

Outro marco importante foi a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Embora já contasse com a Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1920 e com a Universidade de Minas Gerais (UFMG), em 1927, o país estava longe de contar com um sistema universitário. As unidades existentes não passavam de um agrupamento de escolas isoladas, chumbadas a métodos tradicionais. A USP viria a representar um divisor de águas, institucionalizando o ensino superior vinculado à pesquisa, com o envolvimento de várias áreas do conhecimento e a introdução de métodos mais modernos.

55 Conforme relata Motoyama (2004), o projeto da USP, elaborado por uma comissão de intelectuais liderados pelo jornalista Júlio de Mesquita Filho, tinha como eixo principal a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Em pouco tempo, a nova instituição tornaria-se um importante centro irradiador de pesquisa. Para isso, contribuiu de modo decisivo a vinda de professores estrangeiros, entre eles os físicos Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini; os químicos Heinrich Rheindboldt e Heinrich Hauptmann; e o biólogo Felix Rawitscher. Mesmo assim, a produção científica no país continuava a cargo de pesquisadores isolados e nem de longe refletia uma atividade plenamente institucionalizada (SCHWARTZMANN, 2001).

Esse cenário prosseguiria até meados do século 20, quando o Estado daria os primeiros passos no processo de institucionalização da atividade científica. Antes disso, as iniciativas no campo da Ciência resultaram quase sempre de fatores circunstanciais que exigiam medidas imediatas. Segundo Schwartzmann (2001), até 1940, por exemplo, a atividade científica no Brasil estava concentrada em alguns poucos centros governamentais de pesquisa aplicada nas áreas de saúde pública, agricultura e tecnologia industrial. Nenhum deles, porém, integrava um plano nacional voltado especificamente para Ciência e Tecnologia.

Somente após a experiência da Segunda Guerra demonstrar as aplicações práticas da Ciência, principalmente no campo da física nuclear, seriam dados os primeiros passos para inserir a pesquisa nos objetivos estratégicos do Estado. Além disso, as mudanças políticas e econômicas dos anos 1930 haviam acentuado a necessidade de formação de recursos humanos. O início do processo de substituição de importações expos de forma clara a deficiência nacional para atender à demanda por know-how. Diante desse cenário, não havia outra saída: era preciso formar quadros para o setor industrial.

Na ausência de uma política organizada para Ciência e Tecnologia, a própria comunidade científica começou a se articular. Isso ficou claro em maio de 1948, quando, para reagir a um ato do governador Ademar de Barros, que decidiu reduzir as atividades de pesquisa do Instituto Butantã a um simples centro de produção de soros antiofídicos, cerca de uma centena de cientistas, liderados pelos biólogos Maurício Rocha e Silva, Paulo Sawaya e

56 José Reis, reuniram-se na sede da Associação Médica Paulista e fundaram a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

De acordo com Fernandes (1990), diferentemente da ABC, a SBPC abriu suas portas a um grande número de cientistas e não-cientistas. Ou seja: não se tratava de uma entidade para iniciados, e sim para toda a sociedade. Apenas um ano depois de sua fundação, a sociedade científica já contava com 352 sócios, dava início a uma série de reuniões anuais que seriam realizadas em diferentes cidades do país e passava a publicar a revista Ciência e Cultura. No editorial de sua primeira edição, relativa ao período janeiro-abril de 1949, a publicação voltava a bater na mesma tecla: ―Não é a SBPC sociedade de especialistas. Destes já existem várias, às quais a nova agremiação não fará concorrência, mas apoiará em todas as formas possíveis‖.

Também nesse período a SBPC empreenderia uma de suas primeiras lutas políticas. Representantes da entidade passaram a pressionar os deputados paulistas para a regulamentação do artigo 123 da Constituição Estadual de 1947, que instituía a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A batalha prosseguiria até 1962, quando finalmente o objetivo seria conquistado, determinando a transferência de 0,5% da receita tributária do Estado para a nova entidade, percentual que seria ampliado para 1% a partir da Constituição de 1989.

Além disso, a decisão do Governo Estadual de destinar à nova Fundação, no momento em que ela começou a funcionar, uma dotação inicial de US$ 2,7 milhões para a formação de um patrimônio rentável, foi decisiva para torná-la um organismo autônomo e eficiente no apoio à pesquisa. Inspirada no seu modelo, surgiriam posteriormente outras 22 fundações de amparo à pesquisa (FAPs), em 26 estados.

Ainda em 1949, a mobilização da comunidade científica daria origem, no Rio de Janeiro, ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Organizado pelos físicos Cesar Lattes e José Leite Lopes, a instituição tinha como objetivo desenvolver pesquisas que não conseguiam sair do papel por falta de recursos nas universidades cariocas. Organismo autônomo, em seus primeiros anos o Centro recebeu subvenções aprovadas pelo legislativo federal e municipal, além de doações da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

57 Numerosos e eminentes físicos estrangeiros ministrariam cursos e seminários no CBPF, o que projetaria a entidade no cenário internacional.