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3.6 Falsificação do café e as análises químicas

3.7.2 A formiga e as lavouras em ―O Auxiliador‖

Dentre os problemas relacionados às pragas agrícolas mais divulgados em “O Auxiliador”, as “formigas” foram os que mais chamaram a atenção, não apenas pelo número de artigos relacionados, mas, também, pelos anos em que esse tema foi divulgado no periódico, de 1846 a 1876 (Tabela 8). Parecia ser uma dificuldade sem resolução, vivenciada não apenas pelos fazendeiros voltados para a produção cafeeira, mas pela produção agrícola, de modo geral, envolvendo qualquer tipo de lavoura.

Tabela 8: Artigos sobre as formigas nas lavouras, divulgados em “O Auxiliador”

Ano Autor(es) Seções Tema/Título do artigo

1846 5 - - Processo para afugentar e destruir as formigas

1847 5 - - Destruição das formigas

1851 9 - Indústria manufatureira

e artística Meios para afugentar e destruir formigas

1854 10 - - Extinção das formigas

1858 - Guilherme Benjamin

Weinschenck - Extinção das formigas

1859 - - - Aparelho para exterminar formiga saúva por

meio de corrente de gás de ácido sulfúrico 1859 - Joaquim Mourinho

dos Santos -

Formiga saúva: extrato de uma carta do Sr. Joaquim Mourinho dos Santos da Província de

São Paulo 1859 - Joaquim Moutinho

doa Santos - Extinção das formigas saúvas

1860 - Joaquim Moutinho

dos Santos -

Trabalho da formiga saúva (cultura do café entre outros)

1861 - Francisco Augusto da

Costa Comunicado Modo fácil de exterminar a formiga saúva 1869 2 Francisco José de

Freitas Agricultura

Memória que a Sociedade Auxiliadora oferece sobre a destruição da formiga saúva 1874 11 J. T. de Mendonça

Belém

Correspondência

agrícola Sobre a formiga saúva

1876 1 - - Formiga saúva

Fonte: Autor (2020)

O uso de certa quantidade de “cânfora”, aplicado diretamente na cova por onde entravam as formigas, foi destacado em “O Auxiliador” (1846, n. 5, p. 190-191), como um método adotado e extraído do livro de “Química Orgânica” de Raspail, para afugentar as formigas do local de contato com a cânfora.

Outro método adotava o uso de óleo, mostrando que quando era aplicado em certa quantidade no pano de linho, sendo, em seguida, introduzido no formigueiro, um método capaz de matar todas as formigas encontradas nas suas covas, além de afugentarem as que estavam fora daquele ambiente (O AUXILIADOR, 1854, n. 10, p. 332).

“O Auxiliador” (1851, n. 9, p. 351), que tratou do resumo publicado no “Jornal dos Conhecimentos Usuais”, fez diferenciação entre as duas possibilidades destacadas para evitar a presença das formigas na lavoura, afugentá-las e/ou destruí-las, pelo uso de “ferrugem de chaminé” ou “azeite qualquer”, aplicado ao tronco das árvores, o que iria afastá-las daquele ambiente ou matá-las, a partir da aplicação de uma mistura de cogumelos amassados, sabão e água, armazenados por alguns dias, sendo, logo após, pulverizados com noz, dentro das entradas dos formigueiros (O AUXILIADOR, 1851, n. 9, p. 352).

Outra proposta divulgada em “O Auxiliador” consistia em evitar que as formigas subissem nos troncos das árvores para terem acesso às partes superiores da planta, como as folhas, por exemplo, tratava-se apenas de fazer um “traçado em torno da árvore usando o giz”. Segundo “O Auxiliador” (1847, n. 5, p. 191), o artigo também orientava que o uso do giz poderia ser substituído por “alcatrão”, que também teria o mesmo efeito, sendo proposto por Boussingault (O AUXILIADOR, 1847, n. 5, p. 191).

