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A identidade presbiteriana sobre a ética cristã e os costumes

No documento Download/Open (páginas 39-43)

A fim de entendermos os motivos que levaram a IPI a romper o acordo de missão conjunta com a PC (USA), é necessário olhar para questões de fundo teológico, que diferenciam as duas denominações. Há muitos pontos de convergência e semelhança, mas quais os pontos distintivos entre ambas?

Conforme dito anteriormente, existiram originalmente três escolas de reformas paralelas, a dos Reformados (na Suíça), a Luterana (na Alemanha) e a Anglicana (na Inglaterra), que surgiram na primeira metade o século XVI.

1.8.1 O caso dos luteranos

“Os luteranos contaram com o apoio dos príncipes e dos nobres que se voltaram contra o domínio católico-romano”, sendo implementado em territórios alemães que aderiram, tendo o mesmo ocorrido nos países escandinavos, onde se tornou a religião oficial (MENDONÇA, 1995, p. 61). Quanto à questão dos costumes dos luteranos, esta nunca se tornou importante, como no caso dos puritanos e, como estes não afetaram o luteranismo mesmo no Brasil por ser um movimento eminentemente no mundo de influência britânica e norte-americana, não abordaremos aqui o fenômeno na esfera luterana.19

1.8.2 O caso dos anglicanos

Quanto aos anglicanos, “houve uma ruptura com Roma por motivos jurisdicionais, ou seja, a princípio a Igreja na Inglaterra colocava-se sob a autoridade do rei (Henrique VIII), abandonando a autoridade e jurisdição romana papal”. Só mais tarde, a Igreja Anglicana adotou

19 Na verdade um movimento análogo, mas sem o foco nos costumes que ocorreu no luteranismo, mais ou menos

princípios teológicos reformados, embora em termos de aparência (no culto), liturgia e governo continuava a seguir os moldes romanos (MENDONÇA, 1995, p. 61).

1.8.3 O caso dos calvinistas

Quanto aos calvinistas, considerando o foco do nosso trabalho, dois aspectos chamam a atenção, a saber: o movimento puritano e a questão arminiana, ligada ao sínodo de Dort. No que diz respeito ao puritanismo, segue uma definição e comentários, abaixo.

1.8.3.1 Puritanismo

Como a Igreja da Inglaterra se manteve virtualmente católica romana, com um novo chefe, o rei Henrique VIII, todos os hábitos e costumes, inclusive de ordem sacramental, vestimentas, adereços e costumes não foram alterados no início do anglicanismo20.

Mendonça comenta:

A Reforma da Igreja da Inglaterra, sob a influência de Isabel
 I, fora cautelosa porque a rainha não desejava que o abalo fosse grande a ponto de desagradar muita gente. Embora a teologia fosse reformada, o sistema de governo hierarquizado tradicional e as antigas formas de culto foram mantidas. Já durante o reinado de Isabel, havia na Igreja Anglicana um forte contingente de partidários de uma reformam mais profunda na Igreja. Esse contingente era composto por pessoas que haviam fugido para o continente, principalmente para Genebra, durante as perseguições desfechadas pela rainha Maria. Ali entraram em contato direto com movimentos protestantes que tinham ido muito mais longe em suas reformas do que a Igreja da Inglaterra [...]. O partido dos puritanos, como era chamado esse contingente, desejava também que a Igreja adotasse disciplina severa contra clérigos e leigos cuja conduta moral não satisfizesse os padrões elevados de modelo genebrino. Eram esforçados estudantes da Bíblia e calvinistas na teologia. Os puritanos alcançaram vitórias e chegaram a moldar o sentimento religioso do povo inglês, assim como elevaram o ideal político no sentido da luta em favor de um governo constitucional representativo. No entanto, durante os reinados de Tiago I e Carlos I, muitos puritanos emigraram para a América, onde iriam exercer notável influência na construção de uma sociedade como aspiravam. (MENDONÇA, 1995, p. 63-64).

