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A torra do café e as substâncias químicas no sabor da ―bebida‖

O uso da química na determinação das características sensoriais do café seriam muito importantes para a caracterização do produto, antes e depois do processo de torrefação do grão, como destacou Rebelo (1833, n. 5, p. 1-19), afirmando que a torra do grão do café forma o tanino e uma substância volátil, fragrante e aromática, que não se sabia ao certo do que se tratava, mas que tornava o processo da torrefação um dos mais importantes no preparo da bebida.

Costa (1834, n. 11, 321-339) também discutiu sobre a torrefação dos grãos de café, como ela deve ser feita e os instrumentos mais adequados, que devem ser adotados. Todas as características do processo da torra do grão de café, feitas por Rebelo (1833 n. 5, p. 1-19) e Costa (1834, n. 11, 321-339) foram detalhadas, mais ou menos 14 anos depois em “O Auxiliador” (1848, n. 9, p. 333-344), sendo orientado que a torra, portanto, deveria ser feita em fogo brando, em uma panela que não transfira rapidamente, o calor do fogo para o café, uma panela de vidro, nesse caso, seria a ideal. Já o término da torra seria atingido quando o

grão assumisse uma cor brilhante de chocolate, colaborando para que as diversas propriedades do café sejam obtidas e preservadas.

Costa (1834, n. 11, 321-339) destaca que a etapa que antecede o processo de torra do café é também determinante, o grão estará pronto para ser torrado quando estiver “perfeitamente seco, difícil a quebrar com os dentes, de cor parda puxando a amarelo, perfumado, e sem nenhum cheiro estranho”.

Já Balmaceda (1882, n. 5, p. 102), afirma que a torrefação do grão de café, também adotada como uma forma de classificar o grão, foi muito importante no processo de aperfeiçoamento da qualidade do produto no Brasil, apresentando uma série de amostras de café à “Diretoria e Ilustradas Comissões classificatórias dos produtos na Exposição da Indústria Nacional”, pedindo aos participantes da exposição que se atentem para suas amostras de café, que passaram por diferentes processos de torrefação, devidamente experimentados, analisados e aperfeiçoados pelo autor, pelo uso do aparelho torrador, de sua própria invenção (BALMACEDA, n. 5, p. 102-109).

Segundo Balmaceda (1882, n. 5, p. 102-103), as amostras apresentadas na referida exposição foram submetidas a diferentes graus de torrefação. Para cada uma delas foi atribuída uma numeração, que variou de 01 a 17, sendo as de número 02 a 07, produtos de café que Balmaceda chamou de “fino de terreiro n° 1” e as amostras de 11 a 17, foram consideradas de “3ª qualidade (com defeitos) n° 10”, que “constituem também a perfeita torrefação”. Ao término do experimento, das observações e dos relatos dos estudos das amostras, feitos por pessoas competentes, cada amostra recebeu uma marca, referente ao seu sabor inconfundível.

Balmaceda (1882, n. 5, p. 103) destaca uma série de vantagens obtidas a partir do emprego aparelho torrador proposto, dentre as quais, a facilidade para a operação da máquina, que torra 100 Kg de café em até 12 horas de trabalho, serviço que pode ser feito por “um moço de 12 ou 14 anos”. Caso o motor do aparelho seja aumentado, ele poderá torrar até 600 Kg usando o mesmo tempo de 12 horas.

Os resultados obtidos por Balmaceda indicam que a caracterização da perfeita torrefação do café, pelo uso do aparelho torrador destacado, pode preservar certos aspectos relativos à qualidade do produto, bem como, algumas das propriedades físico-químicas, uma vez que, uma lata, com o café fino, torrado, hermeticamente fechada em 19 de outubro, quando aberta, 60 dias depois, apresentou o produto com a mesma consistência, o que seria uma vantagem importante na exportação do café, até ser consumido na forma de infusão. O artigo proposto destaca que os sistemas de torrefação do café existentes colaboravam para a

má qualidade do produto, pois durante o processamento do beneficiamento, o grão adquire aumento de volume, cor de finalização de torra e excessiva vaporização da mistura, antes do tempo (BALMACEDA, 1882, n. 5, p. 102-109).

Outro detalhe que deve ser levado em consideração é com a finalização do processo, ou seja, a preparação da bebida, a partir da infusão de uma quantidade satisfatória de café já torrado e moído. Sugere-se que seja na proporção de cerca de 70 g por quase meio litro de água, prestes a atingir sua ebulição, o que permitirá a plena extração e manutenção dos compostos voláteis no líquido obtido, garantindo a qualidade do seu sabor (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 333-344).

Análises químicas, citadas em “O Auxiliador”, destacando-se entre elas a do químico Schrader, revelaram diversos componentes químicos presentes no café, os quais são os verdadeiros responsáveis pelo seu aroma e sabor, dentre os quais podemos citar “um óleo volátil que caracteriza sua cor turva, quando recém-destilado, uma pequena quantidade de açúcar e uma substância particular cristalizável que se tem chamado de cafeína” (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 333).

