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Fundador do Mouvement Économie et Humansisme

4.2. A Prefeitura Contrata a SAGMACS

Em 1956, o prefeito Wladimir Toledo Piza preocupado com o crescimento desordenado que São Paulo havia vivido nas décadas anteriores e diante de dificuldades financeiras para implantação de infra-estrutura, decidiu romper com o discurso dominante que pregava que, os problemas paulistanos ocorriam em detrimento da falta de um planejamento integrado. Tentando buscar solução para o planejamento da cidade, a Prefeitura mostrou-se convencida de que antes de planejar, era preciso conhecer os problemas e verificar a gravidade das mais diferentes regiões da cidade.

É importante contextualizar que no momento, havia outros dois trabalhos em curso, no que tange o ordenamento territorial da cidade, pois além da pesquisa da Aglomeração Paulistana, também havia a tentativa de construção do Plano Diretor e o levantamento de uma nova base cartográfica do município. A confecção do Plano, seguia a influência de Anhaia Mello, defensor do planejamento urbano enquanto quarto poder, senão vinculado diretamente ao Prefeito. Para discussão e elaboração do Plano estava vigente uma comissão especial. Esta comissão era dirigida pelo engenheiro da prefeitura Carlos Lodi – então Chefe do Departamento de Urbanismo, e contava com o apoio de demais técnicos da municipalidade e urbanistas.

Além da Comissão do Plano Diretor, era levantada desde 1953 uma nova base cartográfica do município – Vôo Vasp 1950 – que vinha realizando o trabalho aerofotogramétrico para constituição de um novo mapa de São Paulo. Este trabalho revela o reconhecimento das autoridades à existência de novos limites urbanos em São Paulo, e de certo modo, a tentativa de se reconhecer a periferia paulistana. Este trabalho foi concluído somente no início dos anos

1960, posteriormente a entrega do relatório resultante da pesquisa realizada pela SAGMACS entre 1956 e 1958.

Porém, a contratação da SAGMACS não ocorreu de maneira tão simples, pois Toledo Piza não seguiu a determinação da Lei Orgânica do Município vigente (Artigo 114), que obrigava a realização de concorrência pública, fator que foi levantado pela Assessoria Técnica Legislativa da Câmara Municipal, como um impedimento para a aprovação imediata do contrato (cf. Processo nº 8.038/56). Tamanha era a urgência do então prefeito em conhecer a gravidade dos problemas paulistanos, que firmou contrato “ad referendum” 72 da Câmara

Municipal em outubro do mesmo ano. No entanto, consideramos este posicionamento da municipalidade, como imprudente, pois seria necessário aprovar junto ao Poder Legislativo a abertura de crédito adicional no orçamento da Municipalidade para pagamento da SAGMACS. Devido o imediatismo do então prefeito, a Assessoria Técnica Legislativa manifestou-se questionando que:

A aprovação de acordos e outros atos do Executivo, sobre os quais deve a Edilidade manifestar-se, se efetua por meio de Resolução ou de decreto legislativo, isto é, de diplomas – legais não subordinados à sanção do Prefeito e que são promulgados pela própria Câmara. [...] Mas, no caso em apreço, o ‘referendum’ deste Legislativo importa em despesas, que devem ser providas com recursos existentes nos cofres públicos. Ora, a autorização para despesas e a indicação dos recursos hábeis para seu atendimento constituem matéria de lei, dado a este termo sua compreensão específica de ato do legislativo sancionado e promulgado pelo Executivo. [...] Nestas condições, embora contendo disposição de competência privativa desta Câmara (o seu art. 1º), a presente propositura deve subordinar-se ao andamento formal dos projetos de lei e, se aprovado, sofrer a sanção e a promulgação do Prefeito. (Câmara Municipal, Informação nº 3.980, Processo 8.038 de 1956, pp. 1 e 2).

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A expressão “ad referendum” quer dizer para posterior aprovação do Poder Legislativo, é um dispositivo usado pelo Executivo na tentativa de dinamizar os processos administrativos e obter resultados mais rápidos.

