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O contexto da divulgação científica no início do século XIX no Brasil

Diversos pesquisadores e autores brasileiros, especialmente os historiadores das Ciências, da tecnologia, e demais áreas do saber, observaram nas suas análises que, no Brasil do século XIX, as transformações ocorridas nos mais variados campos da cultura científica, da sociedade, indústria, economia e política, foram marcadas pela chegada da família real e de toda a sua comitiva, vinda de Portugal, em 1808 (AZEVEDO, 1971; OLIVEIRA, 1999; MOTOYAMA, 2004; FREITAS, 2006; COSTA, 2007; BARRETO, 2009; FERREIRA, 2011).

Barreto (2009, p. 157-158) destaca que:

A abertura dos portos, a elevação a Reino Unido e, posteriormente, a Independência, colocavam o Brasil no rol dos jovens países que aspiravam ao reconhecimento político, econômico e social de sua nova condição [...]. No espaço colonial, o pensamento científico assumiu a finalidade de revitalizar a exploração colonial, num momento em que a mineração entrava em franca decadência e buscava-se, mais uma vez, o incremento do setor agrícola. Foi dado início, então, um processo de institucionalização do pensamento científico no Brasil com a contratação de ilustrados brasileiros no levantamento de recursos minerais, de implantação de jardins botânicos para o incentivo à produção agrícola e de criação de sociedades científicas.

A vinda da corte portuguesa para o Brasil foi uma consequência das imposições econômicas da França, de Napoleão Bonaparte, sobre a Inglaterra, que era, naquela época, século XVIII e XIX, um importante aliado comercial de Portugal. Sem condições de qualquer tipo de enfrentamento com o exército francês, correndo risco de ter seu país invadido, decidiu D. João desembarcar na colônia brasileira, trazendo consigo todos os membros da nobreza que pudesse (OLIVEIRA, 1999; RAMOS, 2009), os mesmos que Schultz (2007), no seu artigo, chamou de exilados.

De acordo com Oliveira (1999, p. 1):

Os navios vieram abarrotados de tudo quanto havia de valor: os tesouros do Estado, obras de arte, joias, móveis e pratarias. Misturado a tudo isso, vieram também vários embriões da cultura científica brasileira. Foi embarcada uma quantidade imensa de livros (toda a Biblioteca Real da Ajuda); uma instituição foi integralmente deslocada para o Brasil (a Academia de Guardas-Marinhas); um laboratório transferido (o de Antônio Araújo de Azevedo, futuro conde da Barca, que trouxe seus aparelhos científicos, sua biblioteca pessoal, manuscritos e sua coleção de estampas). Acompanhavam esses objetos uma plêiade de intelectuais versados em conhecimentos científicos, um grupo de membros da Academia de Ciências de Lisboa e uma quantidade significativa de professores, todos carregados de ideias e planos, ansiosos por aplicá-los na nova sede da monarquia.

Houve, nesse contexto, um grande interesse pela ciência e as atividades científicas na colônia, visto que no continente europeu e mais especificamente em Portugal, Inglaterra, Alemanha, França, dentre outros países, já se podia desfrutar de alguma transformação social, econômica e cultural, proporcionada pelo conhecimento técnico e usufruto das ciências, dos resultados das pesquisas científicas e daquilo que elas fomentavam na população (OLIVEIRA, 1997).

Todas as iniciativas propostas e implantadas pela corte, bem como, os resultados produzidos por elas, naqueles primeiros anos no Brasil, a partir de 1808, precisaram do total apoio do Governo português, da ampla divulgação entre os participantes e os espectadores desse processo, bem como da plena liberdade de circulação, para a consolidação dessas atividades (OLIVEIRA, 1997).

A criação da Impressão Régia do Rio de Janeiro foi um dos primeiros e mais importantes instrumentos adotados pelo novo império português, que refletiram a chegada da corte no Brasil e a sua vontade de facilitar a difusão de conhecimentos científicos e culturais na colônia (AZEVEDO, 1971; MOTOYAMA, 2004; FREITAS, 2006; BARRA, 2012). Segundo Barra (2012, p. 208), “a intenção de constituição de uma monarquia ilustrada no Brasil” exerce também um papel político e administrativo, que, em certo grau, indicava o patrimônio intelectual da Ilustração portuguesa.

O papel desempenhado pela Impressão Régia do Rio de Janeiro deveria ser, no entanto, de uma maneira que preservasse o pragmatismo das antigas tipografias imperiais, criadas ainda no século XVIII, como exemplo, a “Casa Literária do Arco do Cego” 30 de 1799 (HARDEN, 2011). Sendo assim, a Impressão Régia do Rio de Janeiro, funcionou divulgando os conhecimentos “úteis”, no contexto da ciência aplicada, fomentando o desenvolvimento do Império Português:

[...] por meio da tradução de manuais estrangeiros de matemática, medicina ou direito [...] da publicação ou reedição de memórias História Natural e Economia Política de autores estrangeiros ou portugueses. Mas, principalmente, buscando manter o espírito pragmático e utilitário da Ilustração portuguesa, cujo principal objetivo era superar o atraso cultural e a decadência política e econômica em que se encontrava o Império [...] transformando um momento de fraqueza em ponto de partida de um futuro glorioso para a monarquia. (BARRA, 2012, p. 209).

