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O rompimento com o urbanismo francês, que mencionamos anteriormente, tornou-se mais claro após o fim da Primeira Guerra Mundial, quando as atenções recaíram sobre as experiências norte-americanas, abrindo espaço para a recepção de guias e manuais de urbanização, com uma visão mais ampla e generalista, que ia além da preocupação com o embelezamento.

Nos anos 1920, a discussão deu lugar à resolução de problemas e à possibilidade de implantação de grandes obras de engenharia, como o sistema projetado pelo engenheiro Billings – chamado de Projeto Serra – que visava utilizar a queda d’água de São Paulo para Cubatão (pela serra do mar), para gerar energia elétrica à cidade, e ao mesmo tempo construir um canal de ligação naval entre o interior paulista e o porto de Santos. O projeto que também visava resolver o problema de estiagem revelou a capacidade de intervenção do urbanismo. Porém, o projeto não foi posto em prática e mais tarde foi reaproveitado pela Companhia Light, que vendeu ao Estado somente a idéia de reversão da calha do rio Tietê.

Cabe lembrar que o projeto Serra tinha forte cunho econômico- mercadológico e foi concebido pelos engenheiros Fred Hyde e Billings, com o intuito de ampliar os negócios da Light em São Paulo. Porém, a empresa não tinha concessão para implantar tal projeto e só conseguiu anos mais tarde, devido ao problema de estiagem e à falta de água na cidade de São Paulo, ocorridos no final dos anos 1920.

Conforme já apontamos, a partir dos anos 1930 percebe-se uma vinculação da urbanística paulistana ao planejamento urbano e regional norte- americano. Libaneo (1989) destaca que “São Paulo nos anos 30 se assemelha a

uma grande obra de engenharia”. Percebe-se também a entrada em cena de

novos atores no campo da técnica urbanística, incrementando ainda mais o debate e abrindo espaço para a discussão dos princípios modernistas e da visão integrada e de conjunto, presente nos EUA e Inglaterra. Neste período, atuam no departamento de urbanismo da prefeitura os engenheiros Francisco

Ulhoa Cintra e Francisco Prestes Maia, e na Escola Politécnica o professor Luis Anhaia Mello.

O período que se iniciou nos anos 1930 e se estendeu às décadas seguintes foi marcado por uma série de reformas administrativas na Prefeitura paulistana, visando dotar o Departamento de Obras Públicas de novas atribuições e tratar assim as novas necessidades e especificidades que a capital moderna exigia. Neste sentido, foram criados novos órgãos de planejamento urbano dentro da estrutura administrativa, visando a implantação de uma legislação urbanística destinada a controlar o uso e a ocupação do solo, abrindo espaço para um urbanismo restritivo e controlador. Esta visão do urbanismo enquanto mecanismo de controle foi muito difundida pelo engenheiro Anhaia Mello, que foi prefeito de São Paulo em 1931.

Durante a administração de Anhaia Mello, é nítido o alinhamento de São Paulo às práticas urbanísticas norte-americanas, uma vez que o então prefeito identificava-se com a maneira pragmática de organização dos trabalhos no campo do planejamento urbano nos Estados Unidos20. Desta forma, sua

principal referência é o Regional Plan of New York and its Environs, trabalho elaborado em equipe multidisciplinar, sob a coordenação de Thomas Adams, nos anos 1920, e difundido com ampla propaganda pela opinião pública de lá, alcançando também notoriedade em outros países. Assim, Anhaia Mello impôs a São Paulo, enquanto referência, o que para ele havia de mais moderno na maneira de se planejar uma grande capital.

Em 1938, Prestes Maia apresentou para São Paulo o Plano de Avenidas, baseado numa visão de conjunto, seguindo as referências pragmáticas dos norte-americanos e, ao mesmo tempo, não abandonando princípios de embelezamento (presentes no início do século por conta da influência Haussmaniana), e salientando a importância das soluções modernas.

O Plano de Avenidas trazia, em seu próprio nome, sua principal preocupação, a de viabilizar em São Paulo um sistema viário moderno e

20 É importante mencionar que as referências do Prof. Anhaia Mello não se limitam ao

pragmatismo norte americano. Em seu acervo pessoal, doado para a biblioteca da FAU-USP, nos anos 1970, é possível notar a forte influência do urbanismo inglês, sobretudo nas referências de Patrick Abercrombie.

eficiente, voltado para o automóvel individual, o que reforçaria a imagem de uma cidade burguesa e moderna. Assim, Prestes Maia, numa combinação de referências internacionais, projetou um anel circundando a área central de São Paulo, chamando-o de “perímetro de irradiação” e colocando internamente o “sistema Y”.

Figura 6

Reprodução da planta com o esquema para o Plano de Avenidas de Maia. Fonte: MAIA: 1930, p. 52

As intervenções propostas por Maia, em seu plano21, visavam adaptar a

estrutura urbana às novas necessidades surgidas com o desenvolvimento industrial, tendo como matriz o transporte individualizado. “Prestes Maia não

procurava impedir o crescimento urbano nem impor restrições ao mesmo e, ao contrário de outros urbanistas da época, não via na metrópole um mal a ser combatido” (Osello: 1983, p. 113-114). Tal postura o aproxima do ideário

progressista da Carta de Atenas, defendida por Le Corbusier, a quem Maia refere-se como o autor da moda.

