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TEORIAS E MODELOS DE ORGANIZAÇÃO MILITAR

CAPÍTULO 5 – TEORIAS E PERCURSOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO MILITAR NAS FA’S

1. A teoria Institucional versus a Ocupacional (I/O)

1.2. O modelo ocupacional na pós-modernidade

Como nos alertam Charles Moskos, John Alien Williams e David SegaI, não há a garantia de que o movimento, em curso, de formas de organização militar modernas para formas pós-modernas se mantenha no futuro, há contudo, segundo aqueles mesmos investigadores, uma certeza: a permeabilidade entre estruturas militares e civis prosseguirá.

“Nesta adaptação o profissionalismo militar contemporâneo tem vindo a revelar

transparência e integração de valores com a sociedade envolvente e a demonstrar, no cumprimento das missões de apoio à paz, sensibilidade social, respeito pela diversidade e sentido lato de consciência cívica” (Pinch, 2000:64).

Sem descurar o espírito de guerreiro que anima a função de combatente, predominante na fase inicial da modernidade militar, e a especialização crescente das funções de técnico e gestor, predominantes na fase final do modelo profissional militar pós-moderno, baseado sobretudo na experiência recolhida nas operações de apoio à paz, passou a conferir predominância a um conjunto de actividades emergentes, que podem ser reunidas em três funções gerais, necessariamente interligadas, designadas como função de estudante, função de comunicador e função de diplomata.

Tendo em conta que esta última poderá ser a mais sui generis das actividades pós-modernas, Cristopher Dandeker diz que “a função do militar

diplomata deriva da complexidade dos problemas políticos das operações de coligação que, em conjugação com a redução do tempo para decidir, para os decisores político e militar provocada pela velocidade dos eventos e da sua difusão pelos media, vieram exigir uma mais intima cooperação político-militar, concluindo que o resultado é uma menos clara divisão entre práticas políticas e militares e um desafio às tradicionais ideias do profissional militar como um técnico apolítico” (Dandeker, 1993:35).

Em resultado, os profissionais militares têm que saber utilizar as práticas políticas da mediação e negociação, no seu relacionamento directo com as autoridades e populações locais, as partes em confronto, ONG, e jornalistas, o que exige não só uma experiência escolar preparadora, assim como a

potenciação da capacidade comunicadora.

Nesta lógica de transição de modelo, realizou-se, nos anos noventa um Seminário Inter-universitário sobre Forças Armadas e Sociedade, da Universidade de Chicago, o mais reputado centro internacional de Sociologia Militar, onde os sociólogos, politólogos e historiadores consideraram que assistimos hoje, nas democracias consolidadas, a uma transição acelerada de formas de organização militar, designadas como modernas, para formas pós- modernas.

Concluem que a modernidade militar, em plenitude, no século XIX, estava intimamente associada com o surgir do estado-nação.

Embora a organização militar moderna nunca tivesse assumido um tipo puro, o seu formato básico era a combinação de soldados e postos inferiores conscritos (a milícia), com um corpo de oficiais profissionais, orientada para a missão da guerra, masculina na sua constituição e no seus ethos e claramente diferenciada da estrutura e cultura da sociedade civil.

Em contraste, “a organização militar pós-moderna caracteriza-se por uma

distensão ou afrouxamento dos laços com o estado-nação. O seu formato básico passa a ser uma força voluntária, orientada para outras missões além da guerra, crescentemente andrógena na sua constituição e nos seus ethos”. (Moskos, 2000:40).

Segundo Kurt Lang a pós-modernidade militar caracteriza-se por cinco mudanças organizacionais principais: “A crescente interpenetração das esferas civil

e militar, tanto no domínio estrutural como cultural; A diminuição das diferenças entre os diferentes postos da hierarquia e as funções de combate e de apoio; A combinação de missões de guerra com outras missões que não seriam consideradas militares no sentido tradicional; O empenhamento frequente das forças militares em missões internacionais autorizadas (ou, no mínimo legitimadas) por autoridades que transcendem o estado- nação; A internacionalização das próprias Forças Armadas” (1982:78).

