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2.2.2) A institucionalização da política nacional de C&T

No início dos anos 1950, com a consolidação do capitalismo industrial e uma gradual evolução do setor produtivo, o segundo governo do presidente Getúlio Vargas passaria a intervir de forma mais incisiva na economia. Associado aos setores industriais mais dinâmicos, o capital estrangeiro também passaria a ocupar maior espaço. A intervenção do Estado, agora, seria baseada numa ideologia desenvolvimentista, que passaria a ser considerada fundamental para a soberania nacional.

Segundo Morel (1979), na área econômica dois agentes passaram a intensificar sua atuação, com funções específicas no processo de expansão industrial: o Estado e o capital estrangeiro. Ao Estado coube criar e apoiar, de um lado, os setores industriais de base e, de outro, as áreas definidas como ―segurança nacional‖, como petróleo e mineração. Já o capital estrangeiro vinculou-se aos setores de bens de capital, indústria automobilística e bens de consumo duráveis, fornecendo a base tecnológica indispensável ao aumento da produtividade de trabalho e acumulação de capital.

Ao mesmo tempo, militares e burocratas da máquina estatal aprofundariam a ideologia nacionalista, ancorada na ideia de ―segurança nacional‖ e cultivada desde o final da década de 1940. Dessa ideologia, surgiriam, por exemplo, as bases para a criação da Companhia Nacional do Petróleo (1947-1953) e da Usina de Volta Redonda. A ideia era garantir a soberania do Estado nos setores industriais de base e salvaguardar as fontes de materiais estratégicos para o abastecimento militar.

É nesse contexto que são lançadas as bases para a institucionalização das atividades de pesquisa no Brasil, cujo marco principal se dá com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), pela lei nº 1.310 de janeiro de 1951, e da Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES), em de julho de 1951, pelo Decreto nº

2 No processo de institucionalização da atividade científica no Brasil, a sigla C&T precede à CT&I, que seria

58 29.741. Pela primeira vez, o Estado atuava de forma planejada e coordenada para assegurar a formação de pessoal especializado com vistas a atender às metas de desenvolvimento do país.

Considerada um divisor de águas na consolidação do sistema nacional de C&T, a criação do CNPq não resultou de um ato isolado do governo. Segundo Romani (In: SCHWARTZMAN, 1982), a primeira proposição no sentido de implantar um órgão semelhante remonta a 1931, quando a ABC sugeriu a criação de um Conselho Nacional de Pesquisas. Posteriormente, em 1936, Getúlio Vargas menciona, em mensagem ao Congresso, a necessidade da criação de um Conselho Nacional de Pesquisa e Experimentação, ligado a problemas agrícolas. Já o processo que resultaria na criação do órgão, em 1951, traduzia, num primeiro momento, a tentativa de organizar uma política nuclear para o Brasil.

O CNPq começou de fato a ser gestado em 1946, durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, que nomeou o almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva para representar o Brasil na Comissão de Energia Atômica do Conselho de Segurança da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU). Antes de partir para sua missão no exterior, o almirante propôs uma série de medidas destinadas a definir uma política nacional para o setor, entre elas a fundação de um Conselho Nacional de Pesquisas, cujo objetivo seria ―fomentar e coordenar as atividades de científicas e técnicas, escolher pessoal idôneo a ser imediatamente encaminhado ao estrangeiro para aperfeiçoamento‖ (MOTOYAMA, 2002, p. 43).

No dia 2 de abril de 1949, o presidente Dutra enviou uma carta ao almirante, comunicando que havia decidido ―aproveitar seus estudos e conhecimentos especializados‖ e constituir uma comissão para apresentar um anteprojeto de lei visando a criação do Conselho Nacional de Pesquisas. Informava, ainda, que o presidente da comissão seria o próprio almirante Álvaro Alberto. Menos de um mês depois, em 12 de maio de 1949, o presidente enviava ao Congresso Nacional o texto do anteprojeto de lei. Em sua mensagem aos parlamentares, deixava claro os motivos da iniciativa:

59 É um fato reconhecido que, após a última guerra, tomaram notável e surpreendente incremento, não só por imperativo da defesa nacional senão também por necessidade de promover o bem estar coletivo, os estudos científicos e, de modo particular, os que se relacionam com o domínio da Física Nuclear. Nesse sentido estão dedicando esforços diuturno as nações civilizadas, em particular os Estados Unidos, a Inglaterra, o Canadá e a França, que passaram a considerar tais estudos tanto em função dos propósitos da paz mundial como, sobretudo, em razão dos imperativos da própria segurança nacional. É evidente, para quem seriamente pensa nos destinos do país, que o Brasil não poderia ficar alheio àqueles propósitos decorrentes, sobremaneira, da atual conjuntura histórica (DUTRA, 1951 apud MOREL, 1979, p. 45).

