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2.4.1) Contextualização é bom e o leitor gosta

Além do excessivo oficialismo das fontes e a consequente ausência de contraponto, outro vício recorrente na cobertura de temas ligados às políticas públicas de CT&I é a falta de contextualização dos temas abordados. É bom não esquecer que, além de relatar fatos, a imprensa ajuda a orientar muitos dos posicionamentos e decisões tomadas pelo público. A oferta de informação contextualizada constitui, nesse sentido, uma das contribuições fundamentais do jornalismo para a manutenção de um ambiente democrático e participativo.

A reduzida contextualização na cobertura de Ciência no Brasil também ficou evidente no estudo desenvolvido em parceria pela FAPEMIG, ANDI e FUNDEP (2009), já mencionado anteriormente (ver pg. 103). O quadro geral, reunindo 62 jornais brasileiros, num total de 2.599 textos sobre Ciência e Tecnologia publicados em 2007 e 2008, apontou para uma grande massa de notícias com poucos elementos de contexto, seguida por uma reduzida quantidade de textos que descrevem os fatos de maneira mais aprofundada.

O trabalho revelou que, em 2007 e 2008, as matérias com abordagem apenas factual representavam, respectivamente, 26,6% e 27,2% do total. Já aquelas com abordagem

contextual simples chegavam a 60,5% e 58,5%, contra 5,2% e 7,3% para contextual explicativo, quando os textos agregam elementos cronológicos e informações de várias

fontes; 6,4% e 5,6% para avaliativo, quando há uma abordagem mais valorativa; e apenas 1,3% e 1,4% para propositivo, quando além do factual são apresentadas possíveis soluções, recomendações ou relatos de experiências exitosas.

Chamando a atenção para o fato de que o papel do jornalismo científico, entre outros aspectos, consiste em traçar um cenário que permita ao leitor conhecer não apenas o estado atual, mas também o histórico e as perspectivas futuras do fato abordado, o estudo revelou dados preocupantes: apenas 13,2% dos textos apontaram explicitamente a existência de algum grau de incerteza quanto às conclusões apresentadas pelas pesquisas focalizadas;

100 15,7% fizeram alguma contextualização histórica da pesquisa ou uma apresentação dos avanços anteriores que permitiram a sua realização; e 16,7% das notícias indicaram explicitamente os próximos passos a serem dados pelo pesquisador.

No que diz respeito especificamente às políticas públicas para CT&I, o grau de descontextualização é ainda maior. Na mesma verificou-se que, entre os textos voltados para esse tema (15,8% do total), aproximadamente um terço teve como foco central a divulgação de eventos. Esse dado evidencia a tendência do mero agendamento de cursos, seminários, solenidades e premiações em detrimento da abordagem mais aprofundada, investigativa e explicativa de assuntos que mereceriam maior divulgação.

O mesmo ocorre em relação à legislação, um dos aspectos mais importantes quando se trata de polícia científica. Ainda segundo o estudo apresentado pela FAPEMIG, ANDI e FUNDEP (2009), entre os textos que mencionam algum marco legal, somente 32,3% explicitam parte do conteúdo das leis, citando trechos de forma literal ou descrevendo o que estes instrumentos determinam. Além disso, leis de recente aprovação e que se constituem como elementos fundamentais para políticas de CT&I foram pouco mencionadas.

A Lei do Bem (11.196 de 2005) e a Lei de Inovação (10.973 de 2004), por exemplo, apesar de representarem dois marcos extremamente importantes para o Sistema Nacional de CT&I, aparecem em menos de 1% dos textos pesquisados. Outros aspectos que evidenciam a contextualização de temas relacionados às políticas públicas também foram pouco mencionados. A presença de estratégias de desenvolvimento econômico e de desenvolvimento sustentável vinculadas à CT&I, por exemplo, não passa de 1,7% do material examinado.

Não bastasse a falta de contextualização das matérias, a cobertura de temas relacionados às políticas de CT&I ainda padece a falta de acompanhamento dos fatos abordados. Quem, entre o chamado público leigo, se lembrará do Plano de Ação 2007-2010: Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional, lançado pelo presidente Lula em novembro de 2007? Conhecido como PAC da Ciência, o programa previa um investimento total de R$ 41,2 bilhões até 2010. Passados três anos, o que de fato foi realizado? Quanto

101 foi investido? Houve corte nos recursos? Quais os impactos no Sistema Nacional de CT&I e na sociedade?

