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TEORIAS E MODELOS DE ORGANIZAÇÃO MILITAR

CAPÍTULO 5 – TEORIAS E PERCURSOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO MILITAR NAS FA’S

1. A teoria Institucional versus a Ocupacional (I/O)

1.1. Da lógica vocacional para a lógica ocupacional

Charles Moskos propôs, em 1978, a tese de que “a profissão militar nos

EUA, tendia a afastar-se no seu fundamento de uma base institucional para uma ocupacional, nomeadamente na esteira da adopção do AVF (All-Voluntary Force) conciliado com o término da conscrição no pós-Vietname. O núcleo fundamental do profissionalismo militar estaria a afastar-se da ênfase em valores institucionais tais como Pátria, Honra e Dever, para se "mercantilizar", ou seja, para se deslocar para valores economicístas de maximização da utilidade individual como pressuposto de actuação profissional” (Moskos, 1978:41).

Na base desta reconceptualização, encontrar-se-ia a tendência predominante em termos de relações Civis-militares.

O modelo institucional personificaria a divergência, a tendência para o afastamento, quer valorativa, quer, em muitos casos, físico da restante sociedade.

O modelo ocupacional primaria pela convergência, consubstanciando a entrada, da profissão militar no mercado geral da força de trabalho por meio da diluição das fronteiras entre mercado interno e externo.

A identificação do profissional deixaria de ser com a instituição (identificação vertical), para passar a ser com os agrupamentos ocupacionais ou profissionais «civis» (identificação horizontal).

Concretizando, a identificação do engenheiro, ou do piloto militar, deixaria de se colocar na sua condição de militar (unificadora face às categorias ocupacionais e tipo de tarefas desempenhadas), para se deslocar para a sua

condição de engenheiro ou de piloto (identificado com os engenheiros ou pilotos em geral).

“Segundo os autores que defendem a tese da dicotomia institucional /

organizacional, os elementos organizacionais e ocupacionais pesam cada vez mais nas motivações dos militares. Esta conclusão vai alterar o paradigma, da faceta institucional em direcção aos valores que formam a sociedade civil” (Moskos, 1988:45).

Perante estas transformações e com o objectivo de as compreender, Charles Moskos, na década de 80, propôs um quadro de análise em que identifica diferentes formas de perspectivar a organização militar.

Como já vimos, surge então um modelo institucional (ou divergente), relacionado com valores tradicionais como a honra, a pátria e o dever.

Neste modelo, os membros da instituição são vistos como seguidores de uma vocação e no modelo ocupacional (ou convergente), o modo de funcionamento relaciona-se mais directamente com a sociedade civil, em que as motivações para a adesão e permanência na carreira, são sobretudo de ordem material.

Para Moskos “a tendência na maior parte das Forças Armadas das democracias

ocidentais seria a passagem de uma lógica vocacional para uma lógica profissional, passando consequentemente do pólo institucional para o pólo ocupacional” (idem:19).

O modelo institucional/ocupacional, embora visando fornecer uma análise descritiva para compreensão das transformações, que se vêm verificando ao longo dos últimos anos na organização militar, não deixa contudo de ser utilizado num sentido normativo em relação à definição e implementação de políticas tendentes a favorecer um certo tipo de organização militar.

Embora o modelo não descreva uma mudança em direcção à civinilização “aproximação comportamental progressiva entre o mundo militar e a

sociedade civil no que respeita a técnicas de recrutamento, e a relações contratuais entre a entidade empregadora e o “assalariado” (Vieira, 1993:34), diferentes estudos

Armadas, no que diz respeito a uma possível diluição do profissionalismo militar.

Moskos (1988) refere, se as funções militares podem ser reduzidas a dólares, então as decisões sobre as organizações e o pessoal militar passam a ser um terreno para analistas de custo-benefício.

Para muitos, o dilema encontra-se precisamente no facto de as FA’s conseguirem estruturar e manter um formato, tanto cultural como organizacional, compatível com o objectivo operacional de coesão, sem que se dê o isolamento relativamente aos valores e tendências sociais mais amplas, o que é visto como indesejável.

O que ressalta de mais importante, em relação a este modelo, é a pertinência do mesmo para a compreensão e análise das transformações, que se vêm verificando nas organizações militares, e para a restituição das configurações particulares em diversos contextos espácio-temporais.

