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4. MUDANÇAS NA CAFEICULTURA E O PAPEL DE ―O AUXILIADOR‖

4.3 O beneficiamento do café em ―O Auxiliador‖: indícios da mecanização

4.3.2 Máquinas e funcionamento: a imagem fazia falta?

Diversos artigos sobre máquinas para beneficiar o café foram divulgadas pela SAIN, pelo periódico “O Auxiliador”, sem que se mostrasse nem mesmo uma imagem do aparelho para o fazendeiro. Contudo, isso não representava um problema que atrapalhasse sua possível compra. Como mostrou o artigo de Werneck (1861, p. 393-397), que deu um parecer sobre o “aparelho de secar café”, inventado por João Casanova, que estava em pleno funcionamento na fazenda do Manga Larga, para todos que quisessem ver seu funcionamento pessoalmente.

Segundo Werneck (1861, p. 393-397), tratou-se de uma estufa, semelhante as que já existiam e que já haviam sido divulgadas em “O Auxiliador”, capaz de secar todo o café da referida fazenda em até 60 horas. Porém, divulgou-se aos fazendeiros certas dificuldades no funcionamento do aparelho, que secava, de forma homogênea, todo o café que entrava na estufa, sendo, portanto, necessário, para evitar a carbonização do café, que o mesmo, só entrasse no aparelho quando estivesse em pleno estado, também homogêneo, de amadurecimento. Outro problema destacado foi o tamanho do aparelho, que demandaria uma fazenda muito bem estruturada (WERNECK, 1861, p. 393-397). Contudo, ressalta-se que o combustível usado no funcionamento da estufa na fazenda do Manga Larga, feito de “restos de palha e poeira de café pilado”, era digno de discussão, pois “o fogo produzido por esse combustível pareceu a comissão intensíssimo e violento” (WERNECK, 1861, p. 396).

“O Auxiliador” (1870, n. 5, p. 219-220) apresentou outra máquina de beneficiar café, dessa vez construída por ingleses, que servia para realizar, no mesmo aparelho, três operações importantes no beneficiamento de até 150 arrobas de café por dia, ou seja, uma inovação na mecanização cafeeira, pois esse serviço era executado por apenas quatro trabalhadores. O aparelho ocupava menos espaço para descaroçar, limpar e brunir o café já seco. Portanto, ela diferente das demais máquinas apresentadas aos leitores de “O Auxiliador”.

Outro aparelho divulgado, sem imagem, foi a “máquina a vapor, de descascar café”, inventada por Antonio Francisco dos Santos Marau (O AUXILIADOR, 1879, n. 4, p. 92), que

tentou fazer uma breve descrição sobre a estrutura, o funcionamento e as vantagens do aparelho:

Consiste em um esferoide dentado, metido em uma caixa de ferro da mesma forma. Em uma das extremidades tem o respectivo funil, onde se deita o grão, que depois de um movimento rotatório no interior da caixa, sai descascado por uma abertura situada na outra extremidade. [...] Segundo as explicações que nos deu o Sr. Santos Marau, a sua maquina avantaja-se ás até agora existentes, pela circunstância não só de descascar ao mesmo tempo o grão pequeno e grande, como também por não trilhar ou quebrar o mesmo grão [...]. Além disso, a máquina apresenta ainda outra utilidade, e vem a ser que, depois do café descascado e passado pelo respectivo ventilador, pode-se outra vez ser metido nela para brunir [...] (O AUXILIADOR, 1879, n. 4, p. 92).

Os artigos sobre mecanização das lavouras cafeeiras apresentadas em “O Auxiliador” sem a imagem do equipamento se destacavam por descrever as diversas vantagens para os fazendeiros que adquirissem a máquina, como no caso de Perez Júnior (1879, n. 9, p. 203), sobre a Cantagalense, assim chamada uma estufa automática para secar café.

Perez Júnior (1879, n. 9, p. 202-203) criticou a seca do produto pelos processos naturais, em terreiros na dependência da constante luz solar, divulgando entre os leitores de “O Auxiliador”, uma exibição pública, na corte, da Cantagalense em funcionamento, para que os fazendeiros pudessem constatar, pessoalmente, as vantagens da máquina inovadora, para secar o café. A máquina proposta é de baixo custo, sendo possível sua compra por qualquer produtor de café. Além disso, por ocupar um pequeno espaço físico, poderia funcionar em qualquer ambiente da fazenda de café, inclusive no meio dos cafezais, no momento da colheita (PEREZ JÚNIOR, 1879, n. 9, p. 203).

O tempo gasto pela Cantagalense para secar o café era de quatro horas para o fruto despolpado, ou de seis a dez horas para o não despolpado, sendo um único trabalhador necessário para operá-la, podendo secar de 50 até 2000 alqueires de café por dia. Contudo, a maior das vantagens destacadas no uso da Cantagalense foi a formação do envoltório pelicular do grão seco, “de valor comercial inestimável” (PEREZ JÚNIOR, 1879, n. 9, p. 203).

Segundo Perez Júnior (1879, n. 9, p. 203):

[...] a transformação do princípio amiláceo, existente na polpa, em dextrina formando um adesivo que prende fortemente a película sobre o grão, é perfeitamente obtida pelo aparelho, e essa aderência se forma de uma maneira admirável. Essa vantagem, que obsta à falsificação da cor do café por meio de agentes estranhos e nocivos, que demonstra ao consumidor que estas falsificações e alterações não foram tentadas, que, por isso, dá ao café um valor maior e uma procura superior nos grandes mercados obtém-se pela seca do mesmo em nosso aparelho, e tão perfeito a fazer inveja aos melhores despolpados”.

