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Parte I – Um estudo introdutório sobre os aspectos formadores da hegemonia paulistana

Fundador do Mouvement Économie et Humansisme

5.2. Parte I – Um estudo introdutório sobre os aspectos formadores da hegemonia paulistana

Num trabalho bastante descritivo discorre-se sobre a formação histórica da cidade de São Paulo, descrevendo o sítio natural, as paisagens encontradas pelos jesuítas em 1554, as condições físicas para o desenvolvimento e também as dificuldades encontradas nestes quatrocentos anos de formação urbanística.

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Ainda que os geógrafos não fossem incorporados aos quadros técnicos do Departamento de Urbanismo da Prefeitura e sequer convidados a opinaram sobre os planos urbanísticos do período.

Para elucidar tais aspectos é utilizado o trabalho de Monbeig “Aspectos

Geográficos do Crescimento de São Paulo” (1954) e “Pionniers et Planteurs de São Paulo” (1952), em que o autor traça o perfil sócio econômico e faz uma

narrativa épica do crescimento populacional e urbano da cidade.

Para enriquecer esta descrição sobre a formação histórica de São Paulo, utiliza-se outro importante geógrafo, o prof. Aroldo de Azevedo, que desde os anos 1920 havia até o período em questão, publicado vários de seus estudos geográficos sobre a cidade, incluindo levantamentos sobre modos de vida e costumes culturais dos habitantes, divididos em bairros, tendo inclusive coordenado a publicação de uma coletânea em 1954 – por ocasião das comemorações do IV Centenário – intitulada “A cidade de São Paulo: Aspectos

da Geografia Urbana”, em que apresenta hábitos da cultura urbana trazida pelos

italianos, japoneses, espanhóis, frente à sociedade tradicional já consolidada, estabelecida nos bairros burgueses do perímetro central.

Além dos aspectos de formação histórica, a primeira parte do estudo também dedica um capítulo – capítulo segundo – para abordar os aspectos econômicos e a história social de São Paulo. Para realizar este trabalho, o relatório recorre aos economistas Roberto Simonsen, citando o trabalho “História Econômica do Brasil” e do professor Simões de Paula com “A segunda

fundação de São Paulo”, que aborda a formação inicial dos bairros industriais

paulistas como Brás, Bom Retiro, Água Branca e Ipiranga a partir dos anos 1910.

Utilizando-se dos economistas e dos geógrafos, tecem uma análise sobre as zonas de influência da metrópole paulistana sobre as demais regiões do país, apontando para o significado histórico que a ferrovia teve no desenvolvimento da economia paulista e na interligação de São Paulo com as demais capitais e outras regiões do país. Pois, cf. já apontamos anteriormente, o sistema ferroviário implantado na última metade do século XIX fez também do Porto de Santos o principal responsável pelas importações e exportações brasileiras, favorecendo ainda mais a vocação de São Paulo como entreposto comercial. Concluindo esta análise com uma comparação da existência de elevado volume de estradas de rodagem na década de 1950. E concluem o primeiro capítulo da primeira parte, dizendo que:

São Paulo, pela dupla irradiação de suas redes ferroviária e rodoviária em direção aos Estados do Sul, Mato Grasso, Goiás, Minas, Estado do Rio e Distrito Federal, é no país, o centro e o ponto de partida mais importantes do ponto de vista da irradiação e influência sobre espaços regionais. Seu papel de metrópole não será, por muito tempo, e talvez mesmo nunca, suplantado por qualquer outro centro brasileiro (SAGMACS: 1958, p, 38).

O segundo capítulo desta primeira parte expõe a necessidade de compreensão de todos os aspectos econômicos e sociais para a estimativa das demandas e consequentemente elaboração do planejamento das ações. Por isso a SAGMACS realiza um levantamento sobre as telecomunicações no Estado de São Paulo e também sobre a rede de serviços bancários. Estes levantamentos tinham como objetivo esmiuçar as condições econômicas para o desenvolvimento paulistano, enquanto metrópole industrial do país, sendo que o primeiro deles, levantava o número de ligações efetuadas e recebidas na cidade, apontando que “a rede telefônica é outro elemento de influência da

capital, proporcionando entre a capital e o interior ritmo mais dinâmico nas transações, contatos e negócios” e apontando ainda para “a irradiação cultural, técnica e política que a capital exerce, através do rádio, televisão, imprensa, orientação escolar, no interior do Estado e mesmo no resto do país” (idem, p.