Em consequência, as missões das Forças Armadas surgem agora estruturadas segundo parâmetros fundamentalmente diferentes das relativas certezas da Guerra-fria, passando as operações de apoio à paz a ocupar na doutrina militar uma posição privilegiada.

Normalmente a profissionalização militar é equiparada à socialização profissional, isto é, “como o processo pelo qual os oficiais passam de um estado de

relativo desconhecimento dos problemas práticos e teóricos da profissão a um estado de relativo desconhecimento dos problemas práticos e teóricos da profissão a um estado de esclarecida consciencialização de tais problemas. Com excepção dos processos de socialização antecipada, grande parte desta socialização será resultado da educação, do treino e da interacção com os camaradas” (Mylander, 1974:78).

Kourvetaris e Dobratz interrogam-se; “Quem exerce uma influência maior, a

matriz da experiência social e o próprio desenvolvimento pessoal, antes da entrada nas Forças Armadas ou a transmissão dos conhecimentos militares e o processo de inculcar os valores e pontos de vista militares, durante o período de treino? (Kourvetaris &

Dobratz, 1976:35).

Os estudos da evolução histórica do profissionalismo militar assumem uma importância cada vez maior, como exemplos das transformações históricas de um determinado grupo social.

Um aspecto significativo deste enfoque histórico e sociológico do estudo do profissionalismo militar é que eliminou o conceito da evolução unilinear das Forças Armadas modernas, a partir da organização militar feudal.

Simultaneamente, estimulou a investigação comparativa, recusando qualquer sugestão de que a avaliação do profissionalismo militar possa basear- se fundamentalmente num enfoque histórico.

Este tipo de estudos fomenta um exame crítico das principais tendências no desenvolvimento histórico do profissionalismo nas Forças Armadas de cada nação.

Neste campo têm surgido vários modelos de tradições de profissionalismo. Um dos modelos é o profissionalismo pragmático. Tem como base histórica a premissa inicial de que, no Reino Unido e nos EUA, existiu, por tradição histórica, uma acentuada renúncia a aceitar a necessidade de umas Forças Armadas profissionais e permanentes, consideradas “uma instituição

Na medida em que se denegriu o profissionalismo militar, esta tradição ressaltou os méritos do amadorismo militar, concluindo que “os cidadãos

soldados, totalmente entregues à tarefa de defender o seu próprio território, são militarmente mais efectivos do que os soldados profissionais. O legado desta tradição surge em vários tratados relacionados com o estudo das forças auxiliares e de reserva”

(Zurcher, 1978:23).

Por oposição temos uma abordagem definida como profissionalismo radical, que se identifica fundamentalmente com as tradições históricas da Europa continental, em que a profissionalização militar foi modelada por teorias abstractas e ideias absolutas sobre os objectivos e a eficiência militares. “Têm sido consideradas como características suas a especificidade funcional e a

neutralidade política” (Ekrich, 1956:47).

Também se tem afirmado que esta forma de profissionalização pode ser um símbolo da preferência militar por uma autoridade em que as Forças Armadas são claramente distintas das organizações civis.

“Neste sentido, as Forças Armadas podem ser consideradas como uma

organização quase do tipo feudal com aspectos absolutamente diferentes dos da comunidade em geral. As características da instituição total desta forma de organização militar, a sua capacidade para manter uma grande rigidez interna, a sua preocupação pela manutenção dos limites e dos perigos do isolamento social e do particularíssimo, implicam, todas elas, a criação de fronteiras muito bem definidas entre as Forças Armadas e a Sociedade Civil” (Janowitz, 1973:74).

Inclusivamente quanto à auto-imagem, associada com este profissionalismo radical, não reflecte de uma forma tão evidente esta divergência com a sociedade matriz. Entende-se contudo, que “a profissão das

armas é uma instituição social essencial que oferece um tipo de vida ordenada, ligeiramente distinta das demais, que possui certa elegância” (Hackett, 1962:37).

