• Nenhum resultado encontrado

Brasil e terceiro mundo no foco de Économie et

Fundador do Mouvement Économie et Humansisme

3.5. Brasil e terceiro mundo no foco de Économie et

Humanisme

Em 1947, o médico e geógrafo brasileiro Josué de Castro publicou o livro “Geografia da Fome”, resultado de seus estudos sobre fisiologia, antropologia e geografia no Brasil. Este trabalho teve grande repercussão no meio acadêmico intelectual nacional e também obteve reconhecimento fora do país, como obra de grande prestígio. Desta forma, a obra de Josué de Castro ficou conhecida também na França e aguçou a curiosidade do padre Lebret, estudioso das questões do desenvolvimento econômico, sobre o Brasil.

Em 1952, o historiador e antropólogo francês Alfred Sauvy empregou, pela primeira vez, a terminologia “terceiro mundo” ou “terceiro Estado”, em artigo publicado na revista L’Observateur, para denominar os países localizados na América Latina e África, os quais, para ele, viviam em situação ainda precária, apesar de apresentarem amplas possibilidades de melhoria e desenvolvimento local. Assim, a referência de Sauvy mostra que no período pós-segunda guerra e no início dos anos 1950, o Brasil, assim como os demais países da América Latina, já eram reconhecidos e alvo de estudos da intelectualidade européia.

Porém, foi a leitura de “Geografia da Fome” e o conhecimento de Perroux por ocasião de sua visita à USP, em 194661, que levaram Lebret a ter interesse

61 O economista francês Prof. François Perroux esteve no Brasil em 1946 por ocasião do início

do curso de Economia na Universidade de São Paulo. Em sua visita, Perroux colaborou na formação das linhas metodológicas do curso e influenciou alguns dos professores que ingressaram na universidade, formando jovens nesta nova disciplina oferecida no Brasil.

em visitar e conhecer o Brasil. Desde Lyon, o padre já enxergava aqui no Brasil a possibilidade de utilização de seu método de Économie et Humanisme como ferramenta de experimentação para intervenção nas questões do desenvolvimento nacional brasileiro.

Esta trajetória era possível, porque desde a fundação de Économie et Humanisme, em 1941, Lebret se qualificou como um pensador econômico, sendo reconhecido por alguns como sociólogo e por outros como economista. Nos anos 1940, os conhecimentos obtidos durante o curso de engenharia não se mostravam tão explícitos, mas voltaram à tona quando Lebret deu início a seu trabalho de pesquisas urbanas, mais especificamente no Brasil. Porém, o reconhecimento do trabalho de Lebret e de Économie et Humanisme levou-o a fazer uma série de viagens, a fim de ampliar seu campo de conhecimento e sua base de pesquisa. Estas viagens foram iniciadas após o fim da segunda Guerra e ocorreram primeiramente em países da Europa, como Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Suíça, Dinamarca e Suécia, no ano de 1945.

No Brasil, o contexto pós-segunda guerra mundial coincidiu com o processo de redemocratização do país, que tornou o quadro político social mais complexo do que nos países europeus, arrasados pela guerra. Tanto o Brasil quanto os países latino americanos não haviam assumido posicionamento tão marcante frente à guerra, não tendo se alinhado nem com os países do Eixo e nem com os países Aliados, o que garantiu maior segurança durante o período de batalhas.

Neste período, a atividade industrial brasileira desenvolveu-se de maneira expressiva, em decorrência do arraso do parque industrial europeu. Havendo necessidade de produção de materiais e fornecimento de equipamentos para os países que estavam envolvidos nas batalhas, o governo brasileiro soube aproveitar este momento e investir nas áreas de ponta, para que a indústria se desenvolvesse e gerasse importantes conquistas à nação brasileira. Este desenvolvimento fez o Brasil ampliar seu saldo na balança comercial, pois nunca antes a indústria havia exportado tamanha quantidade de produtos manufaturados à Europa.

Temos então a combinação de bons números na economia e a reconstrução de um novo tempo com a reabertura das vias democráticas, o que

gerou clima de otimismo entre a elite empresarial e os trabalhadores brasileiros. Foi neste contexto que o padre Lebret foi convidado, em 1947, a oferecer um curso de Economia Humana e Planejamento Econômico junto à ELSP – Escola de Sociologia e Política, em São Paulo, cujos alunos eram, em sua maioria, representantes da elite intelectual e empresarial paulistana, preocupados em impor ao Brasil um novo projeto de desenvolvimento econômico.

Lebret chegou ao Brasil em junho de 1947, tendo sua passagem paga pela FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, órgão de representação dos interesses da elite industrial paulista, capaz de exercer significativa influência no governo federal. No entanto, cabe-nos salientar que as informações sobre sua primeira vinda são imprecisas, pois ainda que o pagamento da passagem aérea pela FIESP esteja comprovado em seu diário, Lícia Valladares aponta que a vinda de Lebret ao Brasil foi intermediada pelos dominicanos de São Paulo, que haviam estado no Convento d’Angers e conhecido o trabalho de EH na França.

A disciplina oferecida por Lebret na área de economia, dentro do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da ELSP62, teve duração de

um semestre, e foi neste período que ele aproveitou para estreitar seus contatos no Brasil, bem como aperfeiçoar seu conhecimento sobre o terceiro mundo. Assim, além dos padres dominicanos, Lebret estreitou seus laços com importantes lideranças empresariais e intelectuais, como o Prof. Lucas Nogueira Garcez, Prof. Luiz Cintra do Prado, Prof. Antonio de Bezerra Baltar, Prof. Luiz Anhaia Mello, o sociólogo Frank Goldman, o empresário Olívio Gomes, o Desembargador João Batista de Arruda Sampaio, jovens com aspirações políticas como Wladimir Toledo Piza, André Franco Montoro e Carlos Alberto Alves Carvalho Pinto, Darcy Passos, além de seus contatos no meio religioso, através da Fraternidade Leiga dos Dominicanos.