31). Concluindo que estes dados demonstram o fortalecimento de São Paulo como centralidade metropolitana do país, consolidando no início da segunda metade do século XX, a imagem da cidade de negócios, tal qual como podemos ver hoje. Sendo que, de acordo com o levantamento feito pela C.T.B. – Companhia de Telefonia Brasileira foi possível verificar que “com exceção da

cidade do Rio de Janeiro, todas as outras cidades, como Belo Horizonte, Santos, Santo André, São Caetano do Sul, Campinas, chamam mais vezes São Paulo do que São Paulo as chama” (cf. Tabela IV-b, idem, p. 55).

Quanto a rede de serviços bancários, o estudo aponta (idem, p. 45), “que

São Paulo dispunha da rede bancária mais desenvolvida do Brasil, com um total de 1.454 estabelecimentos”. Porém para demonstrar a hegemonia paulista

frente as demais regiões, é importante mencionar que deste total, 105 vinculavam-se a matrizes de bancos paulistas, dos quais 75 localizavam sua

sede na cidade de São Paulo, o que demonstra sua vocação enquanto não só capital industrial, mas também econômica e de uma cidade de negócios.

Já o capítulo terceiro desta primeira parte destina-se a levantar as análises demográficas sobre os avanços da população paulistana em relação às demais cidades brasileiras. Cabe salientar que esta pesquisa constituiu um importante instrumento de análise para os técnicos da SAGMACS, pois a partir dos números levantados foi possível tecer as hipóteses para o crescimento de São Paulo para as próximas décadas e, desta forma, apontar as diretrizes para possíveis soluções urbanas.

Primeiramente a SAGAMCS teceu um resumo da evolução da população paulista, mostrando como a partir de determinada época ela já se mostrava portadora de sinais iniciais e de indícios reveladores do rápido ritmo de crescimento constituído desde o século XIX. Munida dessas informações, o estudo examinou “à luz dos dados existentes as principais características desse crescimento, permitindo apresentar suas perspectivas e projeções” (idem, p. 61), o que seria por si só suficiente para se estimar as possibilidades de crescimento populacional e assim buscar possíveis soluções urbanísticas.

É importante lembrar que através dos números do IBGE e do Departamento de Estatística do Estado, verificamos que os municípios da aglomeração (Santo André, São Bernardo, São Caetano e Guarulhos) tiveram no período de 1940-1950 uma taxa de crescimento bastante elevada, chegando a 9,6% ao ano. E segundo os dados obtidos nestes órgãos, entendeu-se que este crescimento acelerado ocorria principalmente devido ao fluxo migratório de pessoas que deixavam cidades no interior e as zonas rurais da capital, rumo aos centros urbanos atraídos, sobretudo pela possibilidade de trabalho na indústria. De forma que o relatório aponta que “basta apenas saber se o surto

industrial paulista, em plena ascensão nesse momento, tanto a partir de capitais nacionais quanto estrangeiros, tenderá preponderantemente para uma maior densidade de implantação na aglomeração ou se o movimento descentralizador para o interior provocará uma diminuição no ritmo de crescimento populacional da concentração urbana da capital” (idem, ibid, p. 71).

Figura 20

Mapa B5f demonstrando o crescimento demográfico alcançado nas unidades elementares da Unidade Complexa do Centro.

O crescimento maior dos municípios da Aglomeração Paulistana, além dos bairros localizados na região leste e norte da cidade, em relação ao centro da capital expõe a expansão de forma periférica da economia metropolitana, criando nestes locais, cidades dormitórios, formadas por população com renda inferior a da sociedade tradicional, localizada em proximidade ao centro da capital. Esta questão já revela uma diferenciação do custo da terra, sobretudo na cidade de São Paulo, pois aponta a busca da população operária e de renda menor por locais mais baratos para o investimento privado e o favorecimento por parte das autoridades, quanto à implantação de novos bairros suburbanos.

Deste modo, pensando em apontar soluções que poderiam representar melhorias no futuro da cidade e equilíbrio entre as regiões, a SAGMACS após ter levantado as bases para a expansão populacional, para o desenvolvimento econômico e social e o histórico de São Paulo, tece três hipóteses que nortearam os trabalhos da equipe de pesquisa urbanística do grupo de Lebret.

