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3.2.6) Desinteresse alimentado pela desigualdade

Um primeiro aspecto que chama atenção nas cinco pesquisas realizadas no Brasil é a oscilação nos resultados obtidos. Tomando-se como exemplo o interesse por assuntos de C&T, os números obtidos foram os seguintes: 71% em 1987, quando foi realizada a primeira pesquisa de âmbito nacional (Gallup), e 41% em 2006, quando foi aplicada a segunda (MCT). Já em 2003, 2004 e 2008, quando foram realizadas pesquisas envolvendo municípios do estado de São Paulo (OEI, Ticyt e Labjor), os resultados foram os seguintes, respectivamente: 45%, 16% e 63%.

As razões para essa disparidade, porém, podem ser atribuídas a dois fatores que devem ser levados em consideração numa análise comparativa. Em primeiro lugar, trata-se de pesquisas voltadas para universos diferentes. Os trabalhos apresentados em 1987 e 2006 são de âmbito nacional, ao passo que os demais concentraram-se no público restrito ao estado de São Paulo. Em segundo lugar, as metodologias adotadas são distintas, o que necessariamente influencia no resultado final. Mesmo as comparações entre países do mesmo bloco, como no caso do mundo iberoamericano, devem ser pautadas pela prudência dada a incipiência destes estudos nessa região:

No momento atual não temos dados para uma comparação sequer razoável do interesse por C&T nas enquetes nacionais de países ibero-americanos. Poucos países realizaram pesquisas nacionais deste tipo, entre os que fizeram alguns não inquiriram sobre o interesse das pessoas por C&T e, entre os raros que fizeram este tipo de questão, ela exibe em geral formatos diferentes dificultando a comparação (MOREIRA, 2008, on line)

141 Mesmo assim, diante do que foi exposto torna-se indiscutível o esforço para estabelecer metodologias capazes de não apenas mensurar mas sobretudo compreender a percepção pública da Ciência. Fica claro, também, que se essa preocupação já acompanha os países desenvolvidos há pelo menos quatro décadas, nas economias ibero-americanas, em particular na América Latina, o trabalho está apenas começando. Mesmo em seus primeiros passos, porém, a pesquisa nesta área já permite enxergar a distância entre Ciência e sociedade civil, o que nos remete não apenas a uma questão cultural mas também política.

Em que medida o baixo interesse pelo conhecimento científico estaria ligado a um desnivelamento de poder que se relaciona à desigualdade no acesso à informação qualificada? Além disso, até que ponto a sociedade civil pode sentir-se interessada pelos assuntos de C&T se raramente é chamada a opinar nas questões a esse respeito, muito embora grande parte destas questões impactem diretamente em sua vida? E de que maneira a demora na implantação de políticas públicas voltadas para a divulgação científica compromete a participação popular nestas questões?

Nesse ponto, talvez seja oportuno recordar as palavras do físico Lévy-Leblornd (2003 In: Vogt, 2006), em seu artigo Cultura Científica: impossível e necessária, observando que a expressão ―percepção pública‖ (public understanding), tende a reduzir o problema à compreensão do conhecimento. Em outras palavras, acredita-se que, se o público não aprova ou não apóia o desenvolvimento da Ciência, como ocorria no passado, isto se deve ao fato de que não a compreende. Entretanto, ressalva o autor, talvez devêssemos mais ―sabiamente‖ admitir que a questão não é o conhecimento, e sim o poder:

Com certeza, nossos concidadãos gostariam de entender as manipulações genéticas ou a energia nuclear, contudo, teriam mais condições de fazer alguma coisa a esse respeito se pudessem escolher os rumos da pesquisa e exercer seu poder de decisão sobre o desenvolvimento da ciência e tecnologia. Em outras palavras, o problema, que vai muito além do âmbito deste ensaio e está implícito em todo este congresso, refere-se essencialmente à possibilidade de democratizar as escolhas científicas e tecnológicas, que, devemos admitir, passam por cima dos atuais procedimentos democráticos. Ao destacar essa questão essencialmente política, ultrapassamos o âmbito da ―percepção pública da ciência‖ (public understanding of science), pois o problema não está apenas em compartilhar o conhecimento, mas, em primeiro lugar, em compartilhar o poder (LÉVY-LEBLORND. In: VOGT, 2006, p. 43 ).

