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4. MUDANÇAS NA CAFEICULTURA E O PAPEL DE ―O AUXILIADOR‖

4.3 O beneficiamento do café em ―O Auxiliador‖: indícios da mecanização

4.3.1 Máquinas em ―O Auxiliador‖ a serviço do cafeeiro

O direito e a propriedade da invenção no Brasil foram inaugurados pela Lei de agosto de 1830, a partir daí receberam registro “677 invenções, de 1830 até 1882”, ano em que uma nova Lei, de número 3129, de 14 de outubro de 1882, surgiu para modernizar o regulamento de patentes, sendo observado, a partir daí, um aumento significativo no número de concessões, saltando das 677 até 1882, para 2021, em 1895 (O AUXILIADOR, 1896, n. 1, p. 127-128).

“O Auxiliador” (1883, n. 1, p. 10) traz os detalhes da Concessão de Patentes aos autores de invenção ou descoberta industrial, Lei n. 3129, de 14 de outubro de 1882, que garantia ao autor do produto, “sua propriedade e uso exclusivo”. A Lei também definia o que poderia ou não ser considerado como uma invenção:

Constituem invenção ou descoberta para os efeitos desta lei: 1° A invenção de novos produtos industriais. 2° A invenção de novos meios ou a aplicação nova de meios conhecidos para se obter um produto ou resultado industrial. 3° O melhoramento da invenção já privilegiada, se tornar mais fácil o fabrico do produto ou uso do invento privilegiado ou se lhe aumentar a utilidade. [...] Não podem ser objeto de patente as invenções: 1° Contrárias a lei ou a moral. 2° Ofensivas da segurança pública. 3° Nocivas à saúde pública. 4° As que não oferecessem resultado prático industrial. [...] O privilégio exclusivo da invenção principal só vigorará até 15 anos [...]. (O AUXILIADOR, 1883, n. 1, p. 10-11).

As invenções, máquinas, patentes, concessões de privilégios divulgadas em “O Auxiliador”, mobilizadas pelas Leis de 1830 e 1882, período coberto pela publicação do periódico, impactaram significativamente a produção cafeeira, as operações envolvidas no beneficiamento do café e, consequentemente, sua qualidade, principalmente no produto que era vendido no mercado exterior, como mostrou o artigo de Jacob Van Erven70 (1855).

Erven (1855, p. 207-208) comenta, pela correspondência a SAIN, uma fala publicada num periódico sobre agricultura na França, do Secretário da Sociedade Auxiliadora, Manoel de Oliveira Fausto, sobre o beneficiamento do café no Brasil, que segundo J. de A. Ribeiro não estava avançando como deveria, que tanto as estufas como os despolpadores que se utilizavam não estavam dando resultados satisfatórios. Contudo, Erven rebateu a crítica sobre o beneficiamento do cafeeiro brasileiro, publicada no periódico francês, apresentando para a

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Jacob Van Erven era um Engenheiro holandês que se tornou parceiro de negócios e amigo do Barão de Nova Friburgo, Antonio Clemente Pinto, que juntos implantaram uma série de melhorias tecnológicas em diversas fazendas, com o objetivo de aperfeiçoar a produção cafeeira no Rio de Janeiro (MELNIXENCO, 2014).

Sociedade Auxiliadora e seus leitores uma série de resultados positivos, relativos à produção cafeeira das suas fazendas, dentre outras que ele administrava (ERVEN, 1855, p. 207-208).

Segundo Erven (1855, p. 207-208), ele mesmo teria mandado construir 22 estufas, de sua própria invenção, na província do Rio de Janeiro, com algumas poucas diferenças, mas que tinha mostrado melhor resultado do que as que já haviam sido apresentadas em “O Auxiliador” até então buscando melhorar e acelerar o processo de secar o café em diversas fazendas da província do Rio de Janeiro.

As referidas estufas, sob a responsabilidade de Erven, estavam em funcionamento há sete anos, contudo, além dessa máquina, outros elementos relativos ao beneficiamento do café também estavam colaborando para o alto preço pago pelo café, vindo das fazendas mencionadas por Erven (1855, p. 207-208).

As quantidades do café das fazendas de Erven ou das que estavam sobre sua administração, que se exportam para a Europa, eram de qualidade igual ou até melhores do que os da Jamaica, Java e Ceylão. As referidas propriedades, como exemplo, as do Barão de Nova Friburgo, as de Clemente e Bellieni, de Rafael Ignácio da Fonseca Lontra, dentre outras, apresentavam um modelo exemplar de beneficiamento do café, o que incluía uma série de melhoramentos, voltados para a produção de grãos e de uma bebida de elevado sabor, a saber:

Terreiros de pedra, cobertos com argamassa, que coadjuvados com as estufas secam todo o café das colheitas [...]. Nas mesmas fazendas [...], trabalham movidos por água com força de ação direta, e reação, engenhos de pilões, ribas, despolpadores aperfeiçoados, que despolpam 1200 alqueires de café por dia, ventiladores, separadores para limpar e igualar o grão, burnidores contínuos da minha invenção, que lustram o café sem quebrar, com a última perfeição [...]. A mesma cultura tem melhorado consideravelmente pelo roteamento das fazendas [...]; o emprego de braço livre e inteligente [...], estes e outros muitos pequenos aperfeiçoamentos tem facilitado o trabalho e aumentado o produto relativo (ERVEN, 1855, p. 207-208).