É fato que alguns setores discordavam da contratação de Lebret e da SAGMACS para realização do trabalho de pesquisa urbana, criticando a vinda de um pesquisador estrangeiro, em detrimento da contratação de qualificados técnicos brasileiros, que na opinião de membros da Associação Comercial de São Paulo, seriam capazes de realizar o mesmo trabalho, com maior afinidade com o sítio paulistano do que Lebret. Porém, com o auxílio de Anhaia Mello73,

Toledo Piza conseguiu emplacar a contratação da SAGMACS, aprovando a Lei 3.191 junto à Câmara Municipal em 20 de dezembro de 1956, que conforme seu cabeçalho “aprova contrato de serviços científico-técnicos celebrado pelo

Executivo com a SAGMACS e abre crédito especial de Cr$ 8.500.000,00 (oito milhões e quinhentos mil cruzeiros) para ocorrer ao pagamento das despesas.”.

A aprovação do contrato pela Câmara de Vereadores ocorreu dois meses após o encaminhamento do projeto de lei ao então Presidente da Câmara, Vereador Elias Shammass. Para que fosse possível aprovar o projeto que contratava a SAGMACS, os vereadores solicitaram o detalhamento da metodologia que seria empregada pelos pesquisadores envolvidos, para assim poderem considerar notório saber de Lebret e sua equipe, e assim suceder a contratação dispensando processo de concorrência. Pois era necessário responder a indagação feita pela Assessoria Técnica Legislativa à Municipalidade, de que:

Pesquisas sobre a estrutura urbana da população paulistana não são serviços de que somente a ‘SAGMACS’ possa desincumbir-se”. Porém, o parecer técnico do Legislativo salientava que “em favor do critério do Executivo, poder-se-a (sic)

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Toda documentação referente ao processo de contratação da SAGMACS pela Prefeitura, encontra-se no arquivo da Biblioteca da Câmara Municipal de São Paulo, sob o processo nº 8.038 de 1956. Junto a documentação, contém cópia do contrato, exposição dos motivos da contratação, parecer técnico da Assessoria da Câmara Municipal, Esclarecimentos sobre os métodos de trabalho da SAGMACS, assinado por Mário Laranjeira de Mendonça e uma cópia da ata da comissão do Plano Diretor, com uma carta de Luiz Anhaia Mello defendendo a contratação de Lebret e sua reconhecida experiência na área do urbanismo, para realização do trabalho para a Prefeitura paulistana.

apenas, alegar que os trabalhos da empresa contratante seriam orientados pelo Rev. Padre Louis Joseph Lebret, técnico de renome internacional e que dispõe de métodos próprios para a realização desses estudos.

O que revelava o prestígio e reconhecimento que gozava Lebret entre a opinião pública. Mas apesar do reconhecimento expresso no parecer, a notoriedade e relevância do trabalho de Lebret, o mesmo parecer indagava que o processo de contratação não descreviam os métodos que seriam utilizados pela SAGMACS e por Lebret:

De modo que a disponha a Câmara de fundamento para julgar da sua superioridade sobre os comumente utilizados em levantamentos dessa natureza. No termo do contrato há referência a ‘pagamento dos direitos de utilização dos métodos de Economia e Humanismo’. Em que se diferenciam tais métodos dos demais?

Assim, visando atender a recomendação da Assessoria Técnica do Legislativo, o prefeito Toledo Piza solicitou a direção da SAGMACS o encaminhamento de um documento com o detalhamento dos métodos que seriam utilizados no trabalho de pesquisa urbana sobre a cidade de São Paulo. O engenheiro Mário Laranjeira de Mendonça, então diretor presidente da SAGMACS, encaminhou o documento “Esclarecimentos sobre os métodos que ‘SAGMACS’ empregaria para realizar a pesquisa sobre a estrutura urbana de São Paulo”, justificando que tais métodos são resultados de vinte e cinco anos de pesquisa resultantes da elaboração de metodologia do Centro de estudos de complexos sociais do Économie et Humanisme francês, indicando como referência a leitura do livro escrito por Lebret “Guide Pratique de l’Enquête Sociale”, onde poderia se constatar os questionários e diagramas que a equipe se utilizava em suas pesquisas. Justificando que:

Para o caso da cidade de São Paulo, SAGMACS elaboraria, de acordo com os métodos gerais contidos nos volumes acima citados, questionários, diagramas e

planos de estudos especializados, adaptados aos problemas específicos da cidade, de acordo com o esquema geral apresentado na cláusula I do termo do contrato. [...]

