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SOCIOLOGIA MILITAR

CAPÍTULO 2 – OS TEMAS AGLUTINANTES DA SOCIOLOGIA MILITAR

3. Organização Militar

3.1. O recrutamento militar

O recrutamento constitui uma área de indiscutível importância no quadro do estudo da organização militar. Harries, Jenkins e Charles Moskos justificam esta importância através de três razões (1981).

Em primeiro lugar, os tipos de gentes que são recrutados sub-ministram uma valiosa informação sobre as mudanças da composição social das Forças Armadas e sobre as motivações do seu pessoal;

Em segundo lugar, à medida que o corpo de oficiais adquire uma maior representatividade e heterogeneidade sociais, pode tornar-se difícil manter a eficiência organizativa;

Em terceiro lugar, o processo de recrutamento tem, também, um significado fundamental, porque proporciona os meios, para manter viva a organização.

Nos EUA, a decisão de extinguir o serviço militar obrigatório, logo após a Guerra do Vietname, conduziu a um esforço de investigação sobre a provável composição social de umas Forças Armadas constituídas exclusivamente por voluntários. Surgiram então duas escolas de pensamento em conflito:

Um ponto de vista, defendido pelos dirigentes políticos americanos, afirmava que, com adequados incentivos monetários, se poderia recrutar uma força militar constituída na sua totalidade por voluntários que, em termos gerais, seria representativa da sociedade global;

Um ponto de vista oposto sustentava que, numa força militar constituída por voluntários, especialmente no Exército, a maioria dos recrutas seriam jovens escassamente instruídos, procedentes de minorias étnicas. Uma das facetas desta problemática foi a questão da integração racial nas Forças Armadas.

Nos EUA chegou-se a sugerir que “o grau e a qualidade da integração racial

traste com o que sucedia no meio civil” (Moskos, 1966:29).

Porém, os graves problemas surgidos no Vietname e o facto de a percentagem de promoções do pessoal negro ser inferior à dos militares brancos, inclusivamente quando não existiam diferenças nos níveis grupais relativos à educação, suscitaram uma importante investigação crítica, porque se consideraram como sintomas de desorganização social nas Forças Armadas.

Um segundo assunto de debate, nas discussões sobre o serviço militar voluntário, é o papel da mulher nas Forças Armadas. Essencialmente, três pontos têm suscitado o interesse da investigação social, segundo Jenkins e Moskos (1981).

Avaliação do papel da mulher, numa dupla perspectiva histórica e contemporânea; análise de problemas organizativos, como, por exemplo, custo relativo, socialização, moral e desgaste e eficiência operacional; implicações que têm para a sociedade as mudanças na composição humana, da organização militar.

Outro aspecto da preocupação, pelos problemas gerais do recrutamento, diz respeito à qualidade de vida nas organizações militares.

O ponto de partida das discussões sobre este aspecto relaciona-se com a premissa de que “as organizações militares, ou algumas das suas partes, devem ser

autoritárias, hierarquizadas, disciplinadas e austeras” (Jenkins & Moskos, 1981:10).

Dado que se tem vindo a desenvolver o interesse da sociedade pela qualidade de vida nas organizações industriais, na intenção de melhorar as condições de trabalho, a questão é saber se tais melhorias são necessárias na organização militar. A importância desta questão resulta (segundo os autores supracitados).

Em primeiro lugar, da ênfase conferida à compatibilidade dos papéis laborais militares e civis. Esta ênfase é sobretudo marcada nos países com Forças Armadas voluntárias; em segundo lugar, do intento de "humanizar" a qualidade de vida militar.

É neste «processo humanizador» que se situa o controverso problema do associativismo militar e, em última consequência, dos sindicatos.

Os estudos desenvolvidos nesta área têm abordado, predominantemente, três questões; “uma pergunta inicial é se o sindicalismo militar constitui indicativo de

uma abertura de uma organização fechada” (Dornbusch, 1955:15); uma discussão

complementar relaciona a pergunta anterior com o debate convergência- divergência.