Porém, as idéias difundidas por Lebret em seu curso eram consideradas por algumas lideranças empresariais avançadas demais e muito simpáticas à

62

O Programa da Disciplina oferecida por Lebret em 1947 pode ser conferido no final deste capítulo, como Anexo-1.

planificação da economia63, o que para eles era visto como ferramenta utilizada

pelos países de economia socialista, como a U.R.S.S, encabeçada pela Rússia, sendo, portanto, nocivas aos interesses econômicos individuais, presentes no ideário da classe empresarial paulistana. Até mesmo setores da igreja católica o consideravam subversivo à ordem social vigente, e por isso Lebret passou a ser mal visto pelos padres mais conservadores e também pelo governo do Presidente Dutra.

Segundo Lamparelli (2007), a situação de Lebret no Brasil se agravou quando o presidente Dutra, juntamente com o Congresso Nacional, cassou o registro de legalidade do Partido Comunista Brasileiro – o PCB. Mesmo sem haver empatia do partidão com Lebret, ele criticou o governo brasileiro dizendo que um país que cassa o registro de um partido político, não pode ser considerado um Estado de direito e muito menos um país democrático. Estas palavras de Lebret levaram o governo federal, juntamente com a cúpula da igreja católica brasileira a negociar o retorno de Lebret à França, tendo o apoio do Vaticano, a proibição de retornar ao Brasil e aos demais países da América Latina, que perdurou até 1953, quando ele retornou para colaborar com o governo de Garcez, no Estado de São Paulo.

É necessário apontar que a proibição dada pelo Vaticano a Lebret se estendeu aos demais países da América Latina, pois no mesmo ano ele havia visitado o Chile, a Argentina e a Colômbia, e também disseminado seus pensamentos progressistas sobre democracia e desenvolvimento econômico, desagradando algumas lideranças católicas, favoráveis a uma igreja mais tradicionalista, voltada exclusivamente à doutrina cristã e fechada para a realidade social e os problemas da população católica no mundo.

No entanto, como era comum, por onde passava Lebret costumava disseminar o Mouvement Économie et Humanisme e angariar adeptos para suas idéias. E no Brasil, Chile e Colômbia não foi diferente, havendo no Chile aceitação de suas idéias, incorporadas até pelo governo nacional, vinculado à Democracia Cristã, nos anos 1950. Já no Brasil e na Colômbia, a vinculação

63

No contexto pós segunda guerra, é importante diferenciar a planificação econômica das idéias sobre o planejamento urbano.

com o EH ficou por conta da fundação de organizações sociais autônomas, que funcionavam como apêndice institucional do Movimento francês.

Por ocasião de seu retorno à França, no final do ano de 1947, a ordem recebida na carta de Roma era de que Lebret deveria reportar-se ao papa Pio XII, relatando os problemas ocorridos durante sua estada no terceiro mundo, esperando-se a repreensão da igreja a ele. Coube ao Núncio Apostólico em Paris, cargo que era exercido pelo Cardeal Angelo Roncalli, que em 1958 tornou-se o papa João XXIII 64, repreender o padre Lebret. Em 24 de novembro

de 1947, ambos tiveram uma conversa, relatada no diário de Lebret, como muito cordial, onde Roncalli o advertia de que não havia na igreja católica consenso sobre o uso do termo “humanismo”, e que isso poderia ser confundido com outras aspirações, recomendando a Lebret maior cuidado em seu trabalho e em suas aspirações sociais.

“Roncalli adressa quelques avertissements: le mot ‘humanisme’ pouvait

prêter à confusion dès lors qu’on avait ‘tendance à l’employer aujourd’hui dans le sens d’antichristianisme’“65 (Pelletier, 1996 , p. 208). Neste período

instaurava-se o contexto político da Guerra Fria e, na visão da igreja, a ameaça do socialismo frente ao capitalismo era real, sendo necessário o afastamento de qualquer percepção simpática a uma doutrina mais progressista que a vigente.

No Brasil, o quadro político era um tanto mais tumultuado do que esta oposição entre capitalistas e socialistas, pois dentro da própria esquerda havia pensadores mais progressistas e também mais conservadores. Desta forma, notamos a existência, dentro das forças à esquerda, de liberais conservadores, democratas cristãos e os integralistas, movimento ao qual D. Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda, havia participado nos anos 1940.

64

O papado de João XXIII é considerado pelos historiadores como dos mais progressistas, devido seu trabalho na organização do Concílio Vaticano II, que culminou com a abertura da igreja para o mundo e uma ampla reforma social da estrutura eclesiástica.

65

Tradução nossa: “Roncalli faz algumas advertências: a palavra ‘humanismo’ poderia ser alvo de confusão desde que houvesse a tendência de empregá-la, hoje, no sentido de anticristianismo.”

O PCB não simpatizava com as idéias de Lebret, pois elas se opunham ao conceito de luta de classes, pregando o desenvolvimento harmônico, o que para Luis Carlos Prestes era impossível de ocorrer sem uma justa distribuição de renda. A seu ver, isto só seria alcançado em caso de vitória da classe trabalhadora sobre o capital, com a mesma tomando os meios de produção e o controle do Estado. Assim, a Democracia Cristã, que conseguia reunir liberais conservadores e simpatizantes do socialismo, era o espaço ao qual Lebret se vinculava com maior empatia aqui no Brasil.