Além do problema dos métodos para a realização dos trabalhos ora em questão, é necessário considerar-se a experiência e a capacidade de quem vai dirigir com as qualificações do Rev. Pe. Lebret que, há 25 anos vem trabalhando neste campo, é o criador dos métodos de análise mencionados e tem realizado trabalhos dessa natureza na França, na Colômbia e no Brasil. Em nosso país, já realizou o estudo sobre o Estado de São Paulo e está realizando trabalho semelhante para os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.” Além de ter participado “como técnico num estudo sobre definição de Standards e níveis de vida da Organização das Nações Unidas em 1951. (Cf. SAGMACS, 1956, folha 8 do processo 8038/56).

Com o intuito de fortalecer a exposição da reconhecida experiência da SAGMACS à Câmara Municipal, Mendonça também mencionou a Ata da reunião da Comissão Orientadora do Plano do Município, ocorrida em 14 de agosto daquele ano, na qual Anhaia Mello manifestou à necessidade de realização do trabalho e das qualificações de Lebret para a coordenação. Verificamos então, a familiaridade de Anhaia Mello com o método empreendido por Économie et Humanisme. Além disso, observamos que sua atuação em defesa da contratação de Lebret para realização do estudo sobre a estrutura urbana da aglomeração paulistana, teve grande importância no reconhecimento desta necessidade junto à Opinião Pública e à Câmara Municipal.

Assim, sob a Lei 3.191/56, a contratação da SAGMACS foi aprovada pelo Legislativo em todos os seus termos, retroativo a 12 de outubro de 1956. Os custos desta contratação, Cr$ 8.500.000,00, valor que representava 0,20% do total da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 1957 e cerca de 1% do total do orçamento para a Secretaria de Obras e Serviços – responsável pela implantação de infra-estrutura e a manutenção urbana, desta secretaria também saiam os recursos para a contratação de projetos e planos urbanísticos.

As despesas e responsabilidades previstas no contrato, conforme a Lei aprovada eram descritas em seu artigo 2º, que é o Executivo autorizado a despender, com os serviços a que se refere o artigo anterior, [...], na conformidade dos itens seguintes:

I – Pagamento das despesas de direção e execução da análise, e direitos de utilização de métodos à SAGMACS, Sociedade Civil, nos termos da cláusula X do contrato... Cr$ 4.800.000,00 II – Cinco viagens de São Paulo à Paris e vice- versa... Cr$ 475.000,00

III – Permanência de um engenheiro na

França... Cr$ 30.000,00 IV – Móveis, máquinas e utensílios... Cr$ 550.000,00 V – Transporte do pessoal para as pesquisas... Cr$ 700.000,00 VI – Impressão de questionários, fichas, objetos de escritório, cópias heliográficas, etc... Cr$ 270.000,00 VII – Impressão do relatório final... Cr$ 1.000.000,00

VIII – Eventuais e despesas de pronto

pagamento... Cr$ 675.000,00

Além dos valores apresentados na Lei 3.191, os quais deveriam ser desembolsados pela municipalidade, o contrato também apontava para a obrigação do município ceder espaço físico à equipe participante, a destinação de um funcionário público do corpo técnico do Departamento de Urbanismo para acompanhamento dos trabalhos da equipe, a contratação de secretárias, sendo uma bilíngüe português-francês, e todas despesas com a impressão de cem volumes do relatório final, dos quais trinta seriam encaminhado à SAGMACS.

Como já sabemos, o contrato foi interrompido em 1958, pelo prefeito Ademar de Barros, antes do término dos trabalhos da equipe e por isso foram impressos somente cinco cópias do relatório final, contendo dois volumes divididos em cinco partes. É preciso esclarecer que a vigência do contrato esgotava-se em 31 de dezembro de 1957, após o término do mandato do

prefeito Toledo Piza, que entregaria o cargo para Ademar de Barros em 8 de abril. Portanto é possível afirmar que a SAGMACS trabalhou na maior parte de tempo sob a administração de Ademar de Barros, que não se sentiu encantado pelo método empreendido por Lebret, e por isso negou o pedido de aditamento feito pela SAGMACS à municipalidade, para que fosse possível a conclusão integral do que se estava previsto no contrato assinado por Piza.

Em continuidade a melhor elucidação do estudo “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana”, apresentaremos a equipe participante do trabalho de pesquisa urbana e posteriormente, introduziremos para a maneira que o relatório foi organizado e apresentado à Municipalidade em 1958.