Nenhuma destas questões foi abordada pela imprensa, que limitou-se a anunciar a novidade quando do seu lançamento, sem acompanhar seus desdobramentos e contextualizar o seu alcance, a sua importância, seus pontos fortes e fracos. Como mencionado anteriormente, a oportunidade de atualizar o assunto durante a 4ª Conferência Nacional de CT&I, foi completamente ignorada. Temas como este, da maior importância, geralmente ficam restritos aos fóruns acadêmicos ou governamentais, que não atraem a mídia de massa por serem considerados ―distantes‖ dos interesses imediatos do grande público, como se os R$ 41,2 bilhões destinados ao PAC da Ciência não tivessem saído do bolso do contribuinte.

Esse distanciamento em relação às políticas públicas de CT&I contraria uma das principais funções dos veículos de comunicação de massa, que consiste em auxiliar o cidadão comum a entender e cobrar respostas de seus representantes nas esferas do poder, principalmente no que diz respeito ao financiamento de projetos de curto e longo prazo. Mais do que denunciar escândalos consumados, a mídia deve monitorar os desdobramentos obtidos, verificando o cumprimento dos resultados esperados. Abrir mão dessa tarefa significa ignorar o conceito de ―accountability pela sociedade‖, definido como:

(...) um mecanismo de controle vertical, mas não eleitoral, baseado nas ações de uma série de associações e movimentos de cidadãos e na mídia, ações essas voltadas para expor as práticas governamentais inadequadas, trazendo assim novas questões para a agenda pública, ou ativando a operação de agências de controle governamental horizontais (SMULOVITZ; PERUZZOTTI, In: ANDI, 2009, p. 40) A apatia da imprensa em relação aos mecanismos de financiamento da CT&I no Brasil é de tal monta, que nem mesmo as classes supostamente interessadas no assunto contam com informação qualificada. Pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em 2005, por exemplo, revelou que 74% dos empresários não conheciam a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e 90% não conheciam o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Juntas, as duas instituições configuram as principais fontes de financiamento à pesquisa e indução à inovação no País.

102 Em matéria publicada pelo Jornal da Ciência (COMO FAZER...2005, p.1), o diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp na época, José Roriz, lembrou que a desinformação dos empresários consistia no principal entrave para que se buscasse a inovação tecnológica como estratégia de crescimento das empresas. Tanto a pesquisa da Fiesp quanto o desabafo de Roriz foram ignorados pelos grandes jornais e revistas, que seguiram tratando a Ciência como uma vitrine de novidades desvinculadas do sistema econômico que alimenta a máquina capitalista e o desenvolvimento do país, em que CT&I são parceiros fundamentais.

O problema da cobertura superficial, da falta de contextualização e da exclusão de temas que, apesar de relevantes, têm sido considerados ―desinteressantes‖ por serem pouco palatáveis, vem sendo analisado por diversos autores que pesquisam o Jornalismo Científico praticado no Brasil. Uma das hipóteses mais freqüentes para essa tendência aponta para o despreparo dos jornalistas que cobrem Ciência. O principal entrave estaria na falta de repertório intelectual e cultural necessário para abordar um tema que interage com várias áreas do conhecimento.

Se jornalistas que cobrem política, por exemplo, devem conhecer a história política do país, a legislação que regula o setor, o jogo de forças no tabuleiro partidário e seus personagens principais, por que seria diferente com a cobertura de Ciência? Em se tratando especificamente de política científica, essa bagagem torna-se ainda mais necessária. Não é possível avaliar a importância de determinadas medidas sem conhecer o contexto histórico em que se inserem, sua relevância estratégica, os interesses políticos, as fontes de financiamento e seu impacto na sociedade.

Os jornalistas que forem trabalhar com divulgação de ciência devem ter em mente que o jornalismo científico é, antes de tudo, jornalismo interpretativo, contextualização histórica de acontecimentos. Para fazer essa contextualização, é preciso um outro tipo de jornalista. Poderia retomar, por exemplo, uma resposta de Freud à pergunta: ―Para que serve a psicanálise?‖. Ele dizia que servia para diminuir o sofrimento humano. Os trabalhadores intelectuais e os jornalistas que escrevem sobre ciência deviam trabalhar tendo isso em mente. Para fornecer uma inteligibilidade possível do que podemos chamar da máquina do mundo, da qual o homem é o intérprete, precisamos nos equipar com uma formação cultural muito mais ampla, que passa pelas humanidades, pelas exatas, pela matemática, química, física, biologia, literatura. . . (CAPOZZOLI. In: MASSARANI, 2003, p. 146).

