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Fundador do Mouvement Économie et Humansisme

3.6. A fundação da SAGMACS em São Paulo, Brasil

A Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais – SAGMACS foi fundada oficialmente na cidade de São Paulo, em 1947, tendo como seus dirigentes o Engenheiro politécnico Prof. Luiz Cintra do Prado, o Engenheiro Eletricista Prof. Lucas Nogueira Garcez e o Frei dominicano Benevenuto de Santa Cruz. Esta iniciativa colocou o Brasil na rota do Mouvement Économie et Humanisme e instituiu a cooperação técnica entre Brasil e França e, consequentemente, entre os membros ligados a Lebret em Lyon e à SAGMACS em São Paulo.

Conforme apontamos anteriormente, a instituição da SAGMACS no Brasil esteve vinculada à vinda do padre Lebret no mesmo ano, na ocasião em que ofereceu a disciplina de Planejamento Econômico e Economia Humana no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais junto à ELSP – Escola de Sociologia e Política, em uma visita a São Paulo e demais países da América Latina. Neste período, o Mouvement Économie et Humanisme foi bastante difundido no Brasil e desta forma ganhou forças para ter em São Paulo um grupo de intelectuais vinculado a Lebret, na França.

Porém, é importante relembrar que o Brasil vivia um período de extrema complexidade política. O período conhecido como Estado Novo, empreendido pelo presidente Getúlio Vargas, havia terminado e Eurico Gaspar Dutra, ex- ministro da Guerra (1936-1945), sido eleito presidente da República, em

eleições diretas em 15 de novembro de 1945, pelo PSD – Partido Social Democrata, em coligação com o PTB de Vargas. Devido ao desenvolvimento obtido pela industrialização ocorrida no país durante a segunda-guerra mundial, o Brasil detinha significativo saldo na balança comercial e assim vislumbrava fazer parte do hall de países modernos e desenvolvidos do mundo.

Conforme nos aponta Lícia Valladares, neste período, “a vida política no

Brasil se caracterizou por uma presença crescente dos comunistas, e pela necessidade de a igreja católica reagir à ascensão do marxismo. Naquele momento, cristãos e elites anticomunistas buscavam um projeto político para uma sociedade em plena reconstrução” (2005, p. 79). Dessa forma, a elite e o

governo perceberam a necessidade de adotar um discurso social mais conciliador, visando o afastamento das ambições socialistas.

Neste contexto, São Paulo, através de sua indústria, esbanjava os lucros obtidos com o advento da industrialização recente e projetava-se como a cidade brasileira melhor preparada para alinhar-se com as demais capitais de países desenvolvidos, mundo afora. Tal fato, por si só, já aguçou a curiosidade de Lebret em entender e interpretar o que esta cidade industrial brasileira teria de coincidências e diferenças em relação às cidades industriais francesas 66.

Esta condição de cidade desenvolvida, alcançada por São Paulo, também a fez superar a capital federal – Rio de Janeiro, em importância política, ao menos no que diz respeito ao empresariado industrial local. Estes empresários pretendiam consolidar-se enquanto a nova elite econômica e política não só de São Paulo, mas também do Brasil, e por isso passaram a pensar em um projeto de nação, que para eles encontrava-se ausente do governo de Dutra.

As idéias de desenvolvimento harmônico difundidas pelo padre Lebret no Mouvement Économie et Humanisme o qualificaram como uma autoridade na área do desenvolvimento econômico – conforme já demonstramos anteriormente – e por isso, no Brasil, ele causou grande interesse ao empresariado industrial

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Em 1951, Lebret publicou no Cahiers d’Économie Humaine nº 2-3, publicação trimestral mantida pelo Centre d’Etude des Complexes Sociaux do Mouvement Économie et Humanisme, um artigo intitulado “Connaitre une population”, aonde é apresentado um estudo sobre a cidade de São Paulo, chamado de “Le logement de la population de São Paulo (Brésil)”, apontando as diferenças entre a cidade industrial brasileira e as cidades industriais francesas.

paulista. Estes, por sua vez, buscavam uma maneira de alavancar o Brasil enquanto grande potência mundial, e então sentiram que naquele momento a possibilidade era real, em função dos custos que os países europeus haviam tido com a reconstrução de suas cidades, no pós-guerra. Lebret também enxerga no Brasil e em demais países do chamado terceiro mundo tal possibilidade. Porém, não queria repetir os mesmos erros que os avanços do capitalismo causavam na Europa. Verificando os anseios da elite na construção de novos valores para a sociedade brasileira, e a tentativa em adotar um discurso social conciliador, Lebret reconheceu no Brasil a possibilidade de implantar uma espécie de laboratório para suas idéias acerca do desenvolvimento harmônico.

