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Na década de 1950, o território físico paulistano se apresentava excessivamente expandido, se comparado as primeiras décadas do século XX. Assim, São Paulo passou a ser uma cidade ocupada de forma clandestina e irregular, formada por novos loteamentos urbanos que não haviam obedecido aos padrões urbanísticos estabelecidos em leis que controlavam a ocupação do solo urbano. A situação apresentada era de desordem urbana em relação à tentativa de ordenamento que fora estabelecida pelo Código de Obras dos anos 1910 e pelas sucessivas reedições de legislação de loteamento e zoneamento urbano.

No campo político-ideológico, o cenário encontrado naquele momento em que a cidade estava prestes a comemorar seu quarto centenário de fundação já não era mais o da grande cidade moderna presente nas primeiras décadas do século, mas o da metrópole industrial moderna. Constituída ao longo dos anos 1940, a ideologia da metrópole industrial moderna, aproximava-se do modelo de ocupação das grandes cidades norte-americanas, ficando nítido, neste momento, o rompimento com o ideário urbanístico europeu.

O fenômeno da metropolização é objeto de pesquisa de vários autores, que buscam compreender suas bases conceituais através da noção de sua conceituação ideológica. Neste sentido, generaliza-se a definição sobre o conceito de metropolização, pois para Meyer (1991, p. 12) “todos os autores a

definem como sendo essencialmente a incorporação de aglomerações vizinhas através da expansão horizontal das cidades, de forma a criar um só núcleo urbano”. Porém, a autora salienta que “apesar da afinidade na definição do fenômeno que se busca apontar as condições gerais, internas e externas, nas quais este ocorreu. Ater-se simplesmente a demarcação cronológica do ‘início’ da metropolização, proposta por cada um dos autores é um empobrecimento do conjunto de suas argumentações.” (idem).

Apesar de termos apontado anteriormente alguns dos fatores que levaram São Paulo a tornar-se uma metrópole industrial moderna a partir dos

anos 1950, este conceito de formação de uma aglomeração, através da incorporação de cidades vizinhas, é nítido no território paulistano. Pois na década de 1950, quando se reconheceu o fenômeno da metropolização, a cidade já não percebia as diferenças entre seu limite físico e o dos municípios vizinhos. Santo André, Guarulhos e Mauá, cidades emancipadas da capital paulista, continuavam a se parecer mais com bairros da periferia paulistana do que com cidades propriamente ditas. A dependência destas cidades em relação à região central de São Paulo era nítida, de forma que seus trabalhadores deixavam suas residências e dirigiam-se para as regiões industriais de São Paulo, configurando assim um movimento de migração pendular e impondo a estes municípios a lógica das cidades-dormitório.

Assim, era preciso revisar o entendimento às demandas populares da cidade, além de se buscar o entendimento da nova dinâmica urbana imposta pela metropolização. De forma que, os planos urbanísticos propostos até então, que já não davam conta de enfrentar todos os problemas da cidade, teriam que redefinir seu recorte metodológico e a abordagem sobre a dimensão metropolitana. A metrópole pressupunha assumir uma nova estrutura de organização espacial, reconhecendo a inter-relação dos habitantes da periferia com a capital paulista, e impondo um tratamento digno de uma aglomeração urbana.

Figura 13

Mapa apontando para o Município de São Paulo e seus arredores, formando uma só aglomeração na década de 1950. Fonte: SAGMACS, 1958 – Great São Paulo

É importante notar que, tanto a periferia da cidade de São Paulo – configurada a partir do isolamento e distanciamento dos bairros em relação a sua área central, quanto as cidades periféricas em relação à metrópole paulistana, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Guarulhos e Mauá, apresentavam precariedade de infraestrutura, dificuldade de acesso e dependência direta dos trabalhadores destas áreas em relação ao emprego

industrial – em sua maioria na cidade de São Paulo – e de apropriação de serviços e comércios, também em sua maioria no centro da capital paulista34.