O Plano de Avenidas trouxe esta tônica de ser um plano mais abrangente, ainda que sua principal preocupação fosse a ordenação do trânsito paulistano, incluindo aspectos de legislação urbanística, regulação do uso do solo e implantação de parques e áreas verdes ao longo de avenidas, numa alusão às park ways presentes no urbanismo norte-americano. Assim, podemos dizer que, com o plano de Maia, a prefeitura de São Paulo deixou de ter intervenções isoladas e casuísticas na cidade e passou, através de um conjunto coordenado de intervenções, a implantar uma estrutura ideal capaz de favorecer o crescimento urbano.

Além do Plano de Avenidas, podemos citar como exemplos de planejamento integrado o Plano de Abastecimento de Água do Eng. Whitaker (1946), para expandir o serviço de abastecimento de água para os novos bairros da cidade, na região oeste e sul, e também o Programa de Melhoramentos do norte-americano Robert Moses (1951), baseado em melhorias viárias para a cidade, a exemplo do que havia feito para Nova York.

É importante dizer que todos estes planos traziam diretrizes para a área central da cidade e em certo modo desprezavam os bairros inseridos na periferia da metrópole, que já alcançava quase metade da população urbana e apresentava graves problemas, necessitando de soluções integradas com o restante da cidade. Porém, as administrações da cidade, até os anos 1950, não

21 Cabe salientar que as intervenções propostas por Maia, em seu Plano de Avenidas, haviam

sido publicadas pela primeira vez no Boletim do Instituto de Engenharia, em 1924, com o título “Um problema atual: os grandes melhoramentos de São Paulo”, e assinado pelos engenheiros municipais Francisco Prestes Maia e João Florence d’Ulhôa Cintra.

revelavam grande interesse ou preocupação com a população destas áreas22,

pois São Paulo já havia se constituído enquanto capital industrial moderna – que, a nosso ver, também queria dizer – uma cidade burguesa.

Cabe salientar que, a partir dos anos 1940, após a implantação da Universidade de São Paulo, muitas foram as contribuições de pesquisadores estrangeiros ligados às ciências humanas, como Claude Lévis-Strauss, Preston James, Pierre Mombeig e François Perroux. Esta vinculação dos intelectuais internacionais vem ao encontro do contexto urbanístico paulistano, incrementando o quadro com a participação dos geógrafos e sociólogos em trabalhos de pesquisas urbanas, um fator que não era considerado pelos engenheiros-arquitetos, que desde os anos 1930 vinculavam o urbanismo à realização de obras. Sendo que em 1946 a prefeitura criou a Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC, visando o controle das linhas de bondes e ônibus urbanos.

Ao longo dos anos 1930-1940, uma série de reformulações administrativas foi realizada na estrutura da Prefeitura, inclusive nos departamentos responsáveis pelas obras públicas, planejamento urbano e de urbanismo, sempre visando dar maior agilidade no controle dos problemas urbanísticos. Com o intuito de explicitar as mudanças na organização da estrutura administrativa da prefeitura paulistana, apontamos, a seguir, as alterações no organograma municipal durante as décadas de 1930 e 1940.

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Exceção seja feita a Anhaia Mello que, em 1931, por ocasião do Congresso Internacional de Habitação, realizado em São Paulo, onde se discutiu o problema da Habitação, já havia levantado o problema da expansão territorial paulistana rumo às terras da periferia, denunciando a existência de uma população vivendo em condições precárias e não assistida de serviços e equipamentos públicos. No entanto a observação de Mello tinha mais interesse em demonstrar a modernização de São Paulo, numa tentativa de alinhamento com o “Plano Voisin”, apresentado pelo arquiteto francês Le Corbusier nos anos 1920, numa tentativa de expansão territorial em Paris.

Organograma da Prefeitura Paulistana em 1931

Fonte: Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico, 199, 1991, p. 61

Organograma da Administração Paulistana, após as reformulações empreendidas na gestão do Prefeito Fábio Prado, acusado de inchar a máquina pública.

Fonte: Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico, 199, 1991, p. 64

Organograma da Prefeitura Paulistana, após as reformulações do Prefeito Prestes Maia Fonte: Revista do Arquivo Municipal, São Paulo,

Segundo Feldman “a reestruturação da administração municipal de 1947

absorve grande parte das propostas apresentadas por Anhaia Mello. O binômio departamento/comissão é adotado, embora os órgãos não assumam a importância preconizada. Como parte da Secretaria de Obras, o Departamento é subordinado ao secretário e não ao prefeito, e o orçamento é função de outra secretaria.” (2005, p. 73). As informação apontadas mostram que apesar das

diferenças das idéias defendidas por Prestes Maia e Anhaia Mello, o então diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP não ficou alijado do processo de planejamento das ações e sequer da organização administrativa da prefeitura.

Além da Faculdade de Filosofia da USP, também é importante mencionar a participação da Escola Livre de Sociologia e Política, atualmente conhecida como FESPSP – Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que contava com consultoria de Donald Pierson, professor da Escola de Chicago, nos EUA, cujo viés tratava os estudos urbanos de maneira multidisciplinar, integrando o planejamento urbano com as ciências econômicas, a sociologia e a geografia. Assim, a ELSP tinha uma atuação mais voltada ao empirismo, sendo duramente criticada pelos filósofos da Universidade de São Paulo.

Porém, nos anos 1940, a imagem de São Paulo enquanto capital moderna do Brasil já não refletia mais o alinhamento com o contexto internacional e nem a projetava, ao menos no discurso ideológico, à frente das demais capitais brasileiras. Para alcançar este alinhamento e projetar-se nacionalmente, foi preciso que a cidade perseguisse a meta de tornar-se a metrópole industrial brasileira, a exemplo das grandes capitais internacionais, como Nova York, Buenos Aires, Londres, Paris e Berlim.

1.6. São Paulo: