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O ―cafeeiro Fluminense‖ deve se preocupar com as pragas?

3.6 Falsificação do café e as análises químicas

3.7.1 O ―cafeeiro Fluminense‖ deve se preocupar com as pragas?

Depois de quase 30 anos da publicação do primeiro artigo que tratou sobre as pragas no cafezal, a carta sobre os Bichos que destroem o café (AGUIAR, 1834, n. 5, p. 144-145), “O Auxiliador” divulgou novos artigos (Tabela 7), que revelaram a caracterização de situações típicas enfrentadas pelos fazendeiros nos seus cafezais na província do Rio de Janeiro, onde se destacaram os Municípios de São Fidelis, Cantagalo, Valência e Vassouras, além de experiências vivenciadas em regiões fora do Brasil.

Tabela 7: Artigos sobre pragas atribuídas aos cafezais na segunda metade do século XIX, divulgados em “O Auxiliador”

Ano Autor(es) Seções Tema/Título do artigo

1861 - - Relatório

Comissão encarregada pelo Governo Imperial de investigar as causas do mal que ataca os cafezais

da Província do Rio de Janeiro 1861 - Guérin-Méneville

e Perrottet -

Sobre um inseto e um cogumelo que devastam os cafezais nas Antilhas

1874 1 - Entomologia

agrícola O Município de São Fidelis e a praga do café 1874 1 Dr. Lazzarini Entomologia

agrícola O Município de São Fidelis e a praga do café 1877 1

1 -

Patologia

vegetal A praga do cafeeiro

1879 2 - Patologia

agrícola Moléstia do cafeeiro em Cantagalo Fonte: Autor (2020)

O Auxiliador (1861, p. 369-373) relatou que os Municípios de Vassouras e Valência estavam sendo atacados por uma determinada praga, ainda pouco conhecida dos fazendeiros, que apesar de não estarem causando, também, maiores estragos nos cafezais, careciam de investigação e estudo, além de certa atenção por parte dos fazendeiros. Foi, portanto, apresentado aos produtores de café, naquela ocasião, uma série de informações importantes sobre as características e os produtos para combater o chamado “mal” que estava acometendo os cafezais da província do Rio de Janeiro.

Após a análise do “mal” nos cafezais dos Municípios de Vassouras e Valência, a comissão concluiu que:

Em todos os cafezais acometidos pela moléstia, a alteração limitava-se às folhas [...]. A alteração consiste em uma ou mais manchas que aparecem no limbo das folhas, apresentando estas como uma como uma espessura maior do que a normal, de cor escura, ou ferruginosa carregada [...]. Levantando-se a epiderme superior destas, vê- se em baixo um espaço ou lacuna resultante da destruição do tecido celular [...]. Quanto, finalmente, aos meios de curar a moléstia reinante nos cafezeiros [...], são as seguintes: 1° A limpa ou capina completa dos cafezeiros; 2º A queima das matérias capinadas juntamente com as folhas caídas dos cafezeiros; 3° Arrancamento das folhas muito atacadas, e sua queima [...]; 4º Repetição dessas operações muito amiúdas vezes até que o mal desapareça (O AUXILIADOR, 1861, p. 371-372).

As notícias sobre as pragas nos cafezais do Brasil se concentravam na província do Rio de Janeiro, naquilo que era observado e vivenciado nas fazendas e chegavam ao conhecimento dos leitores de “O Auxiliador”, principalmente pelos relatos dos fazendeiros, como o que ocorreu no Município de São Fidelis, nas possessões de São José de Leonissa e Ponte Nova, segundo Lazzarini (1874, n. 1, p. 15-26).

De acordo com o que foi relatado em “O Auxiliador” (1874, n. 1, p. 15-20), o Município de São Fidelis era essencialmente agrícola cafeeiro, não tendo sucesso com o cultivo de outros produtos agrícolas, como a cana-de-açúcar e o algodão. Por isso, o autor do artigo mostrou muita preocupação no seu relato, discutindo em “O Auxiliador”, “a praga do café no Município de São Fidelis”, bem como suas possíveis causas.

A referida praga não vinha do solo nem do clima. Contudo, uma opinião definitiva demandaria ainda muito estudo sobre esse problema, como ele mesmo constatou, a saber:

[...] qual será a causa de todo esse mal? Eis o que resta estudar [...]. Em 1871 limpando eu um cafezal que havia sido quase desbaratado pela peste, depois de arrancados os pés secos, no mesmo terreno plantei umas 500 mudas [...], e elas estão hoje com dois anos e frondosas [...]. A enfermidade apresenta-se começando a amarelar as folhas, vai indo a mais até que a árvore fica completamente seca. Nas folhas não tendo notado inseto algum, nem mesmo a célebre borboleta que há tempos tanto dano fez. Na raiz [...], nota-se haver pequenas formigas, em algumas já encontrei mesmo cupim, e em outras uma lêndea branca em quantidade. Porém na maior parte, se não na totalidade, nada se observa. Logo no princípio do mal arrancando-se a árvore, vê-se a raiz unicamente humedecida sem outra alteração. Quando a árvore está totalmente seca a raiz apresenta-se coberta de bolor e vai ficando podre a ponto de delir [...]. Penso, pois, que a mortandade do café [...] é o resultado proveniente dessa reprodução constante do mesmo gênero (O AUXILIADOR, 1874, n. 1, p. 17-18).