A tradução de artigos publicados na França e na Inglaterra, impressas pela “Casa Literária do Arco do Cego”, foi tema de uma análise realizada por Harden (2011, p. 317), que

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A Casa Literária do Arco do Cego publicou obras científicas e didáticas, voltadas para as Ciências da Natureza. Funcionou em Portugal, na capital Lisboa, de 1799 até 1801. Foi fundada por D. Rodrigo de Souza Coutinho, sendo dirigida pelo naturalista, botânico e tradutor brasileiro, frei José Mariano da Conceição Veloso (HARDEN, 2011; BARRA, 2015).

chegou à conclusão, de que os textos de prefácios e dedicatórias (chamados de paratextos), que acompanhavam as traduções em português, contribuíram para facilitar a aceitação do conhecimento iluminista por parte da comunidade Lusitânia.

Outras medidas importantes que podemos destacar foram a fundação de outras instituições, tais como, escolas, museus e bibliotecas e tudo quanto pode realizar D. João VI o Rei de Portugal, estimulando um ciclo de produção intelectual e econômica no Brasil colônia (AZEVEDO, 1971; FREITAS, 2006).

O espaço criado a partir da chegada da corte portuguesa, da criação da imprensa no Brasil possibilitou, o surgimento dos primeiros periódicos brasileiros, dentre eles: a “Gazeta Idade d‟Ouro”, uma publicação baiana, que circulou de 1811 a 1812, nela eram encontrados artigos sobre temas diversos, como exemplo, os acontecimentos e novidades que mais marcavam os baianos; “As Variedades ou Ensaios de Literatura”, surgida em janeiro de 1812, circulando até junho de 1823 (VIANNA, 1945; FONSECA, 1999; COSTA, 2007; IPANEMA, 2012; DOURADO, 2013); e o jornal brasileiro especializado em publicações sobre ciência e artes, cultura e letras, o periódico “O Patriota“ (FONSECA, 1999; COSTA, 2007; KURY, 2007; IPANEMA, 2012), que circulou com 18 números entre os anos de 1813 e 1814, divulgando artigos analíticos de poucas páginas, que valorizavam, acima de tudo, os conhecimentos científicos de fins utilitários (FREITAS, 2006; KURY, 2007).

O periódico “O Patriota,” citado como sendo o primeiro a publicar artigos sobre o café no Brasil (TAUNAY, 1935; TAUNAY, 1945), foi apontado por Dias (1968), no seu artigo “Aspectos da Ilustração no Brasil”, e Kury (2007), no livro “Iluminismo e império no Brasil: O Patriota (2013-2014)” como o pioneiro nas publicações brasileiras especializadas em ciências.

Kury (2007, p. 12) afirmou que:

O iluminismo „imperial‟ de O Patriota é didático e voltado para a experiência brasileira. Assim como as publicações do Arco do Cego, o jornal pretende formar leitores, agricultores, homens de ciência, escritores. Suas páginas dão ênfase ao pragmatismo das letras e das artes, à utilidade. Sem querer virar pelo avesso as crenças estabelecidas como alguns expoentes das Luzes francesas o fizeram, o periódico fluminense é conservador.

Os ditos conhecimentos úteis às ciências práticas, preconizadas pelo iluminismo, foram divulgados em “O Patriota”, Figura 6, nas suas diversas seções, dentre as quais, as de Agricultura e Química (FONSECA, 1999; FREITAS, 2006; KURY, 2007). Além disso, Costa (2007, p. 62) destacou que os artigos longos, de fácil leitura, muitas vezes ali publicados, revelavam uma característica própria do periódico - de ensinar aqueles conceitos por ele

difundidos, a um pequeno público letrado, formado pelos membros da elite daquele início de século no Brasil.

Figura 6: Capa do primeiro número do periódico “O Patriota”

Fonte: Biblioteca Brasiliana (1813)

Os artigos sobre os temas científicos publicados em “O Patriota” estavam sintonizados com as notícias divulgadas na Europa, o que poderia promover, entre nosso público intelectual, o conhecimento global dos recursos naturais e de tudo aquilo que poderia ser aproveitado, direta ou indiretamente da natureza no Brasil, que oferecia, para tanto, um interessante e diverso material que carecia de investigação, como exemplo, os diferentes tipos de madeira, as plantas medicinais, as árvores frutíferas, dentre outros aspectos naturais observados no nosso território (FONSECA, 1999; FREITAS, 2006; KURY, 2007).