A extinção das formigas parecia mesmo ser um assunto de grande importância entre os agricultores e demais leitores de “O Auxiliador”, foi o que mostrou a experiência de um produtor de café, que viu seus cafezais serem afetados pela formiga saúva, como relatou outro artigo sobre a “extinção das formigas”, publicado no periódico (O AUXILIADOR, 1858). Dessa vez, o uso de cânfora, ferrugem de chaminé, óleo, cogumelos misturados com sabão e água, giz, alcatrão, destacados em artigos anteriores (O AUXILIADOR, 1846, n. 5, p. 190- 191; 1847, n. 5, p. 291; 1851, n. 9, p. 351-352; 1854, n. 10, p. 332) deram lugar a um composto chamado de creosole, (O AUXILIADOR, 1858, p. 211), uma substância extremamente volátil, que quando aplicada nos “principais canais respiradouros” do formigueiro promovia a morte das formigas saúvas (WEINSCHENCK, 1858, p. 210).

No ano seguinte, “O Auxiliador” divulgou aos seus leitores um aparelho específico, para introduzir nos formigueiros um novo composto, o ácido sulfúrico, tornando a aplicação mais eficiente do que as formas manuais já apresentadas. Junto ao texto do artigo, mostrou-se, também, uma imagem do referido aparelho, bem como, as orientações sobre sua estrutura e funcionamento (O AUXILIADOR, 1859, p. 120), de acordo com a Figura 25, extraída do artigo mencionado.

Figura 25: Aparelho proposto para exterminar formiga saúva

Fonte: O Auxiliador (1859, p. 199-120)

Naquele mesmo ano de 1859, “O Auxiliador” ainda publicaria outros dois artigos ou pequenas notas sobre a “extinção da formiga saúva”, apresentando um novo aparelho que introduziria nos canais do formigueiro, gases provenientes da combustão da madeira (SANTOS, 1859, p.198-200; p. 359-361).

Além do café, outros produtos agrícolas, como trigo, milho e feijão também sofriam efeitos da presença da formiga saúva nos terrenos dessas plantações e, no artigo de Santos (1860), um novo aparelho foi apresentado aos leitores de “O Auxiliador”, que seria o melhor dentre todos os demais, já conhecidos pelos fazendeiros e agricultores. O aparelho, chamado de “máquina asfixiante”, teria o papel de introduzir por entre os canais de comunicação da formiga saúva, o gás asfixiante63 (SANTOS, 1860, p. 257).

A praga da formiga saúva era tida como uma das maiores inimigas dos agricultores no Brasil. Ele sugere a aplicação de uma nova mistura de três substâncias, a saber, o enxofre, o salitre e o carvão de pedra, que quando reduzidas a pó e introduzidas em um determinado molde para assumirem o aspecto de uma vela, ao serem acesas, seriam introduzidas na entrada principal do formigueiro, provocando sua asfixia e, consequentemente, sua morte em até duas horas (COSTA, 1861, p. 119-120).

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O Autor do artigo não esclarece qual seria a composição química do gás, ele o trata apenas como gás asfixiante.

A formiga saúva, segundo Freitas (1869, n. 2, p. 65), destruía as lavouras da seguinte maneira: “elas cortam as folhas das plantas para fazerem os ninhos aonde a saúva deposita seus ovos e se criam as larvas, pois que, cavado um formigueiro, acham-se as folhas nas panelas (ninhos) reduzidas à massa e nesta envolvidos os ovos ou as larvas, ninhos que depois são abandonados”. Essa forma de atuação era tão eficiente e causava tantas perdas nas lavouras que, na província do Rio de Janeiro, em uma assembleia, em 1857, seu presidente, aprovou uma lei que dava 50 contos de réis como prêmio para quem descobrisse um meio definitivo para acabar com as formigas saúvas. Fato que o motivou a testar um método inovador, que consistia em:

[...] envenenar coco com arsênico e outros narcóticos, porquanto indo este aderente aquele, seguia-se que logo que fossem depositados nos ninhos, estes ficaram mais ou menos envenenados e que as larvas, chupando o suco neste estado, ficariam mortas, mas isso não aconteceu, e os formigueiros progrediram como se nada lhes aplicasse (FREITAS, 1869, n. 2, p. 65).

