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SOCIOLOGIA MILITAR

CAPÍTULO 2 – OS TEMAS AGLUTINANTES DA SOCIOLOGIA MILITAR

1. A Polemologia: Principais autores

1.2. A guerra no pós-modernismo militar

O século XX é o século da guerra, o século em que todas as formas de guerra coexistem: guerras mundiais, guerras coloniais, guerras de descolonização, guerras subversivas, guerras revolucionárias, ameaças de guerra nuclear, guerras limitadas.

“É também o século em que a aceleração dos progressos técnicos (a tripla

revolução: a dimensão aérea e espacial, a da energia nuclear e a da electrónica) são susceptíveis de provocar tais danos que a humanidade surge confrontada com o risco da sua própria destruição” (Dufour & Vaisse, 1993:38).

Sobretudo o facto nuclear veio introduzir uma profunda ruptura no domínio da estratégia obrigando a repensar a guerra. A actualidade internacional põe hoje uma nova pergunta: entrámos numa era pós-nuclear?

O fim da guerra-fria trouxe consigo a «paz quente», inclusive no coração da Europa. O jornal Expresso de 4 de Janeiro de 1997 dizia “Em 1997 o «Center

for Defense Information» dos EUA contava 27 conflitos activos, entre os quais 14 de guerra declarada e 6 conflitos de intensidade variável no espaço europeu. Por seu turno, a «National Defense Council Foundation», também dos EUA, estabelecia 64 «pontos quentes» do planeta”.

O pós-guerra Fria, é gerador de uma situação em que “a clara distinção

entre a guerra e paz de novo desapareceu” (Knights, 1997:35), e tem-se revelado, e

promete assim continuar, muito mais instável e violento do que os quarenta anos de Guerra-fria.

Os conflitos armados recrudesceram por todo o mundo, nomeadamente na África sub-sariana, e reacenderam-se na Europa e no Médio Oriente.

Mas o mais importante é que a natureza destes conflitos se alterou. A designação de novas guerras assenta-lhes bem, dado que contrariamente às guerras entre estados por objectivos bem definidos, se trata de “conflitos internos

em que se confrontam o estado e actores não-estatais, num processo de interacção violenta, como resultado de diferenças étnicas, tribais, religiosas ou políticas” (Schultz,

1993:35).

Assim “se é certo que já no decurso da guerra-fria, em particular na África e no

Sul da Ásia, haviam sido desencadeadas novas guerras, foram porém os acontecimentos de 1989 que contribuíram, sem dúvida, para a sua rápida evolução, tanto na Europa como por todo o mundo, devido, fundamentalmente ao desaparecimento de identidades políticas associadas com a Guerra-fria e à disponibilidade de armamento excedente proporcionado pela distensão do pós-Guerra Fria” (Kaldor, 1997:46).

Desta forma a guerra da Bósnia-Herzegovina é com frequência considerada como o arquétipo das novas guerras.

A queda do muro de Berlim, o desmantelamento do Pacto de Varsóvia, o colapso do comunismo, e o fim da confrontação Este-Oeste, constituíram-se como factores que permitiram uma evolução acelerada e positiva do quadro de segurança no continente europeu, com a subsequente alteração da estratégia da Aliança Atlântica e o aprofundamento do processo de construção europeia.

O diálogo, a cooperação; a consulta política, a prevenção de conflitos e a gestão de crises, a par, naturalmente, da modernização de uma capacidade militar de defesa colectiva, são os grandes princípios de acção para a segurança e estabilidade da Europa, a par da preservação do essencial relacionamento transatlântico.

A segurança passou a ser compreendida e traduzida pela integração permanente e efectiva, de todos os seus vectores constituintes, designadamente de ordem política, diplomática, militar, económica, cultural, social, ambiental e tecnológica. Em consequência o papel do factor militar alterou-se.

No que mais directamente se prende com a defesa, isso exige a disponibilidade de meios militares, aptos a serem empregues como expressão

de solidariedade, em obediência a objectivos de política externa, por regra concretizados no quadro multinacional.

Neste quadro de defesa colectiva surgem como prioritárias as missões militares de apoio à política externa, designadamente as destinadas a suportar estratégias de prevenção de conflitos e de gestão crises no exterior.

O uso da Força, tornou-se essencialmente ligado às necessidades do «domínio da informação» e das «armas inteligentes». A partir de então, a configuração das FA’s assume novas características, como o aprimoramento da inteligência, versatilidade, mobilidade, agilidade e velocidade.

Essas novas características da guerra, contribuem para aumentar o hiato tecnológico, e os problemas de inter-operacionalidade entre as forças de dentro ou de fora de um país. Para que isto seja reduzido, investe-se na tecnologia de comunicação, a fim de que as Forças possam «conversar mutuamente».

Pensar as questões político-estratégicas nos dias de hoje, significa adoptar uma concepção onde o caos está presente, fazendo, assim, aumentar a complexidade dos fatos gerados pelos diversos actores envolvidos nos cenários existentes.

O mundo está em constante transformação, como se pode perceber na actual situação que envolve os Estados: soberania, governo, fronteiras, etnias, tecnologia, finanças, media, são elementos que têm modificado as características dos Estados, enfraquecendo-os muitas vezes, embora continuem a existir.

Dentre os factores básicos para a mudança da realidade militar, a sociedade de informação tem um papel central, por causa da sua capacidade de influir directamente no complexo processo de conhecimento, planeamento e tomada de decisão, vitais para estar à frente dos demais competidores.

A situação mundial faz com que os militares actuem como guerreiros; diplomatas; braço da lei; e agentes humanitários.

De acordo com os Toffler “ o mundo precisa de começar a pensar agora não só

em tecnologias mas também no futuro das Guerras pontuais em geral e na forma de guerra da Terceira Vaga” (1994:120) que, para alem de se basear nas tecnologias

de informação, necessita de guerreiros-académicos, com visão globalista da realidade mundial.

Como resultado, “o Exército do século XXI é uma organização em transição. O

nível institucional tem respondido com um desenvolvimento planejado e esforços para modernizar a força, com ênfase em novas tecnologias e missões. Igualmente, no nível do soldado, o Exército está planejando utilizar novas fichas de informações e conceder mais tempo para o adestramento básico” (Gilmore, 1996:96).

Reconhecendo o dilema actualmente enfrentado pelos líderes militares, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais formou um comité, em 1997, para avaliar o Sistema de Educação Militar Profissional (Professional Military

Education) e fazer recomendações.

O comité concluiu que “as escolas militares e universidades devem fazer mais

para ajudar o corpo de oficiais a se adaptar aos rápidos avanços da tecnologia da era da informação e às mudanças da missão da era pós-Guerra Fria.” (Taylor, 1997:1).

Os guerreiros devem ser académicos, de acordo com Segal, porque “a

variedade de actividades militares, que os profissionais das armas terão que abordar, será ampliada… e é provável que isso tenha implicações políticas nos níveis mais baixos do funcionamento organizacional” (Segal, 1993:39).

Isso implica que os líderes pós-Guerra Fria, sejam académicos, porque suas decisões e acções em futuros campos de batalha deverão reflectir a deliberação e o entendimento de relacionamentos sociais e políticos mais amplos. Esse entendimento ajudará a identificar as consequências decorrentes de suas decisões e acções.

“As características do guerreiro são igualmente críticas nos líderes pós-Guerra Fria — especificamente, os oficiais dos escalões subordinados devem continuar sendo capazes de empregar a tradicional força militar. A sugestão de que comandantes militares terrestres ficarão confinados a assuntos técnicos militares e políticos dentro de um ambiente de manutenção de paz, indica, por exemplo, uma falha em reconhecer a incerteza operacional” (Dandeker, 1997:327).