Além dos periódicos: “Gazeta Idade d‟Ouro, As variedades ou Ensaios de Literatura e d‟O Patriota”, outras revistas foram observadas e consideradas de grande importância ao longo do século XIX, como destacou Pinheiro (2009), ao realizar um levantamento inicial na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, abrangendo os anos de 1840 até 1870, para a preparação da sua tese, tendo encontrado, na ocasião, mais de 40 periódicos diferentes.

Segundo Pinheiro (2009), todos os periódicos que ele encontrou na sua pesquisa, tinham, no título algum termo que revelava a presença de conceitos científicos ou, simplesmente, tratavam de publicações especializadas em ciências.

Para Pinheiro (2009, p. 130):

A quantidade de periódicos encontrada ilustra o quanto os estudos dos artigos científicos, nesses tipos de publicação, estão longe de se esgotar. Muito pelo contrário, representam um trabalho que ainda está por se iniciar [...]. Também endossa o esforço existente em criar e manter espaços de publicação tão necessários para a prática científica. Foram várias as iniciativas, parte delas efêmeras, porém se analisadas em conjunto, vemos que foram em número significativo.

As publicações analisadas por Pinheiro (2009), durante o desenvolvimento de sua pesquisa de doutorado, tiveram como foco apenas a produção textual dos periódicos “Revista Brasileira, Guanabara e a Biblioteca Guanabarense”. Tais textos foram escritos por cientistas brasileiros, de meados do século XIX, como exemplo, Frederico Leopoldo César Burlamaque, Guilherme Schüch de Capanema, Manoel de Araújo Porto Alegre, Francisco Freire Allemão e Manoel Ferreira Lagos, a cerca dos seguintes temas científicos: Agricultura, Botânica, Geologia e Zoologia.

Pinheiro (2009, p. 194) observou que “Esses periódicos, apesar de não serem considerados periódicos especializados em ciências, certamente, contribuíram para a formação da cultura científica da época”. Esse é o caso de “O Auxiliador da Indústria Nacional”.

Freitas (2006) destaca o protagonismo dos periódicos como importantes veículos de difusão de notícias científicas e que, a partir da sua expansão no século XIX, assumiram funções importantes no universo da ciência, uma vez que, os artigos publicados por diversos homens letrados: “registravam o conhecimento [...] legitimam disciplinas e campos de estudos, veiculam a comunicação entre os cientistas e propiciam [...] o reconhecimento público pela prioridade da teoria ou da descoberta” (FREITAS, 2006, p. 54).

De acordo com Freitas (2006, p. 54):

Antes do surgimento dos periódicos científicos [...] as notícias sobre a ciência, as técnicas variadas e as invenções eram veiculadas em folhetins, em volantes e em jornais cotidianos [...] o conhecimento mais especializado era comunicado por correspondências realizadas entre os cientistas ou enviadas às agremiações

científicas. Essas correspondências vão originar, no século XVII, as publicações científicas, as quais, ao contrário das anteriores, correspondências entre os estudiosos, são voltadas a um público mais amplo, embora específico.

Mesmo com todo o movimento protagonista dos periódicos de divulgação, segundo Freitas (2006, p. 64):

A realidade sociopolítica brasileira, até a década de 30, não se mostrava propícia aos periódicos especializados. E assim, o Brasil teve de esperar mais alguns anos para que aparecessem novos periódicos a difundir a ciência brasileira. E, para que se firmassem, foi necessário que estivessem apoiados em agremiações científicas, as quais fundaram um novo jornalismo científico, a partir de então. Nesta década, foram elas, principalmente, a Sociedade Auxiliadora Nacional (com seu periódico O Auxiliador da Indústria Nacional), iniciado em 1833 [...], o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (com a Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro), iniciada em 1839 [...] e a Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro (que publicou inúmeros periódicos, iniciando com o Semanário de Saúde Pública, em 1831). Essas três instituições tiveram um papel fundamental tanto na formação, quanto na comunicação da ciência no Brasil.

O objeto desta tese, o papel do periódico “O Auxiliador da Indústria Nacional” no desenvolvimento da agricultura voltada para a produção cafeeira no século XIX, passa, portanto, pela história do periodismo científico no Brasil, assim como pela influência exercida pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) e todo o esforço desempenhado por seus membros na captação de textos internacionais e nacionais, de interesse da indústria brasileira. Ademais são analisadas as discussões temáticas pelas assembleias entre os sócios da SAIN, as correspondências, a tradução de textos, dentre outras formas de comunicação, difundidas por artigos, pelo periódico da SAIN, fazendo-se conhecidas do seu público leitor todas as “novidades” sobre café, agricultura, ensino agrícola, mecanização das lavouras, dentre outros temas vivenciados dentro e fora do Brasil.