A consolidação de São Paulo como metrópole industrial moderna está atrelada ao crescimento da produção da indústria paulista, que após a grande depressão dos anos 1930, e durante a segunda guerra mundial, se viu obrigada a modernizar-se e expandir sua escala de produção para atender seu mercado consumidor. “Além da autonomia relativa já apontada, em termos de criação de

mercados mútuos e complementares à indústria paulista, o que também significava a preparação das bases para a futura consolidação de seus ‘mercados exteriores’: São Paulo modernizara e diversificara seu parque industrial, não ocorrendo o mesmo com a indústria do resto do país.” (Cano,

1974, p. 194).

Cabe ressaltar, que durante a segunda guerra mundial, o Brasil não declarou apoio a nenhum dos lados, e foi beneficiado no que tange o comércio exterior, fornecendo produtos aos países em guerra, impedidos de produzir bens de consumo. Tentou assim, tirar proveito do contexto internacional, comercializando com ambos os lados pelo máximo tempo que foi possível sem alinhar-se a nenhum deles, até o momento em que os países aliados reagiram a ofensiva do eixo e impuseram derrota à estes. E conforme já apontamos, São Paulo despontava como sede da indústria nacional, o que garantiu uma nova injeção de capital, à indústria nacional.

Nos anos 1940, com a introdução do ideário rodoviarista, em detrimento da ferrovia, deu-se início a implantação de rodovias como a via Anchieta e a via Dutra, que estabeleceram um novo padrão de ocupação industrial. Seguindo o exemplo de facilitação do escoamento da produção industrial, abriu-se espaço para a construção de novos prédios industriais ao longo destas rodovias, na periferia de São Paulo, iniciando-se assim, a formação de novos distritos industriais, em proximidade da capital paulista.

34 Cabe explicitar que, a partir de 1945, ocorre um aumento da importância da atividade

industrial em cidades próximas a São Paulo, implantando-se um ciclo de migração do parque industrial, na década de 1950, a partir dos incentivos dados pelo governo do presidente Kubtsheck para a consolidação da indústria automobilística no Brasil.

Este aumento recente da importância industrial da periferia da Grande São Paulo encontra sua explicação numa certa ‘saturação’ industrial do núcleo constituído pela capital. Esta ‘saturação’ decorre, por sua vez, duma série de desvantagens cada vez maiores, que a localização industrial na capital apresenta que se pode interpretar como resultado da “lei dos rendimentos decrescentes”. (Singer: 1977, p. 63).

Iniciou-se então nesse momento, um processo de transferência dessas áreas, gerando um rápido crescimento de municípios como São Caetano, Santo André, Osasco e, principalmente, São Bernardo do Campo e Guarulhos, cidades localizadas nas saídas das principais rodovias.

A expansão da área urbanizada da capital e dos municípios vizinhos foi gradualmente eliminando as áreas rurais que envolviam os diversos núcleos urbanos e consolidando esta região periférica, enquanto periferia urbana da capital paulista. Assim, a imagem da cidade de São Paulo já não se distinguia de forma dissociada das cidades periféricas, mas configurava-se como uma paisagem unificada.

Esta movimentação de urbanização das antigas áreas rurais veio ao encontro do projeto nacional desenvolvimentista que se impôs no Brasil a partir do Estado Novo, visando a transformação do país em potência industrial moderna e desenvolvida, rompendo com o passado arcaico e rural. Deste modo, São Paulo ampliou sua vantagem em relação às demais regiões do país, pois em 1940-1950 já despontava como principal sede da indústria nacional, o que lhe impunha um modo de vida extremamente urbano.

Para Meyer, “a partir de 1956, a hegemonia da cultura urbana em São

Paulo é inquestionável” (1991, p. 33). A cidade ultrapassou seus limites

administrativos e físicos e surgiu uma nova denominação terminológica – a grande São Paulo – expressão utilizada por Louis-Joseph Lebret, em 1954, em alusão à terminologia criada pelo urbanista britânico Abercrombie – Great

London City – e pelo sociólogo francês Chombart De Lauwe – Aglomeration Parisienne.

Nas comemorações de seu quarto centenário, em 1954, a alusão à metrópole industrial brasileira fazia parte dos discursos das principais autoridades da cidade e do estado, além de povoar o ideário burguês, presente na elite industrial paulistana.