Com base nos estudos dos oficiais de maior hierarquia no Exército, Janowitz afirma que os profissionais militares devem ter "uma educação honesta e

realista sobre assuntos políticos" (Janowitz, 1971:428), e que devem seguir padrões

de carreira que os sensibilizem sobre as consequências políticas e sociais das acções militares.

Cedo, na Guerra-fria, Janowitz explicou como e porque uma instituição militar eficiente deve depender de forças militares de elite como um meio de “manter um equilíbrio apropriado entre técnicos militares, líderes heróicos e

administradores militares” (idem, ibidem:428).

A definição do modelo militar, segundo Bellamy defende que, “para a

arte que as novas missões das forças armadas exigem, não se pode deixar de passar por uma prévia análise da natureza, características e consequências das novas guerras; dos diferentes tipos de operações de apoio à paz e outros conflitos armados e consequentemente desenvolver a instituição militar pós-moderna. Só depois será possível concluir sobre um modelo militar consistente e compatível com os imperativos das novas missões, mas também com muitos aspectos convencionais da instituição militar” (cit. in Vieira, 2001:37).

“Os politólogos, consideram como muito improváveis as Guerras gerais e apenas

improváveis as Guerras limitadas, do tipo das Falkland/Malvinas, em 1982, e mesmo da Guerra do Golfo, em 1991” (Knights, 1997:67).

Estas previsões justificam a mudança fundamental, sublinhada por Charles Moskos, na ênfase das forças armadas da defesa do santuário nacional para as operações de apoio à paz.

Por outro lado, acrescenta o mesmo autor, as ameaças à segurança nacional assumem, cada vez mais, dimensões transnacionais, tais como o tráfico de droga, a imigração incontrolável, a degradação ambiental e o terrorismo.

“Entre as características, que distinguem as novas guerras das guerras

anteriores, convirá sublinhar que elas não pressupõem a existência de estados, surgindo da desintegração ou erosão das estruturas estatais caracterizadas pela perda da legitimidade das instituições políticas e do consequente colapso do monopólio da violência organizada; que contam com o apoio externo proporcionado por diásporas, mercenários estrangeiros, máfias ou poderes regionais; que envolvem grupos de paramilitares e grupos de criminosos, dispondo, em geral, apenas de armamento ligeiro,

em investidas dispersas, fragmentadas, acompanhadas pelo desencadeamento de acções de terrorismo selectivo” (Kaldor, 1997:77).

Como paralelo a este fenómeno temos “as operações de paz que

curiosamente não se enquadram ao nível conceptual com a Carta das Nações Unidas pois esta não contém qualquer definição de operações de apoio à paz, assim como nada nela existe que autorize a sua realização” (idem:78).

Reconhecendo que as definições de forças de operações de apoio à paz são quase tão numerosas como os comentadores deste assunto, Charles Moskos, sublinha que no entanto em todas elas se encontram presentes dois temas elementares: “a imparcialidade e a não-coerção, avançando a seguinte definição de

trabalho: componentes militares de várias nações, operando sob o comando de um corpo mundial imparcial e comprometido a um uso mínimo absoluto da força, que procuram reduzir ou prevenir hostilidades armadas” (cit. in Vieira, 2001:39).

Finalmente, a nova tecnologia abriu novos campos de batalha, cuja existência era dificilmente concebível há vinte anos atrás. A defesa americana e os serviços de informações mostram-se extremamente preocupados com a possibilidade de um «Pearl Harbor» electrónico, isto é, um ataque furtivo contra as suas redes de computadores desencadeado por inimigos cujas capacidades ofensivas neste domínio poderão estar a ser subestimadas.

As primeiras escaramuças da guerra cibernética, desencadeadas por uma vanguarda de computadores piratas, já ocorreram, ao mesmo tempo que civis indefesos eram esquartejados à catanada em Monróvia e Kigali. Tais contrastes tornar-se-ão a norma de aproveitamento das tecnologias universais, para diferentes fins militares, em contraste com os contextos sociais.