142 Seguindo a mesma linha de raciocínio, Lévy-Leblornd observa que o uso da expressão ―percepção pública da ciência‖ divide automaticamente a humanidade em público leigo ―ignorante‖, de um lado, e os ―sábios cientistas‖, de outro. Entretanto, destaca o autor, uma das principais características do nosso tempo é justamente o fato de que essa dicotomia deixou de existir. Segundo ele, os cientistas não são basicamente diferentes do público, salvo no campo bem delimitado de sua especialização.

Diante de problemas como a manipulação genética ou a clonagem, por exemplo, sinto-me exatamente – ou quase exatamente – na mesma posição do leigo. Mesmo no campo da energia nuclear, se por um lado minha competência, na condição de físico, me permite obviamente avaliar os perigos da radioatividade, por outro, ela não lança nenhuma luz sobre os riscos que as usinas nucleares acarretam – que têm mais a ver com um sistema de tubulações e de concreto do que com a estrutura do núcleo atômico.Devemos abandonar essa representação equivocada da realidade, legado da divisão que se fazia, no século XIX, entre os cientistas, detentores de um conhecimento geral e universal, e o público ignorante e indiferenciado ao qual era preciso transmitir o conhecimento. Está mais do que na hora de nós, cientistas, mostrarmos um pouco mais de modéstia e admitirmos que nosso conhecimento é na realidade muito limitado (LÉVY-LEBLORND. In: VOGT, 2003, p. 34).

Para o autor, a ―falta de entendimento‖ refere-se essencialmente à possibilidade de democratizar as escolhas científicas e tecnológicas. O problema ultrapassa a questão do conhecimento e se desloca para o âmbito concreto da possibilidade de participação e envolvimento em determinada estrutura sociopolítica. Assim, a falta de uma cultura científica ou entendimento da Ciência não passaria pela simples busca de meios mais eficazes de popularização, e sim na re-inserção da Ciência na cultura, o que requerer uma profunda mudança no próprio modo de fazer Ciência.

Em outras palavras, acredito que o objetivo da divulgação científica não pode mais ser pensado em termos de transmissão do conhecimento científico dos especialistas para os leigos; ao contrário, seu objetivo deve ser trabalhar para que todos os membros da nossa sociedade passem a ter uma melhor compreensão, não só dos resultados da pesquisa científica, mas da própria natureza da atividade científica. A perspectiva mais distante, ainda que neste momento possa parecer utópica, é mudar a ciência de forma que ela possa finalmente diluir-se na democracia (LÉVY- LEBLORND. In: VOGT, 2003,p. 33).

Dagnino, Lima e Neves (2008), por sua vez, propõem ainda, no caso brasileiro, uma relação entre o pouco entendimento e participação social nas questões científico- tecnológicas e a própria desigualdade econômica e social. Essa desigualdade, segundo os

143 autores, determinaria uma assimetria de poder que se relaciona à desigualdade no acesso aos bens intangíveis, como conhecimento e informação e, consequentemente, diminui a chance de participação política e compartilhamento de poder em questões referentes à C&T.

Uma das conseqüências desse cenário é que, no Brasil, pode-se dizer, instalou-se um processo ou uma cultura de auto-exclusão da sociedade civil em relação aos assuntos de C&T, na medida em que o cidadão comum considera-se incapaz de participar dos debates sobre o tema, encarado como complexo demais. Isso fica patente no resultado das pesquisas realizadas no país, tanto de âmbito nacional quanto estadual, quando os entrevistados atribuem a condução do setor quase que exclusivamente ao Governo ou aos próprios cientistas.

Os rumos da política científica, portanto, seria algo restrito a um grupo formado, de um lado, por iniciados que habitam as torres do saber, e do outro, por gestores que circulam nas esferas do poder. E, alheia a esse processo, a sociedade civil, que paga impostos mas permanece sem voz ativa por falta de cultura científica.