Porém, Ianni (1972) considera que somente durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek a cidade conquistou uma vitória sobre o campo na medida em que o poder político passou das mãos da aristocracia rural para as mãos da burguesia industrial, conforme era objetivo do governo de Vargas. Assim, a partir da segunda metade da década de 1950, já não era mais possível reviver a não ser com anacronismo, a ideologia da vocação agrária do Brasil, a qual São Paulo recusara desde o final do XIX.

A nosso ver, a cultura urbana foi substituída pela cultura metropolitana, anteriormente ao governo Kubitschek, de forma que os paulistanos davam continuidade ao projeto da cidade burguesa, a exemplo da movimentação ocorrida no final do século XIX. Assim, novos hábitos passam a constituir o modo de viver do paulistano, trazendo também alterações na paisagem urbana.

Na região central, o cenário alterava-se rapidamente, abrindo espaço para a verticalização, que tinha como objetivo atrair as camadas médias e altas para este novo modo de morar. E assim, “a área central perdia definitivamente

as características pitorescas que possuía décadas atrás. As construções assobradadas cederam lugar aos novos edifícios que ocupavam o lote ao máximo, sem deixar recuos ou áreas verdes e reforçavam a agressividade nervosa das ruas congestionadas pelo rápido aumento do número de veículos particulares que passaram de 22.739 em 1940, para 120.662 em 1960.” (Osello,

op. cit, p. 169). Este aumento do número de carros nas ruas impunha à São Paulo uma contradição, pois, ao mesmo tempo em que metrópole pressupunha movimento constante, os paulistanos passavam a vivenciar os congestionamentos em suas principais avenidas.

Diante deste novo e celebrado cenário, já eram visíveis os problemas agravados em função da metropolização paulistana, de forma que as autoridades passaram a sugerir uma série de novas obras e melhoramentos, nas principais avenidas da cidade e em sua região central, fato que mais uma vez preocupava-se em atender somente o interesse das elites, não contemplando as regiões periféricas e sequer melhorando o sistema de transporte público que interligavam estas regiões ao centro da cidade.

Foi neste momento que emergiu o discurso que defendia a elaboração de um Plano Diretor para São Paulo, o qual, segundo Feldman (2005, p. 77), não chegou a se concretizar até os anos 1960, pois, apesar dos estudos e tentativas

por parte dos técnicos da administração municipal e de consultores contratados, o resultado “não passava de um esboço que nunca saiu do departamento de

urbanismo”. Cabe situar que um plano deste porte só foi aprovado na década de

1970, ainda que em 1961 o prefeito Ademar de Barros tivesse apresentado o primeiro documento intitulado “Plano Diretor de São Paulo” à Câmara de Vereadores do Município.

Ao se analisar os textos publicados pelos engenheiros e engenheiros-arquitetos que dirigiam o Departamento de Urbanismo, entre 1947 e 1961, ficam evidentes duas direções: um discurso laudatório da necessidade de um plano para solução dos problemas da cidade e, ao mesmo tempo, o descrédito na efetividade de planos e a colocação da legislação como único recurso dito efetivo para resolver os problemas da cidade. (idem, p. 78).

Legitimando a prática do planejamento urbano enquanto ideologia, e sua eficácia atrelada ao interesse das elites burguesas, era possível verificar que, ao mesmo tempo em que o discurso em defesa da elaboração de um Plano Diretor para São Paulo era encampado pela prefeitura e por setores da burguesia, visando à resolução dos problemas viários nas áreas consolidadas da cidade, nos bairros da periferia paulistana, emendados com as cidades periféricas, emergiam problemas de habitação, falta de infraestrutura – como rede de água e coleta de esgoto, iluminação pública, etc. – e carência dos serviços públicos essenciais – como escola, unidade de saúde, transporte coletivo, demonstrando total despreparo do município para trabalhar de forma integrada, numa visão de conjunto da cidade.