Estas hipóteses levaram em consideração os cenários de crescimento populacional e expansão econômica, além de uma possível desaceleração da economia ou recessão. Com o intuito de prevenir a continuidade dos trabalhos imediatistas, que foram bastante comuns pelas administrações públicas nas décadas anteriores, e apoiando-se em levantamentos estatísticos, estas hipóteses constituíam cenários para o planejamento dos próximos 40 anos da cidade.

É importante perceber que as hipóteses trabalhadas enquanto cenários possíveis de crescimento demográfico para São Paulo, transcendem os limites físico-territoriais conferindo tratamento integrado à Aglomeração Paulistana. O que revela a abertura para uma discussão da questão metropolitana em São Paulo e o planejamento regional, da qual a SAGMACS mostrava-se adepta. Porém, a metodologia estatística empregada para construção das hipóteses de crescimento populacional, não eram ferramentas próprias da SAGMACS, mas sim, do IBGE e do Departamento de Estatísticas do Estado de São Paulo.

Assim, o relatório explicita a utilização da aplicação de “um método que,

considerando o crescimento vegetativo, procurava demonstrar o saldo migratório através de coeficientes médios, obteve-se nos testes preliminares, satisfatório comportamento em relação ao movimento demográfico, tanto no aspecto intrínseco como no extrínseco.” (idem, p. 70). Apontando que os

números poderiam falhar, uma vez que o IBGE e o Departamento de Estatísticas ainda não haviam aplicado as suas pesquisas até o período, um estudo sobre as migrações internas e imigrações estrangeiras.

A ‘hipótese a’ adotava a possibilidade de um crescimento geométrico de 5,25% ao ano para a Aglomeração Paulistana, apontando que São Paulo alcançaria no ano 2.000 uma população superior a 31 milhões de pessoas. “Segundo esta hipótese, o desequilíbrio entre a população concentrada em

econômica apresentar-se-iam como bastante fortes para impedir que o fenômeno chegasse a existir” (ibid, ibidem, p. 75), o que levou a SAGMACS a

descartá-la.

A ‘hipótese b’ consistiria em prever um maior equilíbrio entre a população da aglomeração e a do Estado. Este cenário previa a possibilidade de São Paulo alcançar um terço da população do Estado, o que era visto como possível, mas sendo provável sua superação devido o crescimento da última década. Assim, São Paulo atingiria no ano de 1.975 uma população de 5.630.000 habitantes e em 2.000 10.470.000 pessoas. Porém, “a tendência

atual, no entanto, revela uma aceleração do ritmo de aumento verificado entre 1940 e 1950. Desse modo, os resultados decorrentes dessa hipótese seriam inferiores à realidade, pelo menos no tocante a 1975, data a partir da qual a curva ascensional poderá ser menos rápida” (ibid, ibidem, p. 76)86. Este

contexto levou a SAGMACS a tecer uma terceira hipótese.

A ‘hipótese c’, que foi admitida e escolhida para se trabalhar enquanto cenário desejável para o futuro da cidade era uma média entre as duas primeiras hipóteses, admitindo-se que os índices de crescimento seriam reduzidos a partir de 1975, chegando ao ano 2.000 com uma população de aproximadamente 10 milhões de habitantes e no máximo 12 milhões. Justificando esta terceira hipótese devido às seguintes razões:

1º - As diversas atividades localizadas na aglomeração não devem ser referidas apenas ao território do Estado, mas à toda a zona de influência comercial paulista para produtos industriais. [...]

2º - A necessidade de produtos industriais aumentará mais rapidamente que as cifras da população, e consequentemente, aumentarão também a percentagem da população industrial, [...]

86 Cabe salientar que apesar desta hipótese ter sido descartada, pois no período os técnicos da

SAGMACS acreditaram que São Paulo teria maior fôlego para continuar crescendo, os dados censitários realizados posteriormente ao trabalho, demonstraram a desaceleração do crescimento populacional paulistano a partir dos anos 1980.

3º - O dinamismo, a capacidade de investimentos, a elevação do nível técnico são razões de natureza a assegurar a São Paulo uma primazia que tornará mais denso ainda o seu tecido urbano por longa data.

4º - A energia elétrica já ou futuramente disponível, a possibilidade do transporte de energia produzida mesmo à distância, as possibilidades de energia térmica à base de carvão ou petróleo nacionais, e mesmo futuramente a utilização de energia nuclear para fins industriais, são razões positivas em favor do crescimento da população.

5º - A rede ferroviária e rodoviária, o porto de Santos, a ambiência técnica, maior produtividade e melhores condições de trabalho, são, igualmente, razões no mesmo sentido.