103 Como os cursos de graduação em jornalismo dificilmente oferecem elementos para a formação de uma cultura científica que favoreça a cobertura da área, cabe ao futuro profissional da área aprofundar-se gradativamente, recorrendo à bibliografia que trata do assunto bem como aos veículos especializados, incluindo jornais, revistas, portais e blogs na internet, além de buscar formaçãocomplementar em cursos de especialização, mestrado ou doutorado. Sem isso, não há como conduzir adequadamente uma pauta jornalística, porque a falta de repertório condenará a cobertura a um tratamento superficial e, não raro, equivocado. Não há, nem mesmo, como definir o grau de importância do assunto, já que a desinformação sobre o tema torna impossível reconhecer o seu peso jornalístico bem como a sua correta contextualização histórica e social.

Nessa expressão ―jornalismo científico‖, acho que jornalismo pesa muito. Estou ali para falar de novidades, acontecimentos inéditos, do que está sendo feito de importante e de novo em ciência. Por outro lado, não acho que o jornalista deva mostrar só o conteúdo da pesquisa, é preciso ir além. Precisa mostrar o que a ciência representa para a vida pública, para a cultura. Enfim, tem que falar do contexto social em que é traduzida, para que o leitor se informe não só sobre o que a ciência obtém, mas também sobre as condições sociais de sua produção. Aí, entra tudo, o raciocínio, a construção do experimento, as escolhas de por que pesquisar isso e não aquilo. No entanto, nem sempre conseguimos esse resultado. Geralmente, o espaço e o tempo são reduzidos. Além disso, envolve um tipo de maturidade jornalística intelectual que nem todo mundo que está fazendo reportagem de ciência tem (LEITE. In: MASSARANI, 2003, p. 146).

O termo ―maturidade jornalística‖, aqui, não se resume a um estereótipo despropositado. Segundo Smith (1983, p. 71), há quatro aspectos que revelam o despreparo dos jornalistas contemporâneos: 1) o exercício jornalístico é basicamente uma atividade de escasso rigor intelectual e com marcante tendência à simplificação; 2) os jornalistas carecem de conhecimentos técnicos adequados para a maior parte das questões complexas da vida atual; 3) o trabalho jornalístico se executa sem a reflexão e o sossego que são desejáveis em um adequado trabalho crítico; e 4) é evidente a falta de uma atitude judiciosa e equilibrada na maior parte dos jornalistas, que renunciam a fazer um balanço dos dados positivos e negativos para reduzir-se unicamente a uma esquemática e simplificada enumeração de efeitos aparentes sem sinalizar as causas.

A falta de preparo dos jornalistas ficou evidente, por exemplo, num concurso público realizado em 2010 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) destinado a

104 preencher duas vagas de repórter no Jornal da Unicamp, veículo semanal de divulgação científica produzido pela assessoria de comunicação da instituição. A prova objetiva era composta de trinta questões, das quais dez (1 a 10) tratavam de conceitos jornalísticos; 20 (11 a 25) abordavam questões específicas de jornalismo científico, incluindo política científica e cultura científica; e cinco (26 a 30) questões tratavam de atualidades. Dos 120 inscritos, nenhum alcançou a nota mínima necessária (7,0) para passar à fase seguinte, sendo que 79 sequer atingiram a nota 5,0.

Os currículos dos candidatos revelaram tratar-se de um grupo composto em sua maioria por jovens, boa parte deles recém-formados, com predominância do sexo feminino e pouca experiência na prática jornalística. Nesse caso, uma possível explicação para o baixo desempenho dos inscritos, além da falta de vivência profissional, estaria numa formação acadêmica deficiente, o que não chega a surpreender dada a proliferação de faculdades particulares de Comunicação Social, cuja qualidade de ensino nem sempre acompanha o valor das mensalidades cobradas. Chama a atenção, porém, o fato de 21% deles terem complementado sua formação acadêmica com cursos de especialização, 9% com mestrado e 2% com doutorado.