Assim, a prática da segregação espacial presente nos anos 1920 e 1930, continuava com a emergência do fenômeno metropolitano. Como a velocidade de crescimento se intensificava nas décadas de 1940 e 1950, metade da cidade de São Paulo pode ser considerada clandestina e desconhecida por suas autoridades, revelando São Paulo não como a metrópole industrial moderna do Brasil, mas sim como uma aglomeração urbana embrionária e sem controle, ao ponto de, em 1956, o prefeito Wladimir Toledo Piza declarar que a cidade havia crescido e buscava crescer ainda mais, sem nem saber para que e para onde. A analogia do então prefeito foi feita comparando a cidade de São Paulo a um grande navio, que não dispunha de uma carta de navegação.

O clamor de Piza por uma carta de navegação, que vinha de encontro com o discurso em defesa de um Plano Diretor, também fazia alusão à necessidade de atrelar a prática do planejamento, ao conhecimento da realidade social da cidade, para se saber quais demandas deveriam ser enfrentadas. Assim, a situação em que São Paulo se encontrava neste período, fez emergir uma nova prática, na tentativa de ordenamento urbanístico, o da pesquisa urbana, inaugurada pela SAGMACS – Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais, em 1956, quando realizou para a prefeitura de São Paulo o estudo conhecido como “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana”.

O trabalho de pesquisa urbana que marcou o final dos anos 1950 e impôs a prática do diagnóstico social como antídoto para enfrentar o caos da aglomeração fora de controle, foi o primeiro trabalho a extrapolar os limites administrativos da capital paulista e expandir sua área de estudo para a periferia paulistana – no que se constitui chamar de Grande São Paulo – e para as cidades industriais do interior paulista.

Conforme já apontamos, a pesquisa elaborada pela SAGMACS constitui nosso principal objeto de estudo neste trabalho de pesquisa para nossa dissertação de mestrado. Sua apresentação e análise serão feitas nos capítulos quatro e cinco, após a apresentação do terceiro capítulo, que situará o coordenador da pesquisa urbana realizada pela SAGMACS, o Pe. Lebret, fundador do Mouviment Économie et Humanisme na França e da SAGMACS no Brasil, bem como a fundação de tais organismos em São Paulo.

3.0. Introdução

Este capítulo situa Louis Joseph Lebret, coordenador do estudo “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana” em São Paulo, personagem que, a nosso ver, contribuiu na formação de novos quadros para o planejamento urbano brasileiro, pois, além de ter introduzido novas ferramentas e métodos para o trabalho urbanístico em nossas cidades, também expressou sua preocupação com as questões sociais, combinadas com as bases do sistema econômico de produção, apontando sua interferência direta no espaço habitado.

Porém, para se compreender melhor sobre o padre Lebret, é necessário apresentarmos um pouco sobre os desdobramentos que o Mouvement

Économie et Humanisme, de origem francesa, teve nos anos 1940, percorrendo

e influenciando personalidades em vários locais do mundo, incluindo o Brasil, em especial São Paulo. Este vínculo de Lebret com o Brasil se deu após sua primeira visita, em 1947, à cidade de São Paulo e demais países da América Latina. O Mouvement Économie et Humanisme era o órgão de pensamento e concepção de idéias acerca do desenvolvimento econômico harmônico, que buscava integrar, ao mesmo tempo, desenvolvimento econômico e social – dada a sua preocupação com a população mais pobre e os países menos desenvolvidos. A SAGMACS, por sua vez, instituição fundada por Lebret e demais personalidades políticas e intelectuais em São Paulo, era seu braço institucional no Brasil.

Assim, este capítulo tem início inserindo os aspectos de formação intelectutal de Louis-Joseph Lebret, seus anseios pelo desenvolvimento harmônico, suas vindas para o Brasil e o chamado terceiro mundo no contexto de pós-segunda guerra. Finalizamos o capítulo culminando com a fundação do Mouvement Économie et Humanisme e sua vinculação com o Brasil, onde se constituiu a Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais – SAGMACS e seus desdobramentos acerca da urbanística brasileira, mais precisamente na cidade de São Paulo, fazendo assim a interligação com os problemas urbanos paulistanos.

3.1. O Padre Lebret

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