A estufa para secar o café parecia ser uma revolução para o beneficiamento do café naquele momento histórico, pois além de ser alvo de discussão de Erven (1855, p. 207-208), que rebatia um artigo que havia sido publicado num periódico francês, foi também, fonte de discussão do artigo de Weinschenck (1858), Werneck (1861), dentre outros (Tabela 9) que “O Auxiliador” seguiu divulgando até suas últimas publicações (O AUXILIADOR, 1889, n. 3, p. 64-65).

A Tabela 9 traz uma lista de artigos divulgados em “O Auxiliador”, com o objetivo de apresentar os melhoramentos para a produção cafeeira no Brasil do século XIX, além das estufas para secar o café, o periódico também ofereceu descascadores, despolpadores,

diferentes tipos de arados (conhecido também como charrua) 71, torrefadores, separadores e, até mesmo, um aparelho para coletar amostras de café já ensacadas e prontas para a exportação.

Tabela 9: Artigos sobre máquinas e concessões destinadas ao beneficiamento do cafeeiro, divulgados em “O Auxiliador”

Ano Autor(es) Seções Tema/Título do artigo

1858 -

Guilherme Benjamin Weinschenck

Indústria Preparação do café 1861 - Luiz Peixoto de

Lacerda Werneck -

Parecer da comissão encarregada de examinar o aparelho de secar café do Sr. Casanova

1870 5 - Variedades Máquina de preparar e beneficiar café

1874 1 - Notícias

agrícolas

Secador de café: extraído do Jornal Monitor Campista

1877 9 Luiz Correia Lavoura A poda e o arado na lavoura de café no Município de Cantagalo

1878 3 - Mecânica

agrícola

Máquina de descascar café e arroz (com imagens)

1878 7 - Mecânica

agrícola Máquina de despolpar o café (com imagem)

1879 4 - - Bonificação do café

1879 9 - Mecânica

agrícola

Descrição da máquina – Santa Cruz (com imagem) - café

1879 9 João Antonio da Silva Perez Júnior

Mecânica

agrícola Estufa automática para secar café 1879 12 - - Cultura do cafeeiro: aplicação do arado 1880 9 Dr. Luiz Couty Mecânica

agrícola Máquina de secar café 1880 10 Daniel Pedro Ferro

Cardoso

Mecânica

agrícola A seca do café pelo vácuo 1882 5 Manoel Antonio

Balmaceda

Indústria manufatureira

Breves considerações sobre o café e sua torrefação e aperfeiçoamento

1883 2 Dr. Luiz Couty Mecânica

agrícola Máquina de secar café

1885 10 - Indústria

nacional Máquina de separar café Moka Brener

1887 1 - Indústria

nacional

Relatório da invenção de preparar ao vácuo o café em grão

1889 3 - - Pedido de privilégio de 15 anos para a máquina de secar café

1889 8 - Indústria

nacional

Pedido de privilégio de 15 anos para um aparelho de descascamento de café

1890 1 Indústria

Nacional

Pedido de privilégio de 15 anos para um limpador de café e coco

1892 3 - Indústria

nacional

Pedido de privilégio de 15 anos para um novo sistema de tirar amostras de café sem deteriorar os sacos e aparelho para esse fim

Fonte: Autor (2020)

Weinschenck (1858, p. 103-112) analisou os “métodos adotados para secar o café”, a partir da aquisição de estufas, destacando que o bom preço que se tem pagado pelo café depende, em grande parte, dos processos envolvidos na sua seca e que a adoção dos “terreiros naturais” demanda uma série de aperfeiçoamentos para a boa execução desse serviço, por exemplo, devem ser construídos em um local da fazenda onde haja incidência constante da radiação solar e pouca humidade. O solo deve ser altamente compactado e não deve se comunicar com o café durante sua seca.

O emprego de estufas, segundo Weinschenck (1858, p. 103-112), embora seja mais caro do que o uso de “terreiros naturais” traz ao fazendeiro uma série de benefícios, por exemplo, o trabalhador e o produto ficam no abrigo da humidade e do sol, o café é mais bem aceito pelos compradores. Há também a economia de tempo e de serviço braçal.