A proposta de Freitas (1869, n. 2, p. 64-70), dentre as demais apresentadas em “O Auxiliador”, faria com que as próprias formigas saúvas carregassem o veneno para o formigueiro. Contudo, o método que consistia em sufocar as formigas usando uma mistura tóxica à base de enxofre, arsênico e gás (obtido do carvão de pedra) 64 que, quando introduzido no formigueiro, pelo aparelho inventado pelo autor mencionado (Figura 26), provocaria a morte das saúvas, não se mostrou eficiente.

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O carvão de pedra foi tratado como “uma mistura de substâncias derivadas do carbono”, dentre elas naftalina, parafina, benzeno e outras, de onde se extraía, também, o chamado “gás de iluminação” (O AUXILIADOR, 1862, p. 369). Além disso, O Auxiliador (1856, p. 85), no artigo: Riquezas minerais do Brasil: província do Rio Grande do Sul – Mina de carvão de pedra do Herval, divulgou duas figuras mostrando como seria o aspecto de uma mina de carvão de pedra (Anexo B).

Figura 26: Figura do aparelho de fabricação francesa, extraída de “O Auxiliador”, usado na experiência sugerida por Freitas

Fonte: Freitas (1869, n. 2, p. 70)

O aparelho proposto e apresentado na Figura 26 servia tanto para produzir ou extrair o referido gás, quanto para introduzi-lo nos formigueiros, podendo-se observar, após oito dias da sua aplicação, a morte de todas as saúvas, como observou Freitas (1869, n. 2, p. 64-70).

O uso das máquinas e da mistura de compostos tóxicos para a destruição das formigas saúvas não foram considerados viáveis como mostrou o artigo de Belém (1874, n. 11), que comenta que “O auxiliador” propõe meios de destruir a formiga saúva há mais de 20 anos, sugerindo a adoção de métodos baseados em diferentes misturas de substâncias tóxicas, introduzidas nos formigueiros por variados aparelhos.

Segundo Belém (1874, n. 11, p. 490-493), por mais importante que fosse a extinção das formigas para o agricultor, o perigo no uso de tais tóxicos e o alto preço das máquinas adotadas, bem como da sua manutenção e mão de obra na aplicação, mostravam que outros caminhos deveriam ser experimentados, citando, por exemplo, a experiência dos Belgas, que usaram os meios naturais para eliminar lagartas das suas lavouras, ou seja, introduzindo animais que se alimentavam dessas “pragas”.

Já no caso das formigas saúvas, caracterizadas como um problema para as lavouras do Brasil, especialmente a partir do início da segunda metade do século XIX, os predadores naturais poderiam ser tatus e tamanduás, como sugerido no artigo (BELÉM, n. 11, p. 490- 493), para o auxílio dos agricultores.

Não há registro, nos artigos dessa matéria em “O Auxiliador”, de que algum agricultor tenha adotado meios naturais para destruir a formiga saúva. Dois anos depois, o periódico já apresentava aos seus leitores uma nova proposta para destruir os formigueiros, empregando o chamado ingrediente formicida de Capanema. Esse produto era uma mistura líquida, extremamente volátil, e entrava em combustão com facilidade. O seu método de aplicação consistia apenas em despejar certa quantidade do líquido (ingrediente formicida), em todos os canais utilizados pelas formigas para acesso e ventilação dos formigueiros. Em seguida, provocava-se sua combustão e o calor gerado, bem como o gás produzido durante a reação química seria responsável por matar as formigas saúvas, como destacou o autor do artigo, comentando sobre a experiência com o ingrediente formicida, realizada na fazenda de Ricardo Guimarães na “colônia Porto Real”, na província do Rio de Janeiro (O AUXILIADOR, 1876, n. 1, p. 31-36).

Os artigos sobre o problema das formigas nas lavouras (Tabela 8) mostraram uma progressiva tentativa de combater a referida praga, primeiro pelo uso de substâncias químicas, cada vez mais agressivas às formigas, segundo pela forma de aplicação dos compostos, sendo o método manual substituído pelo uso de máquinas próprias para que o “veneno” fosse introduzido nos formigueiros, atingindo suas partes internas mais profundas. Assim, a análise dos artigos sobre as “formigas nas lavouras” do Brasil, em “O Auxiliador” revelou uma série de métodos adotados para combater a presença dessa praga no campo, prevalecendo o uso de produtos químicos.