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A subida de Fernando Collor de Mello ao poder, em 1990, trazia a chancela das urnas, naquela que foi a primeira eleição direta para presidente após o regime militar. A retórica

71 modernista do novo mandatário funcionara como excelente peça de propaganda e as expectativas da comunidade científica recrudesceram. Uma vez no cargo, porém, o novo presidente surpreendeu a população com o Plano Collor I, caracterizado pelo confisco da poupança e abertura do mercado externo.

O objetivo, que era eliminar a inflação, surtiu efeito contrário. Não só a inflação saiu de controle, chegando a 1.477% em 1990, como também o país mergulhou em aguda recessão, com uma redução de 4,4% do PIB. Nem mesmo o Plano Collor II, lançado logo em seguida, estancou a sangria e a economia degringolou de vez. As consequências para C&T foram imediatas. A equipe ―collorida‖ decidiu reduzir a participação do Estado no investimento em pesquisa e iniciou o desmonte do setor.

O MCT foi novamente rebaixado a Secretaria de Ciência e Tecnologia e o investimento global para a área despencou mais uma vez dos já parcos 0,7% para 0,4% do PIB, índice em muito inferior aos países desenvolvidos que consideram a CT&I como estratégica e destinam entre 2 a 3% do PIB ao setor. O anúncio do novo titular da pasta, o físico e ex- reitor da USP José Goldemberg, chegou a animar a comunidade científica, mas a euforia durou pouco. Por meio de medida provisória, em março de 1990 o Governo extingue a CAPES, desencadeando intensa reação na comunidade científica.

De imediato, a mobilização da opinião pública, com o apoio do Ministério da Educação, conseguiu reverter a medida, que ainda seria apreciada pelo Congresso Nacional. Em 12 de abril do mesmo ano, a CAPES foi recriada pela Lei nº 8.028. No ano seguinte, Goldemberg deixaria o MCT para assumir o Ministério da Educação (MEC), onde ficaria até janeiro de 1992, quando assumiria interinamente o Ministério da Saúde por apenas trinta dias, até a posse do titular, Adib Jatene.

Como se não bastasse a quase extinção da Capes, ainda em 1990 o patrimônio científico e tecnológico, na ocasião avaliado em torno de US$ 2 bilhões, começou a ser sucateado pelo governo Collor. O exemplo mais emblemático desse quadro foi o caso do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) da Telebrás, considerado modelo e em torno do qual havia se estabelecido, em Campinas, um pólo de empresas que atuavam na área de

72 comunicações por fibra ótica. Em 1991, o aporte de recursos foi cortado pela metade e, dos 67 projetos em andamento na unidade, 47 foram encerrados sumariamente.

A próxima vitima, conforme aponta Motoyama (2004, p. 419), seria a política nacional de Informática. Collor deu início a uma profunda reformulação, cujo objetivo era acabar com o tratamento diferenciado favorável ao capital nacional dado até aquela data, com reserva de mercado institucionalizada. ―Essas regras foram alteradas para a formação de joint-

ventures, juntamente com maior facilidade de licenciamento de tecnologia. A única

proteção à industria nacional ficaria por conta de uma tarifa aduaneira favorável‖.

A medida gerou divisões dentro do próprio Governo. Enquanto o Ministério da Economia (ME), comandado pela economista Zélia Cardoso de Melo, defendia o fim imediato da reserva de mercado, a Secretaria de C&T, encabeçada por Goldemberg, insistia num prazo de cinco anos para que o país se adequasse às novas diretrizes. A queda de braço foi vencida pelo ME. No dia 23 de outubro de 1991, Collor sancionou a nova Lei de Informática, pondo uma pá de cal sobre as pretensões nacionalistas. Goldemberg deixou o cargo no mesmo ano. Depois dele -- e em apenas 14 meses --, outros dois nomes passariam pelo cargo: o matemático e educador Edson Machado de Souza e o cientista político Hélio Jaguaribe. Nenhum deles, porém, conseguiu reverter o quadro.