Naquela altura, a única forma de combater a praga com sucesso era cortando o arbusto, logo que suas folhas começassem a amarelar (O AUXILIADOR, 1874, n. 1, p. 15- 20). Ao comentar esse relato, Lazzarini (1874, n. 1, p. 21-26) destaca que, pelo que foi apresentado sobre a raiz do café, acometido pela praga, parece ser o mesmo problema enfrentado pelos franceses nas suas videiras, trata-se, por lá, da tizia, “um pequenino inseto de existência subterrânea, e que vai atacando as raízes das touceiras da vinha a quase um metro de profundidade” (LAZZARINI, 1874, n. 1, p. 22).

O mal, que atacava não só os vinhedos franceses, mas de outros países na Europa, tinha um ciclo de vida subterrâneo e aéreo, o que facilitava seu espalhamento pelos campos e que um inseticida eficaz para extinguir esse mal, deveria penetrar no solo, atuando sem prejudicar a planta. Nesse contexto, de todos os inseticidas que já haviam sido testados, o mais eficiente era: “o emprego de sulfureto de cal, com ácido fênico”. Contudo, diante dessa praga, que estava atacando os cafezais em São Fidelis, era necessário conhecer bem a entomologia do inseto, para, assim, propor os meios eficazes para sua destruição, como fizeram na Europa, evitando-se que o problema, por aqui, se espalhasse para os demais cafezais em toda a província do Rio de Janeiro (LAZZARINI, 1874, n. 1, p. 25).

Outra praga dos cafezais na província do Rio de Janeiro, também relatada em “O Auxiliador” (1877, n. 11, p. 550-557), é uma “lagarta” ou “broca” ou “ápteros” (inseto sem

asa), como muitos a classificam. A referida praga teria passado de outros vegetais para o café, pois os estragos causados por ela já eram conhecidos, no entanto, nesse último, ela teria tomado proporções assustadoras.

O artigo destaca a necessidade de estudar essa praga, seu modo de propagação entre os cafezais, para determinar um meio definitivo de destruí-la sem causar dano ao cafezeiro, pois o uso do sulfureto, uma substância química conhecida por matar a colônia dessa praga, mata igualmente os vegetais acometidos por ela, citando o exemplo do que ocorreu em Montevidéu, onde a referida substância foi usada para matar um tipo de “formiga carregadeira” (O AUXILIADOR, 1877, n. 11, p. 550-557).

Junto ao artigo em “O Auxiliador” (1877, n. 11, p. 550-557) foi vinculada uma carta que destaca que há mais de 20 anos, os produtores de café do Rio de Janeiro têm relatado sobre uma praga chamada de “cupim branco”, encontrada nos pés de café de onde o autor acredita ter vindo a referida “lagarta” ou “broca do café”. Revelando algumas características dessa praga, os locais onde ela vivia, desenvolvia-se, bem como as partes do cafezal que ela prefere predar, concluiu-se que, por ela viver de modo semelhante às formigas saúvas, os agricultores poderiam tentar introduzir nos cupinzeiros as misturas químicas que provocavam a destruição dos formigueiros e, consequentemente, das formigas.

Ainda na província do Rio de Janeiro, há o relato de outra moléstia que vinha acometendo os cafezais do Município de Canta Galo, atacando os cafezais localizados próximos a locais húmidos que, em oito dias, como resultado, perdiam todas suas folhas, ficando os ramos todos secos. A conclusão do artigo publicado em “O Auxiliador” foi que, pelas observações da raiz do cafezal atacado pela praga, o aspecto descrito após oito dias de contaminação se dá pelo fato da praga acometer as raízes da planta, onde praticamente todo o ciclo se desenvolve. É das raízes do café que a praga retira os seus nutrientes. Contudo, pouco se sabia sobre os meios de combater a praga e o artigo não dá nenhuma orientação nesse sentido (O AUXILIADOR, 1879, n. 2, p. 42).

“O Auxiliador” mostrou nas suas divulgações que os problemas relacionados às pragas agrícolas também eram vivenciados por outras regiões fora do Brasil, como no caso do artigo de Guérin-Méneville e Perrottet, que acompanhou o “Relatório da Comissão encarregada pelo Governo Imperial de investigar as causas do mal que ataca os cafezais da Província do Rio de Janeiro” (GUÉRIN-MÉNEVILLE e PERROLET, 1861, p. 369-377), no qual se relatou a presença de duas “moléstias” que atacavam os cafezais nas Antilhas, resultando na sua destruição total ou parcial.