Após sete meses de debates no Congresso Nacional, finalmente foi aprovada, no dia 15 de janeiro de 1951, a lei 1.310, que criava o CNPq. Já no artigo 1º, o texto afirmava que o novo órgão ―terá por finalidade promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer domínio do conhecimento‖. Subordinado diretamente à Presidência da República, competia ao Conselho:

a) promover investigações cientificas e tecnológicas por iniciativa própria, ou em colaboração com outras instituições do país ou do exterior; b) estimular a realização de pesquisas cientificas ou tecnológicas em outras instituições oficiais ou particulares, concedendo-lhes os recursos necessários, sob a forma de auxílios especiais, para aquisição de material, contrato e remuneração de pessoal e para quaisquer outras providências condizentes com os objetivos visados; c) auxiliar a formação e o aperfeiçoamento de pesquisadores e técnicos, organizando ou cooperando na organização de cursos especializados, sob a orientação de professores nacionais ou estrangeiros, concedendo bolsas de estudo ou de pesquisa e promovendo estágios em instituições técnico - cientificas e em estabelecimentos industriais no país ou no exterior;d) cooperar com as universidades e os institutos de ensino superior no desenvolvimento da pesquisa científica e na formação de pesquisadores; e) entrar em entendimento com as instituições, que desenvolvem pesquisas, a fim de articular-lhes as atividades para melhor aproveitamento de esforços e recursos; f) manter-se em relação com instituições nacionais e estrangeiras para intercâmbio de documentação técnico-científica e participação nas reuniões e congressos, promovidos no país e no exterior, para estudo de temas de interesse comum; g) emitir pareceres e prestar informações sobre assuntos pertinentes às suas atividades e que sejam solicitados por órgão oficial; h) sugerir aos poderes competentes quaisquer providências, que considere necessárias à realização de seus objetivos (Lei nº 1.310 de 15 de Janeiro de 1951, Presidência da República apud MOREL, 1979, p. 42).

A medida foi recebida com entusiasmo pela comunidade científica que, pela primeira vez, contaria com recursos carimbados do governo para desenvolver suas atividades. Posteriormente, as atividades de pesquisa nuclear foram absorvidas, em sua maior parte, por órgãos específicos. Entretanto, já estavam lançadas as ideias básicas que nortearam o

60 CNPq em suas etapas posteriores: o estabelecimento de convênio com entidades nacionais, a pesquisa orientada para fins específicos e a identificação de recursos naturais. Por outro lado, e também como requisito para o cumprimento destas mesmas atribuições, o órgão se propunha a apoiar a formação de recursos humanos, o que posteriormente se revelaria ser a linha de ação mais dinâmica e continuada dentre suas atividades de fomento à Ciência e Tecnologia

Cientistas que eram obrigados a acumular vários empregos, mal remunerados, puderam, pela primeira vez, abandonar as posições acessórias e dedicar-se à pesquisa científica, graças a bolsas e auxílios do Conselho Nacional de Pesquisas. Passou este órgão a conceder bolsas de estudo a estudantes das últimas séries das faculdades técnicas e científicas, como estímulo à iniciação na pesquisa. Jovens graduados puderam, também, pela primeira vez, obter bolsas do governo brasileiro através do Conselho Nacional de Pesquisas, para aperfeiçoamento em universidades e instituições científicas de países mais avançados (LEITE LOPES, 1964, p. 117) A euforia, porém, durou pouco. O fato de o sistema produtivo suprir suas necessidades tecnológicas por meio de importações, praticamente desvinculava o sistema científico do processo de produção e, por tabela, afastava os cientistas do processo de desenvolvimento industrial. Dessa maneira, menos por problemas relativos à organização interna do CNPq e mais pela sua própria posição na ordem de prioridades da política econômica vigente na década de 1950, o fato é que as medidas de política científica adotadas não obtiveram os efeitos desejados.

Por um lado, como se ressaltou anteriormente, é sumamente vulnerável a posição de um órgão voltado para a coordenação global de políticas científicas num momento em que o próprio conceito de planejamento econômico a nível nacional ainda não está incorporado à prática governamental. Por outro lado, apesar de a política científica constituir elemento fundamental no que se refere à posição de prestigio internacional do país funcionando assim como um fator de legitimação do poder político, a formação de recursos humanos e o auxílio à pesquisa científica desenvolviam-se de forma desvinculada do sistema produtivo, na medida em que não respondiam às necessidades efetivas do mesmo. (ROMANI. In: SCHWARTZMAN, 1982, p. 136)

Já em 1955, o CNPq sofreu sérios problemas orçamentários e os recursos de que dispunha ficaram muito aquém das solicitações de auxílio. Como relata Leite Lopes (1964), de 1956 a 1961, em pleno governo do presidente Juscelino Kubitscheck, a dotação orçamentária do órgão despencou e as bolsas minguaram. O país experimentou, então, uma significativa evasão de cérebros, que partiram para outros países em busca de melhores condições de

61 trabalho. No final da década de 1970, o CNPq teria seu nome alterado para Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Entretanto, conforme observa Motoyama (2004), apesar das oscilações orçamentárias, o CNPq conseguiu preservar sua tarefa principal, dando os primeiros passos para a constituição efetiva de um sistema nacional de C&T, sem o qual não se poderia sequer pensar em transferência de tecnologia de ponta. A partir da criação do órgão, surgiriam, de maneira pioneira, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), em 1952; o Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), em 1954; e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), também em 1952.