Embora Collor tenha sido alijado do poder em setembro de 1992, num rumoroso processo de impeachment deflagrado pela mobilização popular, seu sucessor, o então vice-presidente Itamar Franco, não conseguiu reverter o quadro. Nem mesmo o Plano Real, lançado em dezembro de 1993 pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, gerou impactos imediatos na política científica. Embora tenha conseguido a proeza de reduzir a inflação para a casa de um dígito, a estratégia relegou a segundo plano diversos setores, entre eles o de C&T.

Nomeado ministro de C&T em outubro de 1992, o químico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Israel Vargas, velho conhecido da comunidade científica, pouco pode fazer diante do cenário de profunda penúria. Recuperar o desmonte perpetrado por Collor implicaria em investimentos de grande monta. Para isso, C&T teriam de ser considerados prioridades de Estado, o que não era o caso no Governo Itamar. A situação,

73 portanto, continuaria crítica. Segundo Motoyama (2004, p. 427). O sintoma mais visível desse quadro podia ser observado no CNPq, que chegou a acumular uma dívida de U$ 70 milhões, relativa aos programas de auxílio à pesquisa.

Em 1995, eleito presidente, Fernando Henrique Cardoso manteve Israel Vargas no cargo de ministro de C&T. O novo Governo iniciou seu mandato com o firme propósito de manter a inflação sob controle. Isso significava que o setor de C&T continuaria fora das prioridades do Estado. De fato, conforme revelam dados do MCT (SILVA, 2001), os investimentos do Governo federal na área, após registrarem ligeiro aumento, subindo de R$ 3.245.333,70 em 1995 para R$ 3.355.668,00 em 1996, cairiam 18% nos próximos três anos, não passando de R$ 2.753.313,60 em 1999. Em entrevista ao Jornal da Ciência Hoje, publicada na edição Nº 314, de 10 de fevereiro de 1995, Vargas fala sobre os próximos desafios:

O problema central da C&T nos próximos anos é fazer com que a comunidade científica, em articulação com as empresas, seja capaz de gerar um sistema competitivo. Mas sabemos que não é possível conseguir isso em todas as empresas. Portanto, teremos de estudar prioridades a partir da discussão aprofundada de políticas. (VARGAS, 1995, p. 5)

Mesmo assim, iniciativas importantes foram mantidas. Uma delas era o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). Criado em 1984, sua manutenção foi garantida graças a dois acordos de empréstimo entre o Governo brasileiro e o Bando Mundial (Bird), firmados em 1985 e 1991. Em sua primeira fase foram concluídos 2.700 projetos de pesquisa pura e aplicada e, na segunda, 1.816 projetos, envolvendo 350 instituições brasileiras (MOTOYAMA, 2004, p. 431). Também foram lançados, em 1996, o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e o Plano Plurianual de Ciência e Tecnologia (PPA).

Com a meta de elevar os investimentos em C&T para 1,5% do PIB até 1999, o PPA buscava não apenas aumentar a massa total de recursos, mas elevar a participação relativa do setor privado para algo entre 35% a 40% do total de investido até o final da década. Os Estados e Municípios, por sua vez, deveriam participar com 10 a 15% dos gastos nacionais, previstos para chegar a R$ 14 bilhões até 1999 (VARGAS, 1997). Com isso, além de recompor os canais de financiamento para a área de pesquisa, o MCT visava corrigir uma

74 histórica distorção na participação relativa dos atores sociais responsáveis pelo progresso científico e tecnológico, ou seja, pesquisadores, empresários e Governo.

A ideia era nivelar o Brasil com os países centrais, onde o investimento federal em C&T não passa de 0,7% do PIB, sendo o restante suprido pela iniciativa privada, até atingir de 2% a 3%. Para isso, porém, seriam necessários novos instrumentos financeiros, que estavam longe de ser consolidados. Sem uma alteração radical no quadro, as dificuldades prosseguiam. No final do mandato de FHC, por exemplo, o MCT passou por uma forte crise porque as verbas simplesmente acabaram. A meta de elevar os investimentos em C&T para 1,5% do PIB teriam de ser mais uma vez adiadas. Ao final do primeiro mandato de FHC, os investimentos não chegaram sequer a 1%.