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Anos 1950 em São Paulo: Novos Tempos e Novos Problemas

Fundador do Mouvement Économie et Humansisme

4.1. Anos 1950 em São Paulo: Novos Tempos e Novos Problemas

Conforme já apontado anteriormente, no segundo capítulo de nossa dissertação, o contexto pós-segunda guerra mundial trouxe transformações profundas na organização espacial e econômica da cidade de São Paulo. Além do acúmulo de saldo na balança comercial e o inchaço populacional, o fenômeno da metropolização também se impôs à realidade social e econômica da paisagem urbana.

São Paulo chegou nos anos 1950 esbanjando um ritmo de crescimento econômico ainda mais acelerado que nas décadas anteriores. A imagem da capital moderna presente nos discursos das autoridades e da classe empresarial, desde o início do século XX, passou a ser reinterpretada, agora sob as bases do que constituía o modo de vida metropolitano, buscando o alinhamento de São Paulo com as principais cidades do mundo, como Londres, Nova York, Chicago, Washington, Berlim, Paris e Buenos Aires, mostrando maior consonância com as teorias do urbanismo norte-americano.

O fenômeno da metrópole florescia em algumas das cidades brasileiras e, assim como em São Paulo, o novo estilo de vida das populações urbanas das grandes cidades passou a ser incorporado também no Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belo Horizonte, abrindo campo para a consolidação do ideário modernista das grandes vias públicas, do crescimento da produção industrial, da incorporação do automóvel e dos arranha céus à paisagem da cidade. Porém, apesar da influência nas demais capitais brasileiras neste período, coube primeiro a São Paulo o alinhamento com as metrópoles mundiais, pois desde os anos 1940 a cidade já havia superado o Rio de Janeiro economicamente, e durante a década de 1950, também superado em número de habitantes, ampliado e muito seu mercado consumidor, além de ter visto seu parque industrial crescer a olhos vistos, durante a 2ª Guerra Mundial, o que intensificou o acúmulo de capitais da indústria nacional, que em grande parte se localizava no Estado de São Paulo, sobretudo na capital paulista e nas cidades em seus arredores.

Semelhante ao movimento econômico ocorrido no início do século XX, quando o Estado de São Paulo, tendo já consolidado sua malha ferroviária, tirou proveito deste avanço tecnológico e do saldo positivo em sua balança comercial, quando ocorreu a crise do café. São Paulo, utilizou-se do saldo na balanço comercial, para investir capital em novas atividades econômicas e, sobretudo, desenvolver a indústria, consolidando-se como principal parque industrial do país. No pós-guerra, dispondo de capital excedente, foi capaz de investir nos novos símbolos do progresso e do desenvolvimento, levando as autoridades e a elite empresarial a festejarem os índices de crescimento populacional intensificados na década de 1940, que rendeu a São Paulo, no período, o título de cidade que mais cresceu no mundo. Também graças ao saldo na balança comercial, houve possibilidade de investimento de capital em obras arquitetônicas e de melhorias da infraestrutura urbana, fazendo assim com que São Paulo adquirisse cada vez mais a fisionomia das grandes metrópoles, sobretudo as norte-americanas.

Figura 15

Imagem a partir do Parque D. Pedro I, de onde se avista ao fundo o centro paulistano com inúmeros arranha-céus, alinhando-se com a imagem da metrópole industrial moderna.

Porém, à medida que avançava a modernização da cidade e também o fenômeno metropolitano, novos males eram gerados e velhos problemas agravados. As autoridades e a elite burguesa, embriagadas pelos ares desenvolvimentistas, preferiam festejar o progresso e o desenvolvimento, esquecendo-se que não tão distante do perímetro central, em franca verticalização e obras, havia uma população que servia como força motriz para a sustentação das bases do proclamado progresso econômico. Esta, também impulsionada pelo progresso, crescia em ritmo bem maior do que a velocidade das discussões acerca dos problemas urbanos da cidade alcançava na época.