Ainda no contexto de reformulação e modernização do Estado brasileiro, o decreto 29.741, de 11 de julho de 1951, instituiu uma comissão para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, conhecida desde então como CAPES. Entre seus objetivos básicos estava ―assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados‖ que visavam ao desenvolvimento econômico e social do país, bem como oferecer aos ―indivíduos mais capazes, sem recursos próprios, acesso a todas as oportunidades de aperfeiçoamento‖. Para tanto, o órgão deveria:

a) promover o estudo das necessidades do país em matéria de pessoal especializado, particularmente nos setores onde se verifica escassez de pessoal em número e qualidade; b) mobilizar, em cooperação com as instituições públicas e privadas, competentes, os recursos existentes no país para oferecer oportunidades de treinamento, de modo a suprir as deficiências identificadas mas diferentes profissões e grupos profissionais; c) Promover em coordenação com os órgãos existentes o aproveitamento das oportunidades de aperfeiçoamento oferecidas pelos programas de assistência técnica da Organização da Nações Unidas, de seus organismos especializados e resultantes de acordos bilaterais firmados pelo Governo brasileiro; d) Promover, direta ou indiretamente, a realização dos programas que se mostrarem indispensáveis para satisfazer às necessidades de treinamento que não puderem ser atendidas na forma das alíneas precedentes; e) Coordenar e auxiliar os programas correlatos levados a efeito por órgãos da administração federal, governos locais e entidades privadas; f) Promover a instalação e expansão de centros de aperfeiçoamentos e estudos pós-graduados. (Decreto 29.741, de 11 de julho de 1951 apud MOREL, 1979, p. 46)

Designado pelo presidente Getúlio Vargas coordenador geral da Comissão, o jurista e educador Anísio Spínola Teixeira inicia um trabalho de formação e aperfeiçoamento de

62 recursos humanos na área de C&T. A ideia era elevar o nível de ensino superior no Brasil, uma vez que as instituições de ensino superior, isoladamente, mostravam-se incapazes de formar quadros com o perfil necessário para fazer frente às novas demandas do setor produtivo.

Já em 1953, foi implantado o Programa Universitário, principal linha da CAPES junto às universidades e institutos de ensino superior. Teixeira contrata professores visitantes estrangeiros, estimula atividades de intercâmbio e cooperação entre instituições, concede bolsas de estudos e apóia eventos de natureza científica. Naquele mesmo ano, seriam concedidas 79 bolsas: 2 para formação no país, 23 de aperfeiçoamento no país e 54 no exterior. No ano seguinte, foram 155: 32 para formação, 51 de aperfeiçoamento e 72 no exterior (CAPES, 2009, on line).

A partir de então, a política científica um forte viés voltado para a formação de mão de obra qualificada. Em 1956, conforme relata Morel (1979, p. 47) com a chegada de JK à presidência, essa orientação aparecerá de forma explícita no Plano de Metas do novo mandatário: ―a infraestrutura econômica deve ser acompanhada de uma infraestrutura educacional e, portanto, social‖. Segundo a autora, entre os objetivos visados, constavam a instituição do regime de dedicação integral aos professores, a criação de cursos de pós- graduação e a instalação de institutos de pesquisa.

Apesar dos avanços propiciados pela criação da CAPES e CNPq, no início da década de 1960 o sistema científico permanecia desvinculado do setor produtivo. As empresas multinacionais, que puxavam a nova fase de industrialização, buscavam a tecnologia necessária em suas matrizes estrangeiras, o que tornava desnecessárias as atividades tecnológicas domésticas. Com isso, a comunidade científica, embora valorizada, seguia desconectada do processo produtivo.

Para incrementar a formação de quadros, o governo do presidente João Goulart criou a Comissão Supervisora do Plano dos Institutos (Cosupi), destinada à implantação de um Programa de Educação Tecnológica, e o Programa de Expansão do Ensino Superior (Protec), cuja missão era formar especialistas nos diferentes ramos da engenharia. Também surgiriam a Universidade de Brasília (1961), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

63 de São Paulo (1962) e a Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (1963). Embora as lacunas ainda fossem visíveis, de certa forma estavam lançadas as bases para a futura consolidação do sistema nacional de C&T.