A ênfase no desenvolvimento dos sindicatos militares pode identificar-se como uma consequência lógica da mudança de um sistema fechado para um sistema aberto.

Mas, uma tal atitude não deixa de ser paradoxal. “Como assinala Raymond

Aron, será lógica em relação com o espírito dos governos democráticos. Mas paradoxal com respeito à necessária hierarquia de um complexo aparelho técnico-militar” (cit. in

McGibbin, 1976:11).

Uma outra pergunta é se o desenvolvimento do sindicalismo militar não poderá vir a ser sintomático de um afastamento do modelo institucional da organização militar para um modelo de tipo ocupacional.

Cada sistema militar deve responder a imperativos não só militares como sociais, afirma Kurt Lang. “A forma de recrutamento e de utilização das tropas deverá

ter em conta, para além das necessidades militares, o contexto social. A organização concretiza-se através duma estrutura dual: uma organização formal como qualquer outra Unidade social com objectivos específicos, e uma organização social, entendida como rede de relacionamentos entre os indivíduos e os grupos, que promove a integração de uns e de outros na sociedade matriz” (Lang, 1972:27).

As Forças Armadas são organizações complexas, com muitos pontos de semelhança com organizações civis de grandes dimensões e complexidade. Existe contudo uma diferença fundamental: as forças militares organizam sistemas de ameaça e produzem contra-força. O cálculo da «violência legítima» é específico da instituição militar e não deve ser colocado ao mesmo nível de outras características que possam distinguir as organizações militares das civis.

Por outro lado Segal faz notar que “a convergência ou semelhança estrutural

está em correlação negativa com a interdependência das instituições militares-civis. A especificidade, a definição e divisão de funções seria assim factor de necessária abertura

em relação ao exterior; pelo contrário a convergência, a nível das estruturas, sobretudo tecnológicas, poderá levar as instituições militares a uma auto-suficiência perigosa”

(Segal, 1974:157).

O recrutamento é um aspecto fundamental para a sobrevivência de qualquer organização. “Pelo que diz respeito às Forças Armadas, a profissionalização

implicou uma profunda transformação nos critérios de recrutamento do corpo de oficiais a literatura sobre o recrutamento, entre os anos 60 e 70, debruçava-se de preferência sobre a questão «serviço obrigatório ou serviço voluntário». Ultimamente tem sido dada maior importância ao estudo dos problemas relativos ao recrutamento voluntário”

(Janowitz, 1972:167).

Van Doorn fala do declínio do «exército de massas» devido à adopção, cada vez mais explícita, do sistema do voluntariado, o que pode causar uma diminuição da representatividade social e um reforço de ideologias conservadoras no seio das Forças Armadas.

“A partir da década de 60 verificou-se nos EUA um extraordinário desenvolvimento dos estudos das instituições militares e da conexa problemática da guerra, no âmbito das ciências sociais, nomeadamente no domínio da Sociologia. É desde então que surge, mais evidente, a necessidade de atender à relação entre as Forças Armadas e o seu enquadramento concreto, isto é, a sociedade matriz. Começou-se inclusive a falar mais das Forças Armadas e Sociedade do que de Sociologia Militar”

(Baquer, 1988:33).

O autor Charles Moskos (1988) aborda o tema das Forças Armadas como organização social, referenciando uma “mudança de paradigma organizacional

resultante da pressão social a que a instituição militar é sujeita, não obstante a sua

autonomia” (Moskos, 1988:26). Este paradigma consistia no princípio que os militares norteavam a sua carreira por valores de ordem moral, espiritual, mais do que por interesses de ordem material.

Para Harries Jenkins e Charles Moskos (1988), o conceito de Forças Armadas e Sociedade é uma parte importante da análise mais geral das sociedades modernas, análise que reconhece o processo crucial desempenhado

pelas Forças Armadas enquanto instituição que monopoliza a coerção legitimada.

Mas os mesmos investigadores alertam para o facto daquela designação poder resultar demasiado genérica e ocasionar uma dispersão improdutiva, dado que as poucas áreas sociológicas são tão difusas como o estudo das Forças Armadas e a Sociedade.