Uma instituição sustém-se, para Moskos, na “valorização de um bem maior

ou comum ao qual o interesse individual deverá ser subordinado. Visto como um chamamento ou vocação, o serviço profissional militar é apercebido no modelo institucional como superior ou simplesmente diferente do serviço profissional prestado fora da instituição militar, o que justifica uma certa auto-segregaçâo. As noções de sacrifício pessoal em prol do bem geral, a par com os ideais de altruísmo, coragem e patriotismo, fariam derivar, pela parte da sociedade civil, um sentimento de estima e apreço concretizado nos benefícios e regalias dadas a veteranos” (Moskos, 1988:16).

O desempenho das funções profissionais, já que ancorado em princípios estruturadores de dedicação e disponibilidade totais, possuiria traços divergentes face ao modo e regras gerais de desempenho profissional "civil".

O trabalho possuiria uma dimensão totalizadora e centralizadora na vida do indivíduo, pelo que seria visto como necessariamente enraizado numa vocação específica e não na mera concretização de uma via de angariação de meios necessários à sobrevivência física, o paternalismo forneceria as bases de estruturação, não só do sistema remuneratório e da atribuição de benefícios, como, das (únicas) vias legitimas de apelo «reivindicativo».

Este profissionalismo deve utilizar critérios objectivos de avaliação, de tal forma que a confiança do cliente na habilidade do profissional, neutra do ponto de vista afectivo, resulte da qualidade do desempenho, de acordo com os requisitos desenvolvidos e com os princípios aceites peio conjunto dos profissionais.

Segundo Moskos “o modelo pluralista ou ocupacional/convergente ou ainda

institucional/ocupacional, de algum modo, a síntese entre o pragmatismo de Janowitz e o integralismo de Huntington, segundo o qual a profissão militar, em consequência de os valores do mercado se terem parcialmente sobreposto aos valores institucionais, foi evocando progressivamente um carácter mais ocupacional, que integra elementos dos dois modelos anteriores” (1988:45).

Uma ocupação militar é legitimada, para Moskos, no mercado de trabalho, e encontra-se ancorada em princípios economicístas.

A retribuição é desde logo influenciada, pelo jogo da oferta e da procura global no mercado de trabalho. Os trabalhadores participam na determinação do nível salarial e na definição das condições de trabalho, operando o sindicalismo como equiparado aos iniciais desequilíbrios de poder entre empregador e empregado.

“A redefinição de uma profissão militar institucional para uma ocupacional

derivara para Moskos da aceitação de três proposições: 1) não existe diferença essencial entre serviços militares e empresas «civis» 2) a retribuição do profissional militar deverá sempre que possível ser em dinheiro, permitindo um desempenho mais eficiente no mercado. 3) A compensação deve derivar das capacidades e competências diferenciais dos indivíduos” (Moskos, 1988:17).

Um fundamento essencial, do modelo ocupacional, encontra-se na deslocação do primado do interesse colectivo para o individual, com a consequente erosão de alguns valores e modos de organização do serviço, tradicionalmente centrais da definição do profissionalismo militar.

Em 1988, quando extensa pesquisa empírica tinha já sido realizada em torno das duas tendências, identificadas que foram como fornecendo dois pólos abstractos úteis para a classificação no seu entremeio de modelos diversos de

Forças Armadas nacionais, Moskos, ao mesmo tempo que adianta ter vindo a ocorrer uma reinstitucionalização das Forças Armadas americanas, sistematiza e sublinha o que não se deve olvidar o facto de que, ambos os modelos sempre estiveram e provavelmente sempre estarão presentes, em conjugação, na Instituição Militar.

A generalidade dos autores que se debruçaram sobre a tese Instituição/Ocupação, reconhece que tal proposta teórica deve, como sistematiza Wood, “ser considerada como abarcando três níveis distintos de análise:

um nível micro relacionado com a mudança atitudinal e comportamental dos indivíduos (da orientação para o bem comum para a orientação para a maximização dos lucros individuais), um nível que reporta à mudança ao nível organizacional (ao nível dos valores predominantes, ao nível da alteração dos centros de poder, ao nível dos grupos de referência), e a um nível macro ligado às grandes mudanças históricas e societais ao nível das relações Civis-militares” (cit. in Moskos, 1988:33).

Para Wood, se a tendência ocupacional atingir o nível micro, a mudança pode tornar-se irreversível.

Teríamos então genericamente um mercado de trabalho «civil», geral ou não militar, identificado por valores economicístas, e um mercado interno, ao nível da instituição militar, identificado predominantemente por valores institucionais próprios.

