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SOCIOLOGIA MILITAR

CAPÍTULO 2 – OS TEMAS AGLUTINANTES DA SOCIOLOGIA MILITAR

1. A Polemologia: Principais autores

1.1 A guerra como objecto de estudo da ciência social

Escrever a história da violência põe imediatamente um problema ao investigador: como analisar a violência e a forma como uma dada sociedade a define sem ser tentado a descrever toda a história humana, já que uma das suas características constantes é o emprego sistemático da violência, inorganizada ou codificada segundo as épocas.

De qualquer forma, poder-se-á dizer que foi a partir da Revolução Francesa que o fenómeno da guerra adquiriu as principais características, que hoje o identificam, na medida em que se passou da guerra dinástica para a guerra da nação como um todo.

Ao introduzir na história um processo revolucionário da guerra de massas populares e a ideia de que, através da violência, seriam capazes de modificar a condição humana, perspectivou-se uma nova dimensão para a violência já que todas as forças nacionais (militares, económicas e culturais) se conjugam numa estratégia de guerra total. Esta tónica evolutiva desenvolveu-se até aos nossos dias.

As definições atribuídas à guerra são inúmeras e diferentes consoante o ponto de vista assumido pelos seus autores: jurídico, militar, sociológico, filosófico, etc. A ambiguidade impera.

Raymond Aron, em 1962, distingue três tipos de paz: “a paz de equilíbrio,

quando num dado espaço histórico as forças das unidades políticas permanecem em equilíbrio ou manifestam-se em equilíbrio; a paz de hegemonia, quando as forças das unidades políticas são dominadas pelas forças de uma delas; a paz de império, quando as forças das unidades políticas são submetidas pelas forças de uma delas a tal ponto que todas elas salvo uma perdem a sua autonomia e tendem a desaparecer como centros de decisão política” (1967:45).

Ainda segundo Aron, o progresso conjunto das técnicas de produção e de destruição veio introduzir um princípio de paz diferente do poder: “a paz de

terror, a paz que reina (ou reinará) entre unidades políticas em que cada uma tem (ou terá) a capacidade para desencadear sobre a outra golpes mortais” (idem:46).

O antropólogo Marvin Harris, não excluindo as potencialidades congénitas da agressividade, sem a qual a actividade militar não poderia existir considera, que “a Guerra é um fenómeno essencialmente cultural” (Harris, 1997:28). Philipe Delmas, num livro com o título sugestivo de «Lê bel avenir de la guerre» (1995). Escreve: “A nossa concepção de guerra, forjada ao longo de séculos de

soberania, revela-se já inadaptada face às guerras de legitimidade. A sua multiplicação impõe-nos uma prioridade: consolidar os Estados legítimos, os únicos capazes de traçar um destino para o que eles representam. Se isto não acontecer, a falha dos Estados assegurará em belo futuro à guerra” (1980:67).

À pergunta: «Podemos garantir a paz?» responde Delmas nestes termos: “A pergunta é quase absurda, já que a história é praticamente a história da guerra. Em

vinte cinco séculos a China não conta, ao todo, dois séculos de paz. Nos vinte séculos do Ocidente, contamos um pouco mais. O paciente esforço da civilização e a construção das relações entre as potências conduz à organização das guerras” (1980:67).

Por sua vez os Toffler abordam na sua obra «Guerra e Antiguerra» um assunto que tem preocupado a humanidade desde sempre: a guerra e a paz.

Segundo eles as formas de guerra foram-se modificando ao longo dos tempos, a era agrária deu-nos a enxada e a espada, a era industrial deu-nos a produção em massa e a destruição em massa, e o presente dá-nos a tecnologia e a precisão cirúrgica nos ataques.

Assim consideram haver uma correspondência cronológica entre estes três momentos e as guerras da primeira vaga (era agrária), segunda vaga (era industrial) e terceira vaga (era tecnológica)

Segundo os autores “Quando a revolução agrícola lançou a primeira grande

vaga de modificações na história humana, levou gradualmente à formação das primitivas sociedades pré-modernas. Isto deu origem a povoamentos de carácter permanente e a muitas outras inovações sociais e políticas. Entre estas, por certo uma das mais importantes foi a própria guerra.