Em São Paulo, o Mouvement Économie et Humanisme não chegou a se constituir enquanto uma organização social ou centro de estudos, a exemplo de Lyon, na França. Porém, a SAGMACS foi constituída como este braço institucional de EH no Brasil, com o objetivo de realizar trabalhos e estudos aplicados. Daí o nome de Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais, que em seu início esteve vinculada a intelectuais de notoriedade, entre homens da elite industrial paulista. E foi neste meio que Lebret difundiu seus conhecimentos, visando chegar ao aparelho do Estado e assim apresentar serviços no âmbito da planificação econômica.

Esta parceria com a elite industrial foi tão rendosa a Lebret que levou a SAGMACS a ter sua primeira sede, instalada no Jockey Club de São Paulo, com espaços reservados aos diretores da equipe, que já começavam a estruturar trabalhos para possíveis parceiros e investidores. Além disso, é importante notar que, neste primeiro momento, a SAGMACS era subsidiada pelo Jóckey67.

Causa a nós, no mínimo estranheza quanto esta vinculação da SAGMACS com o Jóckey Club, pois render-se a uma parceria com o Jóckey não

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O Jóckey Club de São Paulo foi fundado no final do século XIX por 73 sócios oriundos da elite paulistana. Entre os seus fundadores destaca-se Rafael Aguiar Paes de Barros, jovem empresário defensor da república e dos avanços modernos em São Paulo. Apesar das dificuldades impostas a sua atividade fim – Corrida de Cavalos – ter sofrido inúmeros reveses ao longo de sua existência, a Associação Jóckey Club nunca deixou de funcionar como uma sede de encontro da elite empresarial paulistana, servindo inclusive como local para articulações políticas e encontros empresariais.

nos permite afirmar, neste período, que haveria possibilidade de uma vinculação de economia harmônica e muito menos à esquerda. Pois, os dirigentes e freqüentadores do Jóckey identificavam-se com uma doutrina econômica capitalista, no mínimo mais monetarista do que progressista, permitindo-nos identificá-los num campo de centro-direita, movimento contrário ao qual a historiografia consagrou as ações de Lebret, tido por estudiosos como um homem progressista, mais vinculado à esquerda, tendo alguns autores atribuído a ele simpatia ao comunismo. Porém, este quadro expressava a complexidade política e social por que passava o Brasil, onde empresários, amedrontados com as aspirações comunistas e o crescimento destas em meio aos trabalhadores, buscavam suavizar seus discursos, tentando demonstrar conciliação de interesses.

É por isso que Lamparelli (1994) aponta a existência de três períodos distintos na cronologia da SAGMACS e de suas atividades, que duraram cerca de quinze anos. Segundo Lamparelli, podemos dizer que existe neste primeiro momento a vinculação da equipe a esta elite industrial, por necessidade de institucionalização enquanto sociedade civil organizada, para realização de serviços no campo da planificação econômica e dos levantamentos sociais. Porém, durante os anos 1950, a SAGMACS tornou-se uma organização social responsável por estudos urbanos sobre a cidade e, mais tarde de planejamento urbano e regional.

Neste sentido, é importante situar que Lebret, já reconhecido como economista, buscou como inspiração para seus estudos sobre a cidade, o urbanista francês Gaston Bardet, que entre 1943 e 1948 havia publicado alguns artigos na revista do EH. Segundo Choay (1983: p. 253), o trabalho de “Bardet é

reconhecido nos anos 1930 pela sua oposição ao urbanismo progressista de Le Corbusier, em decorrência de uma aproximação mais culturalista da cidade tornando-se o principal promotor desta corrente na França”.