Figura 16

Foto: Paolo Gasparini

O novo estilo presente na metrópole abrigava, além da indústria, intensa atividade terciária, vários serviços, grande quantidade de comércios e, consequentemente, grande quantidade de pessoas que poderiam formar uma rede de relacionamentos e interesse comuns. Por isso, que as tensões sociais também se intensificavam e dividiam a cidade, conforme nos aponta Romero,

entre a sociedade normalizada e a sociedade anômica (2004: p. 367), formada pelos trabalhadores, operários e pessoas marginalizadas, sendo “o número dos

que se incorporavam à estrutura urbana sempre superior ao que a estrutura podia suportar” (idem: p. 361). Fato que conforme nos apontou Valladares

(2005) anteriormente, levantou a preocupação das autoridades, na tentativa de uma conciliação entre os interesses econômicos e o atendimento de algumas das necessidades da população marginalizada, abrindo campo para a cooperação técnica buscar quantificar dados sobre tal realidade.

Através dos dados dos recenseadores do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, verificamos que no início de 1950 a periferia paulistana já estava consolidada e representava parcela considerável da população, conforme revelou o Censo daquele ano.

Para se entender melhor os números do Censo, a partir de 194069 a

metodologia de pesquisa dos recenseadores incorporou a verificação do número de habitantes conforme sua localização, sendo possível apontar a diferença de números entre os habitantes das áreas urbanas, suburbanas e periféricas, pois “na apuração do Censo de 1940 a população foi discriminada em “urbana”,

“suburbana” e “rural”, em correspondência com os quadros administrativos dos Municípios e Distritos.” (IBGE: 1950, p. xiii e xiv).

Para efeito de comparação entre os números dos Censos de 1940 e 1950, apontamos os números obtidos na primeira contagem que introduziu esta diferenciação, sendo apresentado um quadro para São Paulo em 1940, onde a grande maioria da população vivia em área urbana (1.161.893) e pouco mais de 10% (164.368) nas áreas suburbanas e rurais, que a SAGMACS considerou como a periferia paulistana (idem: p. 559).

Este número alterou-se no Censo de 1950, onde o critério de divisão da população foi mantido. Os dados censitários revelaram que o grande crescimento atribuído à década anterior ocorreu, de fato, na periferia da cidade

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O Censo de 1940 foi o 5º realizado pelo IBGE. Os demais censos ocorreram em 1872, 1890 e 1900, contando apenas a população, em 1920 o 4º Censo do IBGE introduziu além da contagem da população, o levantamento da agricultura e da indústria. Em 1940 foi introduzida também a contagem das atividades comerciais e da prestação de serviço, além de ter dividido pela primeira vez a população em “urbana”, “suburbana” e “rural”.

e não em sua área central, onde estava a cidade consolidada. O Censo de 1950 apontou que dos 2.198.096 habitantes, cerca de 600.000 viviam na área considerada pelo IBGE como suburbana, sendo possível afirmar que a população periférica, em 1950, já alcançava um quarto dos habitantes de São Paulo (IBGE, 1954, p. 160). No início dos anos 1960, o número de habitantes localizados na área suburbana saltou de um quarto para metade da população paulistana.

Porém, apesar dos números do IBGE revelarem um crescimento populacional intenso, “a cidade oficial não ‘via’ a cidade popular que surgia a

seu lado. Mais do que isso: as intervenções realizadas buscavam encobrir tais discrepâncias, ocupando o campo visual dos espectadores dominantes”

(Campos, 2002, p. 91), num movimento de expulsão, desdém e desconhecimento, face àquilo que não combinava com as conquistas modernas advindas do progresso e do desenvolvimento econômico.

Este quadro de comemoração dos números considerados positivos pela Administração Pública e pela elite empresarial intensificou-se ainda mais nos primeiros anos da década de 1950, devido aos festejos do IV Centenário de fundação da Cidade de São Paulo, no ano de 195470, conforme se pode ver na

edição da Revista Cruzeiro, de 23 de janeiro de 1954 (p. 41), que circulou em edição especial pelo IV Centenário, relatando um comparativo entre São Paulo e as demais capitais e louvando seu alinhamento com as grandes metrópoles, afirmando que:

São Paulo ingressa no seu IV Centenário destituída apenas do título de capital geográfico-política do Brasil. Porque no mais, guarda todas as primazias. É a capital econômica, pela pujança de sua produção. É a capital artística, porque lá se ensaia o melhor teatro do País, lá se faz o melhor cinema que está nos projetando no cenário internacional. A sua arquitetura é a mais moderna e a

70 Cabe salientar que o Censo de 1950 foi publicado no ano de 1954, como forma de o IBGE

homenagear os 400 anos da cidade de São Paulo. Apresentando nas primeiras páginas do volume sobre o Estado de São Paulo, uma dedicatória especial ao 4º Centenário da cidade.

mais bonita [...] É a capital demográfica, porque em número de habitantes já ocupa o primeiro lugar e não encontra quem lhe siga os passos. É a cidade mais limpa, a de melhor trânsito, a dos maiores arranha-céus, a dos mais luxuosos cinemas” (apud Arantes, 2000, p. 36).