A agricultura tornou-se o ventre da guerra por dois motivos. Permitia às comunidades produzir e armazenar um excedente económico pelo qual valia a pena lutar. E acelerava o desenvolvimento ao estado. Em conjunto, estes dois aspectos proporcionaram as, pré-condições para aquilo a que hoje chamamos guerra” (Toffler,

1994:43-44).

Por sua vez Shang que compôs, na antiga China, um manual para estadistas, ao estilo do que Machiavelli escreveu 1800 anos mais tarde, diz-nos “O país depende da agricultura e da guerra para ter paz” (cit. in Toffler, 1994:45).

No que respeita à guerra da Segunda vaga diz-nos Toffler que “a

revolução industrial provocou a transformação histórica. Essa «vaga» transformou a forma por que milhões de pessoas ganhavam a vida. E a guerra reflectiu uma vez mais as modificações da criação de riqueza e do trabalho. Tal como a produção em massa foi o princípio nuclear da economia industrial, a destruição em massa tornou-se o princípio nuclear da guerra da era industrial. Continua a ser o selo de autenticação da guerra da Segunda Vaga.” (Toffler, 1994:48-49).

Segundo o historiador de Yale R. R. Palmer, depois de 1792 uma vaga de inovações “revolucionou a guerra, substituindo a guerra limitada do Antigo Regime

pela guerra ilimitada dos tempos subsequentes... A guerra antes da Revolução Francesa era essencialmente um embate entre governantes. Desde aquele evento, começou a ser, cada vez mais, um embate entre povos». E começou igualmente a tornar-se um embate entre exércitos recrutados” (cit. in Toffler, 1994:49).

À medida que a Segunda Vaga progredia sobre a sociedade, as instituições da Primeira Vaga sofriam os efeitos da erosão e desapareciam.

Formou-se um sistema social que ligava a produção em massa, a educação em massa, a comunicação em massa, o consumo em massa, o divertimento em massa, e a destruição em massa.

Em finais da década de 1970 e princípios da de 1980, no entanto, as tecnologias, ideias, formas e forças sociais da Terceira Vaga principiaram a pôr em causa a sociedade de massas da Segunda Vaga.

“Na terceira vaga, a produção em massa já constitui uma forma obsoleta. A

produção desmassificada, pequenas doses de produtos altamente especializados é a vanguarda da produção.

A cultura deixa de ter padrões claramente definidos e hierárquicos, e passa a ser um tipo em que as ideias, as imagens, os símbolos se misturam, e cada indivíduo recolhe os elementos individuais com os quais vai formar o seu mosaico ou a sua colagem. Os valores existentes são postos em causa ou ignorados” (Toffler, 1994:32-33).

Toda a estrutura da sociedade muda, consequentemente. A homogeneidade da sociedade da Segunda Vaga é substituída pela heterogeneidade da civilização da Terceira Vaga.

Por sua vez, a própria complexidade do novo sistema exige uma troca de informações cada vez maior entre as suas unidades: companhias, agências governamentais, hospitais, associações, outras instituições e indivíduos. Isto cria uma devoradora necessidade de computadores, telecomunicações digitais, redes de comunicações e novos média.

“Por esses motivos, as tensões entre a civilização da Terceira Vaga e as duas

mais antigas formas de civilização continuarão a aumentar, e a nova civilização lutará para estabelecer a hegemonia global, tal como os modernizadores da Segunda Vaga fize- ram em relação às sociedades pré-modernas da Primeira Vaga, em séculos passados”

(idem:32-33).

Não obstante as grandes modificações verificadas nos últimos decénios relativamente à violência e à sua percepção enquanto instrumento de poder, continua a existir um elemento indelevelmente ligado à guerra que é a morte.

A necessidade de matar e a possibilidade de ser morto hão-de dar sempre uma dimensão transcendental à questão.

Na actualidade, porém face à ameaça nuclear, química e terrorista a sociedade civil não fica suficientemente protegida com a exclusão do combate, constituindo muitas vezes alvo preferencial de determinado tipo de acções.

Daqui resulta a mudança de referências tendo como consequência que “o

relacionamento tradicional entre guerra, civis e militares se apresente substancialmente alterado” (Reynaud, 1988:47).