Podemos, pois, concluir pela afirmação de que o plano de ordenação racional da aglomeração paulistana, deverá ser estabelecido em função de uma próxima (1.975) população de 7.500.000 habitantes e previsto, em suas disposições fundamentais, básicas, para uma futura população (ano 2.000) que poderá variar entre 10 e 12 milhões (ibid, ibidem, p. 78).

O capítulo quarto trata da estrutura da expansão paulista, estendendo o trabalho para as cidades industriais paulistas, contidas no chamado greatest São Paulo, que analisava além das cidades da Aglomeração Paulistana, da Gret São Paulo e da Greater São Paulo, também as cidades de Marília, Ourinhos, Lins, Itapeningá, Barretos e São José do Rio Preto, áreas classificadas como Greatest São Paulo. Estas cidades não dependiam diretamente da capital paulista, como as cidades da Greater São Paulo, porém eram significativas em importância econômica devido a presença da atividade industrial.

É interessante ressaltar que a SAGMACS chamou atenção para a importância do comércio exterior em São Paulo, e seu crescimento ocorrido na década de 1950, com aumento das vendas em 35%. Porém o relatório aponta que o mercado consumidor paulista era garantido, sobretudo, pelo acentuado comércio por vias internas e locais, e expandia-se tanto para o interior do Estado, quando para as demais regiões do país, o que demonstra a hegemonia da produção industrial paulistana.

Porém, o relatório aponta que “no que concerne à área comercial direta

correntes comerciais por atacado e a varejo da capital e do Estado.” (idem, p.

88). E aponta para o método de W. J. Railly, revisada por P. D. Converse que era capaz de apontar o cálculo do ponto de divisão de influência comercial de duas cidades. “Essa relação empírica não tem valor senão para duas cidades

com rede comercial completa e já com uma população importante.” (idem, p.

89).

No caso de São Paulo, as cidades (excluídos os municípios de Guarulhos e os do ABC que constituem com São Paulo uma só aglomeração urbana) que atendem a tais requisitos são: Rio de Janeiro, Santos, Campinas, Sorocaba. (idem, ibid.)

Para se entender o cálculo de Railly, o relatório apresenta os dados em uma tabela que levou em consideração cinco cidades: a capital, Campinas, Rio de Janeiro, Sorocaba e Santos. Vejamos a seguir o ponto de divisão em que revela a hegemonia paulistana em relação às demais cidades investigadas.

Cidade População Distância de São Paulo (Km) Ponto de Divisão da zona de Influência comercial (Km)

São Paulo (Capital) 3.128.552 - -

Campinas 160.722 87 16,1

Rio de Janeiro 2.623.000 432 205,7

Sorocaba 111.974 101 13,3

Santos 264.851 78 17,7

Tabela 6

Segundo esse cálculo, verifica-se que, a partir de 17,7 Km de Santos, 13,3 Km de Sorocaba, 205,7 Km do Rio de Janeiro, 16,1 Km de Campinas, a população moradora dessa área prefere São Paulo (cidade) às cidades mais próximas, para fazer suas compras periódicas. (idem, p. 90).

E atribuindo os seguintes motivos para a predominância de São Paulo frente as demais regiões como centro distribuidor de riqueza “decorre de sua

posição como centro de irradiação rodoviária, ferroviária e aeroviária Ligado aos diferentes Estados quer diretamente, quer por meio de entrocamentos, São Paulo domina uma considerável área brasileira.” (idem, p. 91).

No que diz respeito ao setor industrial, o relatório apontou para a predominância da indústria na Aglomeração Paulistana e também em demais cidades do interior paulista, mostrando que esta situação influenciava o território paulista, deixando claro sua hegemonia frente às demais regiões do país. Porém, demonstramos anteriormente a partir das análises de Cano (1974) os motivos que levaram São Paulo tomar dianteira no desenvolvimento industrial brasileiro.

A primeira parte do estudo é finalizada com a apresentação do quinto capítulo que fez um estudo comparativo entre o crescimento de São Paulo e das demais capitais brasileiras. Foi priorizado as populações de três cidades: Distrito Federal, Porto Alegre e Belo Horizonte, pois a SAGMACS considerou que “Salvador e Recife, embora capitais de Estados de população importante,

encontravam-se em situação menos favorável de expansão, em virtude das dificuldades de desenvolvimento de seus ‘hinterlands’” (idem, p. 111).