Segundo Faris, três fases poderiam ser identificadas na decorrência de vários estudos. “Uma primeira fase tradicional, ao nível da qual a identificação dos

indivíduos (nível micro) é para com a ética da condição militar em geral, vingam a nível

mesmo os valores típicos do modelo institucional:e a divergência é total face à sociedade

«civil». Estaríamos no pólo I do contínuo de Moskos.

Um outro pólo seria a situação na qual os indivíduos (tanto voluntários como membros dos quadros permanentes) estão integrados na instituição militar mas identificam-se com os valores economicístas do Mercado de Trabalho "civil" por via da influência de grupos de referência horizontais, pelo que a instituição militar representa não mais que uma organização produtora de serviços específicos, totalmente convergente face aos valores gerais, portanto sem especificidade relevante.

será o mais provável na intermediação dos extremos propostos pela tese I/O. Esta situação reflecte uma situação na qual os quadros permanentes se identificam predominantemente com o modelo institucional e os voluntários com o ocupacional, desenvolvendo-se uma cisão essencial, em termos da identificação predominante dos indivíduos, na dependência do tipo de vínculo que os liga à instituição militar” (cit. in

Moskos, 1988:57-75).

Moskos e Wood respondem às vozes que, com alarmismo, vêem a

possibilidade da transição do modelo institucional para o ocupacional, que a tese Instituição/Ocupação deve ser entendida como um aviso e não uma previsão, uma cautela e não uma condenação, não constituindo direcção inevitável.

Para eles, o ocupacionalismo seria menos favorável face ao modelo institucional, em três eixos essenciais: desempenho, motivação e responsabilidade profissional.

“Os autores citam estudos empíricos, que concluem que a identificação

institucional contribui para um melhor desempenho e sublinham que determinados tipos de exigências feitas a um militar serão sempre incompatíveis com o estrito interesse individual (é o caso do sacrifício máximo, posto ao nível do dar a própria vida), a figura do líder (que vêem como típico do pólo institucional) motivaria os indivíduos para além do que são supostos fazer enquanto que o gestor (relacionado para os autores com o ocupacionalismo), colocaria a ênfase na realização estrita das tarefas cometidas legalmente ao indivíduo” (Cotton, 1980:40-53).

No âmbito das teses de tendência, no estudo das profissões, tem sido apontada a tendência para a burocratização, tida como a limitação do poder e especificidade profissional, dada pela integração numa organização, face à tradicional independência do exercício da actividade dos profissionais.

Se analisarmos os argumentos desta tese, descortinaremos uma semelhança muito considerável com a tese de Moskos, aplicada à Instituição Militar. “Para os teóricos da tendência à burocratização, em burocracia, a lealdade, para

referir apenas uma das dimensões da sua análise, seria para com a organização, no profissionalismo para com a profissão, o que não se afasta da proposta de Moskos”

(Vieira, 1993:178).

Um contraste de base entre estes dois posicionamentos é, no entanto, de notar: enquanto para este as duas tendências que aponta se incluem no profissionalismo militar, os teóricos da burocratização vêem nesse processo um pendor desprofissionalizante.

ADAPTAÇÃO DO QUADRO DE CHARLES MOSKOS (1988)

Variáveis Modelo Institucional Modelo Ocupacional

Legitimação Valores Normativos Economia de mercado Reconhecimentos social Estima baseada em noções de

serviço Prestígio baseado no nível remuneração e competência Empenhamento

profissional

Difuso; generalista Específico; especialista Grupos de referência

«Verticais» dentro das FA «Horizontais» com ocupações exteriores às

FA Apelos para o

recrutamento

Qualidades de carácter; orientação para um estilo de

vida

Salário elevado; formação profissional, excelência Avaliação dos

desempenhos

Holística e qualitativa Segmentada e quantitativa Base para a progressão

na carreira Posto e antiguidade Níveis de quaVencimentos lificação Modo de compensação Parcialmente não monetário Salários e bónus

Sistema lega! Justiça militar Jurisprudência civil Papéis femininos

Emprego limitado; padrão de

carreira restrito padrão de carreira aberto Emprego abrangente; Esposas Parte integral da comunidade militar Afastadas da comunidade militar Residência Adjacente ao local de trabalho; alojamentos militares Separação entre o trabalho e a residência; Alojamentos civis Estatuto em retired Benefícios e preferências 0 mesmo que os civis

Allen Williams’s e David R. Segal Oxford University Press, New York – Oxford, 2000).