Por outro lado, o modelo, que equipara o desenvolvimento da profissionalização com a reconciliação do amadorismo e do profissionalismo militar coincide com o enfoque de Janowitz sobre este campo de estudo.

Pormenorizando, este enfoque trata as Forças Armadas como um sistema social em que as características profissionais são variáveis que interactuam entre si e com as condições externas, de tal modo que o sistema se vai adaptando tanto externa como internamente.

“O modelo do profissionalismo radical, no qual o desenvolvimento da profissionalização teve lugar em completo isolamento relativamente aos factores sociais e políticos do resto da sociedade, representa por seu turno, o enfoque de Huntington” (cit.

in Dandeker, 1997:45).

Contudo, o interesse contemporâneo dos cientistas sociais, pelo problema da profissionalização militar, decorre a partir desta justaposição de construções teóricas. Consideram-se de capital importância duas áreas temáticas em particular.

Na primeira, o interesse centra-se nas Forças Armadas como organização, não como profissão, enfoque que reflecte a prioridade histórica da organização sobre a profissão e o domínio dos controlos organizativos. Na segunda, o problema básico pode resumir-se, em linhas gerais, como o mito do profissionalismo militar.

Em meados de 2001, a Oxford University Press publicou, um livro, The

Postmodern Military (significativamente dedicado a Morris Janowitz), entre cujos

responsáveis se encontra Charles Moskos, que, entre outras funções, desempenha a de Presidente do Conselho da Inter-University Seminar on Armed Forces and Society.

Levou a efeito trabalhos de campo, em muitas intervenções das Forças Armadas norte-americanas no estrangeiro, e tem publicado obras de Sociologia Militar, muitas delas de consulta obrigatória para quem estuda as Forças Armadas.

Neste livro, o quadro de análise das características dos militares, na era pós-moderna, é exposto por Charles Moskos, tendo em vista as instituições militares dos países de civilização ocidental.

De acordo com o quadro que apresenta, “a era pós-moderna, na qual nos

que decorre durante a Guerra-fria (1945-1990), que por sua vez se sucede à era moderna, de 1900 a 1945” (Moskos, 2000:46).

Moskos elege onze aspectos fundamentais para caracterizar os militares de cada uma das eras.

“Ameaça percepcionada, natureza da sua principal missão, estrutura das forças,

qualidades predominantes dos militares de cada época em termos de profissão militar,

atitudepública dos civis em relação aos militares, relações com os meios de comunicação

social, dimensão e tipo dos funcionários civis das Forças Armadas, mulheres que integram as Forças Armadas, envolvimento das esposas nas actividades dos militares, admissão de homossexuais nas Forças Armadas e expressão do número de objectores de consciência” (idem:59).

EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MILITAR (SEGUNDO MOSKOS)

Organização militar moderna (1900 – 1945)

Formato básicos = soldados e postos inferiores conscritos + Corpo de oficiais profissionais

Missão de guerra defensiva

Masculina na sua constituição e no seu ethos

O líder combatente como traço dominante do profissional militar Diferenciada na sua estrutura e cultura da sociedade envolvente

Organização militar moderna tardia (1945 – 1990)

Grandes exércitos de massas conscritas e acentuação do profissionalismo militar dos quadros

O militar gestor e técnico

Organização militar pós-moderna (desde 1990)

Força voluntária + recrutamento feminino + pessoal civil Novas missões para além do combate

Crescente andrógena na sua constituição e no seu ethos O militar diplomata e conhecedor do ambiente exterior à instituição

militar

Grande permeabilidade com a sociedade civil

Novas características

Interpenetração das esferas civil e militar Diminuição das diferenças entre postos e funções Missões não consideradas militares em termos tradicionais

Empenho frequente em missões internacionais Internacionalização das próprias Forças Armadas

Processo de civinilização