Os Anexos II e III destacam as propriedades medicinais e as características Físico- Químicas atribuídas à cafeína atualmente. A história dessa substância mostra que foi identificada pela primeira vez pelo químico Runge, em 1820. Ela apresenta diversas propriedades físico-químicas, dentre as quais estão sua alta solubilidade em água, que se encontra em temperatura próxima de 100°C, como também foi visto pelo químico de nome Piaff (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 333-344). Isso também foi discutido em “O Auxiliador” em diversos outros momentos (O AUXILIADOR, 1880, n.10, p. 233; PECKOLT, 1882, n. 6, p. 128; O AUXILIADOR, 1887, n. 1, p. 16-17).

O periódico “O Auxiliador” (1880, n. 10, p. 233) destacou os resultados obtidos por Aubert e Haase, na determinação da cafeína no café, preparado por processos diferentes, que apresentaram resultados de análises das quantidades presentes no extrato obtido a partir da infusão do café, dissolvido em clorofórmio, evaporado, que quando diluída em éter, fornecia o teor de cafeína na amostra, indicando, portanto, não haver diferença na quantidade obtida de cafeína em cafés com diferentes graus de torrefação.

O artigo de Peckolt (1882, n. 6, p. 128) mostra o resultado de diversas análises químicas do grão, das flores e folhas do café em diferentes condições. Será destacado aqui, apenas a tabela com os dados das substâncias do café despolpado e com polpa do fruto (Figura 17), bem como os das folhas torradas (Figura 18).

Figura 17: Resultado da análise de 1 Kg de café

Fonte: Peckolt (1882, p. 128)

Nota-se na Figura 17 a riqueza de substâncias presentes no café com polpa do fruto ainda recente, em relação ao café despolpado recente, porém, com o pergaminho.

Figura 18: Resultados das análises químicas de 1 Kg de folhas frescas de café

Peckolt (1882, n. 6, p. 128) destaca que “[...] as folhas do cafeeiro podem ser empregadas como mate [...]. As folhas depois de caídas conservam por muito tempo a cafeína”.

De acordo com Schrader, citado no artigo “O Auxiliador” (1848, n. 9, p. 333-344) na análise do café (cru), destilado, além da cafeína, também são encontrados o tanino, que depois de isolado e cristalizado, tem cor escura, sabor meio ácido, meio adstringente e sem amargo e o ácido cafeico, que se volatiliza facilmente à medida que o café vai sendo queimado além do ponto.

A torrefação do café, até que ele fique totalmente negro, provoca algumas mudanças nas suas características. Ele perde, segundo Cadet, 24% de sua massa inicial. Já após a queima total do grão, até que sobre apenas suas cinzas, que totalizam 4% da sua massa inicial (como demonstrado por Schrader), encontram-se nesse percentual, os carbonatos, sulfatos, fosfatos, potássio, cálcio, magnésio, ferro e manganês, ou seja, um conjunto de minerais que não evaporou ao longo da torrefação do café (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 333-344).

As substâncias químicas do café após a torração foram também discutidas pelo químico francês Payen, que ao acompanhar as transformações assumidas pelo grão durante sua torra, verificou que a quantidade de cafeína se intensificou após a torrefação do café. Payen também demonstrou a existência do ácido clorogênico, combinado com a cafeína e com a potassa, ou seja, novas substâncias encontradas e caracterizadas no café, o que reforça as marcantes propriedades sensoriais encontradas na sua bebida que, segundo Payen, são mais evidentes no café torrado ligeiramente, até uma temperatura de 150°C (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 333-344).

Segundo Costa (1834, n. 11, p. 321-339), o resultado de um grão devidamente beneficiado, bem torrado e perfeitamente preparado após a sua infusão ou decocção, promove esse produto. Sua bebida, ou seja, aquilo que se obtém após sua infusão em água fervente, é útil para a digestão, fortificação do estômago, diminuição do sono e prevenção de doenças relacionadas a acidentes vasculares.

As análises realizadas por Schrader reforçam as diferentes características sensoriais do café, percebidas durante sua preparação até o seu consumo na forma de infusão, o que torna a bebida extremamente agradável, que ao penetrar no estômago espalha um doce calor pelo corpo, sendo de fácil digestão, “acelera a circulação, ativa as faculdades intelectuais, favorece a transpiração e todas as secreções” (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 335).

Registros feitos por determinados médicos indicaram outras propriedades medicinais do café57, como exemplo, tratamento de febre intermitente, enxaqueca e fraqueza do estômago, como mostrado pelo Dr. Grindel, dentre outros, destacando também, que o café bloqueia o sono, especialmente daquelas pessoas que não o bebem regularmente, explicando que, por essa razão, pessoas como Fontenelle e Voltaire, se serviam de sua infusão para executar suas atividades, especialmente leitura e escrita, eles tomavam café muitas vezes por dia, para ajudar na lucidez das memórias. Portanto, a bebida é de fato muito interessante de ser consumida, com muitas propriedades medicinais e que, no geral, não causa nenhum mal se consumido moderadamente (O AUXILIADOR, 1848, n. 9, p. 333-344).

Com tantas informações úteis sobre a composição e as propriedades químicas do café, divulgadas no periódico, os leitores de “O Auxiliador” puderam conhecer ainda mais a bebida do café e que esse importante produto agrícola poderia trazer muitos benefícios aos seus consumidores, pois apresentava diversas substâncias orgânicas com propriedades medicinais, que além de ser rico em diferentes minerais, que também são muito importantes a nossa nutrição, é uma bebida muito saborosa.