Mesmo entre os profissionais que se especializaram na cobertura de Ciência e desenvolvem um trabalho correto, nota-se uma formação que privilegia os avanços científicos em detrimento dos aspectos políticos que cercam a Ciência. Geralmente, são repórteres experientes que acompanham as principais publicações internacionais, como as revistas

Nature e Science, bem como sites de grandes universidades no exterior, mas que dão pouco

importância à história da Ciência no Brasil, às dificuldades enfrentadas para a sua consolidação, sua posição no cenário mundial, sua importância estratégica, os diferentes grupos que a compõem e suas ideologias políticas, a feroz disputa por recursos e os critérios para sua distribuição. Ou seja, ao contrário dos países desenvolvidos, não se estabeleceu no Brasil uma cultura que considere a política científica algo relevante do ponto de vista jornalístico.

Prova disso é a irrisória cobertura da chamada grande imprensa sobre eventos que tratam de política científica. Quase sempre, esses debates não ultrapassam os limites das instituições

105 acadêmicas, científicas e políticas diretamente interessadas no assunto. Sua cobertura jornalística fica limitada aos sites ou revistas produzidos por estas próprias instituições, sem qualquer repercussão nos veículos de grande circulação. Em parte, porque mesmo quando são informados sobre tais eventos e dos temas que ali serão tratados, os pauteiros não conseguem perceber sua relevância por pura falta de conhecimento do assunto.

Em boa parte dos casos, a lógica que determina esse tipo de comportamento está diretamente subordinada à escassez de conhecimentos específicos, à falta de familiaridade com determinados temas ou à mera desinformação sobre o que se passa na área. É mais fácil pautar uma reportagem sobre bananas transgênicas do que contar a história sobre o contingenciamento de verbas dos Fundos Setoriais. Não que uma pesquisa sobre bananas transgênicas não seja importante, mas ignorar fatos que têm a ver com estratégias de desenvolvimento é reduzir a cobertura jornalística a uma vitrine de curiosidades que limita a função do Jornalismo Científico e limita a Ciência a um aspecto utilitarista.

De todo modo, essa tendência remete a uma outra hipótese apresentada para explicar o baixo índice de matérias sobre política científica na grande imprensa. O problema, nesse caso, não estaria na precária formação dos jornalistas e sim no próprio tema ―política científica‖, considerado distante dos interesses da população. Para muitos jornais, esse argumento é mais que suficiente para excluir o assunto do cardápio de notícias oferecido diariamente aos leitores. E, mesmo entre os profissionais especializados que desfrutam de boa reputação, há quem se apóie nessa tese para dar o assunto por encerrado.

A questão da cobertura de política científica é complicada e de difícil solução. Um dos problemas que a gente tem na Folha – e acho que não é só a gente – é que política vem fundamentalmente de Brasília. É preciso ter gente acompanhando o Ministério da Ciência e Tecnologia. Nesses cortes sucessivos de pessoal, acabou sendo uma área menos prioritária. Mas não é falta de interesse. A gente avalia que a quantidade de pessoas mais fortemente interessadas nesse assunto é menor. Não acho que o público em geral tenha tanto interesse em políticas públicas na área de ciência quanto tem em conteúdo da pesquisa e no impacto cultural da ciência. Os mais interessados são as pessoas da própria comunidade científica e de algumas áreas adjacentes, como alunos de universidade (LEITE In: MASSARANI, 2003, p. 146).

De fato, num país que investe menos de 1% do PIB em CT&I, não valoriza o ensino fundamental e tem uma história acadêmica tardia, assuntos relacionados à política científica

106 enfrentam enorme desvantagem na hora de disputar espaço na pauta dos veículos de comunicação. Boa parte da população não tem sequer ideia do que o termo ―política científica‖ significa. Entretanto, ainda que o interesse popular se revelasse inexpressivo por falta de cultura científica, caberia à mídia, no seu papel social, disponibilizar informações relativas à políticas de CT&I, uma vez que a construção dessa cultura científica depende, em boa medida, do papel desempenhado pela própria imprensa.