O processo de secar o café recém-colhido era uma das operações mais importantes no beneficiamento desse produto. Os métodos que não empregavam mecanização necessitavam de luz solar constante, abrigo da humidade, durante a noite ou em períodos chuvosos, grande mão de obra, de uma considerável extensão da fazenda, separada das demais, de solo muito bem batido, para que o café fosse espalhado e a intensidade do contato entre o terreno e o fruto fosse minimizada. Assim, “O Auxiliador” procurava divulgar os melhoramentos proporcionados pela mecanização na produção cafeeira, noticiando sobre máquinas para beneficiar o café, como no caso do Secador de café, apresentado em “O Auxiliador” (1874, n. 1, p. 35-37).

“O Auxiliador” (1874, n. 1, p. 35-37) destaca que o inventor da máquina, chamado de José Guardiola, um fazendeiro de café na Guatemala, ao perceber que a luz solar era insuficiente para secar todo o seu café tratou de “inventar” a máquina que se destacava por não alterar o sabor nem a cor do café, além de ter sido premiada em 1873, pela agência do Jornal Americano Científico, comprovando, portanto, sua eficiência. O artigo citado não traz nenhuma imagem da máquina de secar o café, mas explica sua estrutura e funcionamento, informando aos leitores de “O Auxiliador” que todos os questionamentos sobre o aparelho poderiam ser dirigidos diretamente ao inventor, com o auxílio do periódico.

As imagens de máquinas, plantas, animais, dentre outras, passaram a ser divulgadas em “O Auxiliador” na segunda metade do século XIX (1853, n. 9, p. 322-326). Assim, até o fim da circulação do periódico, várias imagens dos aparelhos voltados para a mecanização dos cafezais foram anunciadas nas publicações (O AUXILIADOR, 1878, n. 2, p. 33-39; O AUXILIADOR, 1878, n. 3, p. 61; O AUXILIADOR, 1878, n. 7, p. 251; O AUXILIADOR, 1879, n. 9, p. 203).

A imagem extraída de “O Auxiliador” (Figura 28) foi apresentada em uma nota do periódico e traz a “máquina de descascar café e arroz”, sendo inventada por Daniel Lombard, da cidade de Boston, nos Estados Unidos da América (O AUXILIADOR, 1878, n. 3, p. 61).

Figura 28: Desenho da máquina de descascar café, inventada por Daniel Lombard, da cidade de Boston – EUA

Fonte: O Auxiliador (1878, p. 61)

Apesar de não dar esclarecimentos sobre o funcionamento do “descascador de café”, o artigo afirma que ela é, “segundo experiência” realizada, muito econômica, no processo de descascar o café, além de poupar trabalho humano na execução dessa operação (O AUXILIADOR, 1878, n. 3, p. 61).

Outro artigo (O AUXILIADOR, 1878, n. 7, p. 151-154) teve como objetivo a divulgação da “Máquina de despolpar café”, aos leitores de “O Auxiliador”, mostrando uma imagem do aparelho (Figura 29) e discutindo as vantagens do seu uso no beneficiamento do café.

Figura 29: Imagem da máquina de despolpar café, inventada pelo venezuelano J. A. Mosqueda

O fazendeiro que adquirisse a máquina (Figura 29) para usá-la na sua propriedade veria seu café secar sem baga72, no terreiro da fazenda, evitando todos os processos de preparação que contribuíam para a perda da qualidade do grão beneficiado. Além disso, a máquina, quando era comparada às demais, capazes de realizar os mesmos processos, ocupava menos espaço físico, o produto secava com muito mais rapidez, com grãos menos danificados, recebendo um melhor preço no mercado externo (O AUXILIADOR, 1878, n. 7, p. 151).

A cada invenção ou máquina divulgada no periódico “O Auxiliador” novas possibilidades para o melhor beneficiamento do café eram possíveis aos fazendeiros brasileiros, como foi o caso da Descrição da Máquina de Santa Cruz (Figura 30), publicada em “O Auxiliador” (1879, n. 9, p. 203), que trouxe uma descrição detalhada do equipamento, um descascador integrado com separador e ventilador, inventado pelo Sr. William Austin Brow, com imagem e explicação do seu funcionamento.

Figura 30: Máquina de Santa Cruz, privilegiada pelo Decreto de n. 7382 de 19 de julho de 1879

Fonte: O Auxiliador (1879, p. 203)

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O café, na forma de fruto maduro, seja recém-colhido ou ainda no arbusto, recebe o nome de baga ou cereja, “por ser do mesmo tamanho, forma e cor de uma cereja verdadeira. Sob a pele vermelho-vivo encontra-se a polpa, uma substância amarela, doce e viscosa, que se torna espessa no centro do fruto, envolvendo os grãos de café, que, na realidade, são as sementes” (AZEVEDO, 2012, p. 1).

A referida máquina deu ao fazendeiro a possibilidade de ver o seu café seguir o seu processamento, em curso único, estando ele despolpado ou não e, ao final do processo, o produto final estaria totalmente separado das cascas, dos restos de madeira, terra, dentre outros detritos, pronto para ser brunido, adquirindo tamanho, forma e polimento homogêneo (O AUXILIADOR, 1879, n. 9, p. 203).