É importante mencionar que, além de Bardet, a formação urbanística de Lebret também foi marcada pelo trabalho de Patrick Geddes e Lewis Mumford, que somados a Bardet fizeram com que o padre dominicano pensasse em um espaço urbano autenticamente comunitário. Este ideário do urbanismo lebretiano encontra-se de certo modo em consonância com o urbanismo de

Anhaia Mello, professor e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, homem de grande prestígio no meio político e intelectual.

Se é verdade que o padre Lebret conseguiu penetrar em certos meios políticos através de suas relações com Lucas Garcez e Josué de Castro, é fundamental assinalar que desde a sua primeira estada no país, [...], a universidade brasileira não lhe havia aberto as portas, como fizera para outros franceses ou não, com um perfil mais acadêmico. Também é bom lembrar que a Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), que acolheu o padre, não fazia parte da USP. A própria Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que havia trazido ao Brasil personagens como Braudel, Lévi-Strauss, Monbeig ou Bastide, não recebeu Lebret (Valladares, 2005, p. 80).

Dessa forma, é fundamental destacarmos a contribuição de Anhaia Mello em relação à abertura das portas da USP para Lebret, através da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e não da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Através desta aproximação da SAGMACS com a FAU, foi possível despertar em alguns dos seus alunos o interesse pelo trabalho urbanístico junto a Lebret 68.

Voltando seu campo de atuação mais para a questão urbana e regional, em 1953 a SAGMACS foi contratada pelo então Governador Lucas Nogueira Garcez, para realização de um plano de eletrificação do Estado de São Paulo. Garcez solicitou a presença de Lebret para a coordenação deste plano, porém era necessário retirar as restrições que haviam sido impostas pelo Vaticano, quando do retorno do padre ao Brasil, e então, juntamente com o Cardeal Carlos Mota, Garcez intermediou num esforço conjunto o retorno do padre Lebret a São Paulo.

A contratação da SAGMACS pelo governo estadual paulista, deu início ao que Lamparelli e Leme chamam de segunda fase de trabalhos da equipe, quando teve início a conotação de um organismo de consultoria em planejamento urbano e regional.

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Neste sentido, Leme, Lamparelli e Valladares salientam a importância de Lebret numa contribuição inaugural nos estudos de planejamento urbano em São Paulo, descrevendo detalhadamente seus aspectos metodológicos.

O estudo das “Necessidades e Possibilidades de Desenvolvimento do Estado de São Paulo” foi coordenado por Lebret e pela primeira vez a SAGMACS formou uma equipe ampla, com profissionais das áreas da economia, sociologia e arquitetura, abrindo espaço para o trabalho interdisciplinar. Na ocasião Lebret viajou e conheceu todo o território paulista, através da Bacia do Paraná-Uruguai, e verificou de perto as condições de vida da população e suas necessidades básicas, percebendo as mudança em relação às condições que estava acostumado a verificar no primeiro mundo.

O estudo interestadual da Bacia Paraná Uruguai envolveu cerca de quarenta e cinco pessoas, entre engenheiros, economistas, arquitetos e sociólogos. A coordenação do estudo ficou a cargo de Alain Birou, Benevenuto de Santa Cruz, Louis-Joseph Lebret, Luiz Carlos M. Goelzer e Raymond Delprat.

Em 1954, Lebret aproximou-se do engenheiro pernambucano Antonio de Bezerra Baltar, e em parceria com ele desenvolveu um estudo para o desenvolvimento do Estado de Pernambuco, aliando economia com fatores sociais e urbanísticos. Nota-se, então, a presença e proximidade de Lebret com duas importantes lideranças do urbanismo brasileiro, Baltar e Anhaia Mello. No caso de Anhaia Mello nota-se sua proximidade com as teorias do planejamento urbano e regional difundidas por Patrick Abercrombie, na Inglaterra e Estados Unidos. Baltar demonstrava profunda erudição no conhecimento das teorias urbanísticas difundidas internacionalmente na primeira metade do século e demonstrava simpatia pela inclusão dos estudos demográficos em seus planos urbanos. Soma-se a esta visão regionalista e estatítica, a visão organicista de Bardet e temos aí a fórmula urbanística que deu início aos trabalhos urbanos da SAGMACS, neste primeiro momento.