Comenta sobre a importância da Entomologia para auxiliar o agricultor na compreensão e no combate às pragas nas lavouras. Pela ciência entomológica o autor descreve toda a estrutura de uma das moléstias investigadas e conclui que ela se tratava de uma novidade entre as demais, recebendo o nome de Elachista coffeella, “Elachista do cafezeiro”, que é, segundo Guérin-Méneville e Perrottet (1861, p. 378), “vizinha da Elachista clerckella de Lineu e Spartifoliella de Huber”.

O artigo vem também acompanhado de duas imagens da referida moléstia com dados que explicavam parte da Entomologia da Elachista coffeella (Figuras 21 e 22) e revelou que devia haver um predador natural para uma das fases da moléstia, que tem um ciclo natural, passando por larva e depois lagarta, em que se observava a destruição total ou parcial da folha do café, que era fonte de nutriente para essa moléstia. Em seguida, ela passava pela fase de casulo e depois virava uma borboleta, até que o ciclo se repetisse (GUERIN-MÉNEVILLE; PERROTTET, 1861, p. 369-377).

Figura 21: Dados entomológicos sobre a Elachista coffeella

Figura 22: Dados entomológicos sobre a Elachista coffeella, na sua fase de lagarta

Fonte: Guerin-Méneville e Perrottet (1861, p. 391-392)

Enquanto se esperava uma solução definitiva para esse “mal”, o agricultor deveria tomar algumas precauções, a saber:

[...] fazer cortar, ao mesmo tempo e em todos os pontos da colônia, no momento em que o inseto se achasse no estado de larva, os ramos dos cafezeiros que estivessem carregados de folhas, e de os queimar. A época que parece ser a mais favorável para esta operação seria [...] aquela durante a qual a temperatura está mais baixa, porque então a lagarta se acha como inerte e não pode transformar-se em borboleta [...] (GUERIN-MÉNEVILLE; PERROTTET, 1861, p. 380-381)

O artigo ainda orienta como deveria ser esse recorte dos galhos dos cafezais infestados pela referida “moléstia” e fala, também, de outra “moléstia” observada na mesma região. Tratava-se de um pequeno cogumelo que envenenava os cafezais, à medida que se espalhava pelos terreiros, entre as linhas de café, envenenando o solo, segundo relatos dos agricultores das Antilhas onde o “mal” teria sido observado (GUERIN-MÉNEVILLE; PERROTTET, 1861, p. 369-377).

Apesar de todas as pragas mencionadas, que merecem toda a nossa atenção, uma vez que os problemas enfrentados pelos produtores de café no Brasil no século XIX reverberaram em outros momentos históricos62, a produção cafeeira nas províncias brasileiras daquele século, principalmente as que foram acometidas pelos problemas citados, cresceram e se desenvolveram, independentemente das perdas ocasionadas pelas moléstias nos cafezais (Figura 23).

Figura 23: Dados estatísticos sobre a exportação de sacas de 60 Kg de café, do Brasil para o mundo, entre os anos de 1800 e 1882

Fonte: O Auxiliador (1883, p. 45)

A tabela apresentada na Figura 23 revela o contínuo aumento da exportação do café brasileiro para o mundo, cobrindo quase todo o século XIX. No ano de 1800, por exemplo, era apenas 10 sacas de café, cada uma pesando 60 Kg, 40 anos depois já havia saltado para

62

Taunay (1945, p. 52) relata sobre a borboletinha do café ou bicho de folha, que assim como Os bichos que destroem o café, também foi responsável por perdas consideráveis na cafeicultura fluminense, paulista e mineira, na primeira metade do século XIX. Essa mesma praga, que atua devorando as folhas do café, foi igualmente responsável por provocar a ruína nos cafezais das Antilhas em 1842.

1.307,921 sacas de 60 kg, em 1840, chegando a mais de 4 milhões no último ano da estatística, 1882 (O AUXILIADOR, 1883, n. 2, p. 45).

“O Auxiliador” (1883, n. 2, p. 45) não especifica de onde, majoritariamente, saía todo o café exportado, qual a província teria contribuído mais. Contudo, “O Auxiliador” (1874, n. 1, p. 40-41) mostrou, em um levantamento feito até 1873, que a maior parte do café que saía do Brasil para o exterior passava exclusivamente pelo Porto do Rio de Janeiro (Figura 18), se comparados os dados mostrados nas duas figuras (23 e 24).

Figura 24: Dados estatísticos sobre a exportação do café, em sacas de 60 Kg, pelo Rio de Janeiro, de 1800 a 1873

Fonte: O Auxiliador (1874, p. 40)

Entre os anos de 1800 até 1829 (Figura 24), todo o café que passou pelo Porto da província do Rio de Janeiro correspondeu, exatamente, a todo o café que foi exportado nesse

período (Figura 23). Depois desse tempo, os dados estatísticos começam a oscilar, indicando que o café produzido no Brasil, no século XIX, estaria sendo transportado por outros portos.