O papel fundamental exercido pela mídia na democracia, ao informar a população sobre os acontecimentos do cotidiano sócio-econômico-político do país, é uma questão sobre a qual hoje não pairam dúvidas. Mais do que isso, as concepções de democracia e cidadania – esta última, conseqüência direta da primeira – pressupõem o direito de o público ser bem informado sobre notícias e decisões que afetam sua vida. E, já que a pesquisa em C&T mobiliza grandes somas de recursos públicos, é também direito do contribuinte exigir informações sobre quanto, em que e para que se investe nessa pesquisa‖ (SILVEIRA; SOUZA In: LANDI, 2002, p. 11-3)

O desinteresse da mídia, porém, é antigo. Há quase três décadas Marques de Melo (1982) já assinalava o baixo interesse dos jornais pelos assuntos relacionados à política científica. Uma das explicações para esse comportamento reside no fato de o Jornalismo Científico seguir os padrões do jornalismo contemporâneo, cuja ideologia se manifesta através de duas características básicas: sensacionalismo (para vender a notícia é preciso despertar emoções do público consumidor) e atomização (o real é percebido não em sua totalidade, mas em seus fragmentos: política, economia, esportes, ciência, etc). E prossegue o autor:

Essas premissas nos ajudam a compreender a posição em certo sentido marginal do jornalismo científico ou a sua explicitação atrofiada. A marginalidade advêm do pequeno espaço que consegue conquistar no conjunto da superfície impressa dos jornais e revistas ou do tempo reduzido que ocupa na programação do rádio e da TV. A atrofia ocorre porque geralmente a presença dos fatos científicos no noticiário cotidiano se faz sob o signo do fantástico, do sensacional, do pitoresco, do inusitado. (MELO, 1982, ps. 19-20)

Os ingredientes apontados por Melo na composição do jornalismo científico contemporâneo são, a rigor, os mesmos que caracterizam o jornalismo na indústria cultural, na qual a notícia assume a forma de mera mercadoria, modelada para seduzir o mercado consumidor. Não é o caso, aqui, de nos alongarmos sobre o tema, de resto amplamente abordado por vários autores brasileiros e do exterior, como Adorno (1985), Arbex (2001), Bourdieu (1997), Bueno (1984, 1988), Caldas (1988, 1995, 2002, 2008, 2010), Cohn

107 (1975), Ferreira dos Santos (2001), Horkheimer (1985), Marcondes Filho (1984, 1986, 1993), Medina (1988), Teixeira Coelho (2000). Basta, por ora, destacar que nesse contexto, a mercadoria notícia -- no jornalismo científico em particular -- tem como elementos- padrão a factualidade, a superficialidade, a fragmentação e o espetáculo.

O fato de tratar-se a informação como mercadoria descartável faz com que os jornais limitem seus investimentos na cobertura de C&T. As equipes de repórteres especializados estão sempre reduzidas e sujeitas a cortes constantes. O ―loteamento‖ do espaço nas páginas quase sempre privilegia os anunciantes. Poucos profissionais têm tempo ou recursos para aprimorar seus conhecimentos, consultar publicações especializadas e estreitar o relacionamento com as fontes. A maioria tem de submeter-se ao ritmo industrial de produção intelectual. As pautas tornam-se burocráticas e muitas vezes apelativas. O grande prejudicado é o público, que recebe um material de baixa qualidade informativa, invariavelmente descontextualizado e limitado ao lado espetacular da notícia.

De uma maneira geral, o jornalismo científico brasileiro ainda é, em grande parte, calcado em uma visão mistificada da atividade científica, com ênfase nos aspectos espetaculares ou na performance genial de determinados cientistas. A ênfase nas aplicações imediatas da ciência é também generalizada. Raramente são considerados aspectos importantes na construção de uma visão realista sobre a ciência, com as questões de risco e incertezas, ou o funcionamento real da ciência com suas controvérsias e sua profunda inserção no meio cultural e socioeconômico. (MOREIRA; MASSARANI In: MASSARANI; MOREIRA; BRITO, 2002, p. 63). Neste cenário, uma divulgação científica competente e crítica, com o jornalista especializado atuando na interface entre a Ciência e a sociedade, ainda constitui um objetivo a ser conquistado. Apesar do grande avanço levado a efeito nos últimos vinte anos, o jornalismo científico em geral, e em particular a cobertura da política científica, ainda enfrenta gargalos cuja superação depende não apenas de uma nova postura do profissional de comunicação, mas também de investimentos no ensino de Ciência nas escolas de