Se esta foi a combinação de referências no campo do urbanismo, não podemos esquecer, que neste primeiro momento da SAGMACS, a principal contribuição de Lebret foi a introdução do trabalho interdisciplinar, unindo profissionais e saberes da economia, sociologia, arquitetura e geografia. Cabe- nos dizer que no campo da sociologia a SAGMACS foi influenciada pelo pesquisador norte-americano Donald Pierson, vinculado à Escola de Chicago, e do francês Chombart De Lauwe, além do trabalho estatístico de Le Play.

Com o estudo “Necessidades e Possibilidades de Desenvolvimento do Estado de São Paulo”, a SAGMACS ganhou notoriedade e conseguiu legitimidade enquanto organismo de consultoria em planejamento urbano regional. O trabalho em parceria com Baltar, no Recife, expandiu o limite físico de atuação da equipe e novos contratos foram firmados na área de urbanismo. Porém, o mais importante deles se deu em 1956, num convênio firmado com a prefeitura de São Paulo, intitulado “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana”, maior pesquisa empírica realizada até aquele momento no país, e que estudaremos e apresentaremos ao longo dos próximos capítulos.

Cronologia dos principais trabalhos da SAGMACS:

1947 Le Logement de la Population de São Paulo;

1948 Pesquisa sobre as condições de vida dos trabalhadores do Jóckey Club;

1952-1955 Estudo das Necessidades e Possibilidades de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, Bacia do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;

1954 Estudo para elaboração do Plano Diretor de Ourinhos, SP;

1955 Estudo sobre possibilidades de desenvolvimento do Pernambuco; 1956-1958 Estudo da Aglomeração Paulistana;

1958-1962 Estudo da Aglomeração de Belo Horizonte e Relatório para o Plano Diretor de Belo Horizonte, MG;

1959-1960 Estudo para o desenvolvimento do Estado da Guanabara; 1959-1961 Estudo sobre os problemas sócioeconômicos de Ipatinga, MG; 1961 Relatório sobre os problemas da Saúde Pública no Paraná; 1961-1962 Projeto para a região do Araguaia, SP;

1962 Estudo para concepção de um programa de gestão dos Armazéns Gerais do Estado do Mato Grosso;

1962 Estudo para implantação de um loteamento no município de São Paulo;

1962 Estudo para implantação de um loteamento no município de São Vicente;

1962-1963 Plano Diretor para Sorocaba, SP; 1962-1963 Plano Diretor para Barretos, SP;

1962-1963 Estudo para implantação de uma política habitacional em São Paulo;

1963 Estudo para um programa de Educação Fundamental; 1963 Comunidades Territoriais do Paraná;

1963 Projeto para rede de Água e Esgoto no Estado do Paraná;

1963 Relatório sobre o serviço de Água e Esgoto: Análise da situação dos sistemas nas redes de municípios do interior de São Paulo; 1963-1964 Prospecto dos Problemas de Desenvolvimento de Ubatuba, SP; 1964 Energia Elétrica no Estado de São Paulo;

4.0. Introdução

Neste capítulo, introduzimos o objeto de pesquisa que deu origem a esta dissertação de mestrado, o estudo da “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana”, trabalho que, conforme já dissemos, foi realizado pela Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais para a Prefeitura paulistana, no final da década de 1950.

Neste quarto capítulo, daremos início à discussão sobre a abrangência que este estudo teve na elaboração de um diagnóstico urbanístico das condições sociais e estruturais da cidade de São Paulo e dos municípios vizinhos. Primeiramente, discutiremos os aspectos da contratação e dos termos do contrato, assinado entre Prefeitura e SAGMACS, em outubro de 1956. Num segundo momento deste capítulo, apresentaremos a forma como a pesquisa urbana realizada pela SAGMACS se apresentou para o meio técnico, como relatório de análise sobre os problemas da cidade.

É bom lembrar que o estudo elaborado não se impõe enquanto plano urbanístico para a cidade, mas sim com o intuito único e exclusivo de levantar e apontar para os dados da realidade social e econômica existente em São Paulo. Para tanto, propomos delimitar este capítulo à apresentação do relatório apenas enquanto organização textual, sem uma análise aprofundada sobre o material, a qual acontecerá no quinto capítulo de nossa dissertação.

4.1. Anos 1950 em São Paulo: Novos Tempos e Novos