Porém, conforme dissemos, nem tudo era motivo para festa e digno de comemoração, e a primeira fase de mobilização popular coincidiu com o apogeu do desenvolvimento urbano-industrial, a partir dos anos 1950. Também neste mesmo período ocorreu a criação das SABs – Sociedades Amigos de Bairros, as quais receberam grande apoio do então vereador Jânio Quadros, do PDC – Partido Democrata Cristão – que se transformou numa espécie de porta-voz da periferia paulistana. Através das SABs, melhores condições de infraestrutura urbana eram reivindicadas, expondo a tensão social entre os moradores da periferia e a Administração Pública. Desta forma, Rolnik nos aponta que:

Em seu quarto centenário de existência, São Paulo era então uma metrópole industrial de 2,5 milhões de habitantes e seu território ilegal foi, pela primeira vez, priorizado pela Prefeitura. Uma das medidas administrativas iniciais do Prefeito Jânio Quadros foi conseguir a aprovação na Câmara de um projeto de lei sobre “oficialização dos logradouros”, que declarava oficiais todos os loteamentos aprovados, todos os registrados de acordo com a anistia de 1936 e todos contidos na planta da cidade anexa à lei. Dessa forma, foi concedida uma anistia em massa, tornando todo e qualquer espaço contido naquela planta passível de investimento público. A medida legal foi um passo fundamental para pôr em marcha um Plano de Emergência, que consistia na colocação de guias, sarjetas, pavimentação e instalação de luz elétrica nas vias principais da periferia dos anos 50. (1997, p. 206).

Estas medidas apenas oficializavam as áreas periféricas da cidade, mas não enfrentavam os problemas do crescimento, visto pelos urbanistas como caótico, nem apontavam diretrizes para melhorias urbanas71. O poder público

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Ainda que o Plano de Emergência de Jânio Quadros previsse a instalação de infra-estrutura mínima nas vias principais dos bairros periféricos, implantando guias e sarjetas, pavimentação e

continuava a demonstrar uma visão distorcida da realidade, apontando com facilidade para a necessidade de melhorias no perímetro do centro e mostrava desconhecimento total das áreas periféricas, desprezando consequentemente às demandas populares.

Deste modo, era preciso enfrentar os problemas oriundos do crescimento dito – pela elite empresarial, urbanistas e administração pública – desordenado, uma vez que este poderia impor risco ao processo de desenvolvimento econômico e à cultura metropolitana, vigente e festejada nos anos 1950. No entanto, na visão de Toledo Piza, prefeito de São Paulo em 1956, a confecção simplória de um plano de ordenamento urbanístico não se fazia suficiente, uma vez que não se conhecia a cidade como um todo e muito menos a sua realidade social.

Para se enfrentar tal realidade, o então prefeito Toledo Piza e o diretor da FAU, prof. Anhaia Mello – que fazia parte da Comissão do Plano Diretor do Município – convidaram o padre Lebret a coordenar um trabalho de pesquisa urbana, reconhecendo sua experiência na área científica.

O médico e político Wladimir Toledo Piza, era amigo de Lebret e apreciador dos seus métodos de trabalho. Havia assumido a prefeitura em um momento conturbado da história política paulistana, pois o então prefeito Juvenal Lino de Matos, ligado a Ademar de Barros, havia se envolvido em denúncias de desvio de dinheiro público e interpelado pela Câmara Municipal viu-se obrigado a deixar o cargo, retornando ao Senado Federal, de onde havia se licenciado para disputar a Prefeitura paulistana em 1954, sucedendo Jânio Quadros que se elegeu governador.

Diante das denúncias, algumas delas comprovadas pela Câmara, e da renúncia do prefeito, a mesa diretora convocou os vereadores para nomear entre seus pares, um vereador que responderia pelo Executivo até o término do

iluminação elétrica, não se previa a comunicação destes bairros com o centro da cidade, nem se apontava diretrizes para a implantação de equipamentos urbanos, tais como escolas, centros de saúde e parques.

mandato em 1957. Coube à Toledo Piza, então segundo secretário da mesa diretora, aceitar tal incumbência.