A inovação de permitir que durante o beneficiamento do café as características sensoriais fossem preservadas no produto, foi destaque em outros artigos sobre a mecanização

do cafezal, pois essa matéria se tornou muito importante para que o café brasileiro fosse reconhecido internacionalmente, por sua qualidade, aroma e sabor próprio. Nesse contexto, as máquinas de secar o café e suas vantagens continuaram a serem propostas e apresentadas em “O Auxiliador”, como foi o artigo do Dr. Lui Couty, sobre a Máquina de secar café (COUTY, 1880, n. 9, p. 201).

O artigo de Couty (1880, n. 9) revelou o funcionamento, as vantagens e considerações sobre o referido aparelho, testado com mais de 30 amostras de café maduro, despolpado ou não, no qual os grãos, após o processamento:

[...] adquiriram a cor natural, igual em todos os grãos o que dificilmente se encontra nos cafés de terreiro por causa do revolvimento sempre imperfeito. Tinham as qualidades de consistência e dureza, que os fazendeiros reconhecem pela resistência a pressão dos dentes, e os despolpados conservavam aderente [...]. Tinham aroma e, depois de algum tempo, superior até ao obtido de ordinário no terreiro. Preparada uma infusão com esses primeiros produtos obtém-se uma bebida muito boa, coisa rara sendo o café tão novo. (COUTY, 1880, n. 9, p. 203)

Segundo Couty (1883, n. 2, p. 35-39) diversas soluções têm sido apresentadas em “O Auxiliador” para resolver esse problema no beneficiamento do produto, dentre as quais a “máquina de secar café” segundo o Sistema Taunay-Telles, apresentado por Couty (1833, n. 2, p. 35) no qual “o café, depois de seco era descascado, ventilado, separado, brunido”, ou seja, um sistema único, que permitia desenvolver importantes etapas do beneficiamento do café, garantindo os variados aspectos relacionados à manutenção da sua qualidade, em cada uma delas.

Segundo Couty (1883, n. 2, p. 39):

[...] os cafés do Brasil não conseguirão criar marcas, e as remessas de melhor café, mais bem preparado, perfeito quanto a cor e ao aroma, são vendidos como de outras procedências. Em verdade, para tornar conhecida uma marca, é necessário poder dar ao consumidor produtos sempre similares a si mesmo e de qualidades comparáveis.

Couty73 (1880, n. 9, p. 35-39) destacou a importância das análises científicas, físico- químicas na determinação das propriedades do grão de café, secado pelos métodos tradicionais, em terreiros, e os processados mecanicamente, para que haja parâmetros de comparação entre diferentes metodologias disponíveis para o beneficiamento do café, para que o fazendeiro tivesse uma clara ideia sobre qual método adotaria no beneficiamento do café. Os cafés secos de forma natural, ou seja, na dependência da luz solar, davam ao café uma coloração não homogênea, além de superestimar a possibilidade de fermentação do grão,

73

O Dr. Luiz Couty era sócio efetivo da Sociedade Auxiliadora (O AUXILIADOR, 1879, n. 5, p. 97) e professor (Lente) de Biologia da Escola Politécnica (COUTY, 1880, n. 9, p. 201), contribuindo com diversos temas publicados em “O Auxiliador”, dando várias orientações aos leitores do periódico (O AUXILIADOR, 1881; 1882; 1883).

que tanto comprometia o seu aroma e sabor e depreciava o seu valor de mercado (COUTY, 1883, n. 2, p. 35-39).

Em outra proposta Cardoso (1880, n. 10, p. 223) destacou que as tentativas de invenção de máquinas para secar o café recém-colhido tem sido numerosas em “O Auxiliador”, tudo para evitar que o valioso fruto, quando processado, gerasse um grão que, quando torrado, moído e, posteriormente transformado em bebida, carregasse os diversos problemas subordinados ao café processado e beneficiado nas mais variadas condições não mecanizadas das fazendas de café.

Segundo Cardoso (1880, n. 10, p. 224), a secagem dos cafés, espalhados pelos terreiros, apresentam uma série de dificuldades já de conhecimento de todos os fazendeiros que desenvolviam o cultivo do café. Dentre os problemas podemos citar, como exemplo: “o tempo”, pois eram necessários, em alguns casos, cerca de 25 dias de sol intenso para se ter um café seco, com a coloração mais homogênea possível; as “chuvas”, o que implicava no recolhimento dos café dos terreiros e seu abrigo, gerando um aumento no número de “braços” para a execução de todas as etapas envolvidas no preparo e beneficiamento do produto.

Cardoso (1880, n. 10, p. 225) destaca que esses inconvenientes da seca do café nos terreiros poderiam ser resolvidos se os fazendeiros, leitores de “O Auxiliador” adotassem o sistema para secar o café no método a vácuo, que foi o título do seu artigo, publicado na seção de Mecânica Agrícola, chamado de “A seca do café pelo vácuo”. O método garante que todo o café, posto no aparelho que seca a vácuo, teria uma “cor uniforme”. Além disso, o “aroma” do produto, que se perdia durante a exposição do fruto nos terreiros, para serem secados naturalmente, seria preservado. O “peso” e a “facilidade no seu descascamento”, também eram vantagens desse mais novo processo para beneficiar o café, que tem sido divulgado em “O Auxiliador”.

Segundo Couty (1880, n. 9, p. 35-39), a indústria agrícola cafeeira no Brasil estava experimentando muitos avanços, especialmente quando se comparavam os melhoramentos observados entre a produção de café do Rio de Janeiro e de São Paulo e que o uso da mecanização no beneficiamento do café reduziria seu tempo de preparação, bem como o número de trabalhadores envolvidos, melhorando, em muito, a qualidade do produto e, consequentemente, o seu preço no mercado interno e externo.