Mendonça continua:

O sistema de governo eclesiástico dos calvinistas puritanos foi muito importante para a expansão do protestantismo, uma vez que sua estrutura era facilmente ajustável a outras situações político-sociais. Isso a história «encarregou de mostrar. Mas o que mais impressionou no puritanismo foi sua

visão do mundo e a sua maneira de nele viver, seu ascetismo austero e sua piedade bíblica (MENDONÇA, 1995, p. 67, grifo nosso).

Como apresentado, embora o foco inicial do puritanismo fosse a independência das Igrejas com relação à Igreja oficial (Anglicana, na Inglaterra), quando vem para os Estados Unidos, com os imigrantes, tal questão, principalmente após a independência em 1776, perde força.

Ser puritano passou a ser, de acordo com Mendonça, enfatizar o asceticismo e a piedade bíblica. Também significava ser presbiteriano, uma vez que a confissão de fé de Westminster, que identifica os presbiterianos, foi escrita por teólogos puritanos, a pedido do Parlamento eleito no reinado de Carlos I. Em outras palavras, até o início das teologias liberais (New School, do seminário de Princeton)21 e mais recentemente a chamada Nova Ortodoxia22, de Karl Barth, já

no século XX, ser presbiteriano era ser puritano, embora existissem puritanos não presbiterianos (congregacionais e batistas, por exemplo).

Antes de concluirmos o olhar sobre o puritanismo, é necessário apresentar dois pontos que Mendonça traz à tona, com relação à influência do puritanismo entre nós. Em suas palavras: “A teologia do calvinismo puritano parece ser a dominante ainda hoje numa extensa área do protestantismo, especificamente naquela que percorre o longo caminho Inglaterra – Estados Unidos – América Latina (MENDONÇA, 1995, p. 68,69).

E ainda:

A famosa alegoria de Bunyan23 contém elementos desviantes da teologia calvinista, devidos às várias influências já sofridas por ele naquela altura do século XVII. Há possibilidade de escolha, por parte do indivíduo, do caminho a seguir (contra a predestinação) e possibilidade de, mesmo no fim da carreira, passar para o lado oposto (contra a graça irresistível e a perseverança dos santos) (MENDONÇA, 1995, p. 68).

Estes últimos pontos serão observados na sequência.

21 Vide Figura 2.

22 Vide capítulo 3.

1.8.3.2 O Sínodo de Dort: a questão monergista

Não só na Grã-Bretanha, onde o calvinismo foi implantado, mas também nos Países Baixos (Holanda), surgiram questões debatidas. Na época de implantação do calvinismo na Holanda, o país havia recém separado da Espanha, de quem era, até então, uma colônia. Existia uma onda de liberalismo na Holanda24 e as restrições à vida civil e às liberdades impostas pelo

calvinismo genebrino não foram facilmente aceitas pela sociedade.

Foi chamado um sínodo da Igreja Reformada dos Países Baixos para discutir o molde que a Igreja holandesa deveria assumir. Houve uma desavença doutrinária entre dois grupos, os calvinistas e os remonstrantes (protestantes, quanto à doutrina calvinista, não no termo geral utilizado normalmente). As posições defendidas pelos que se revoltaram contra as posições calvinistas trazidas ao sínodo representavam um entendimento diferente, que havia sido moldado pelo teólogo Jakobus Arminius, posição conhecida como “arminiana” ou “arminianismo”.

A posição calvinista passou a ser conhecida como “os cinco pontos do calvinismo”, contra as quais se colocaram cinco pontos de discórdia. Elas são, segundo reprodução de um artigo no site do CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs), as seguintes:

O Calvinismo defende a “depravação total”, enquanto o Arminianismo defende a “depravação parcial”. 25

 O Calvinismo defende a “eleição incondicional”, enquanto o Arminianismo defende a “eleição condicional”26

O Calvinismo defende a “expiação limitada”, e o Arminianismo defende a “expiação ilimitada”.27

O Calvinismo defende a “graça irresistível” e o Arminianismo, a “graça resistível”.28

24 Holanda e Países Baixos (nome oficial) são para os fins deste trabalho sinônimos.

25 “Segundo a “depravação total”, cada aspecto da humanidade está contaminado pelo pecado, e por isso, os seres

humanos são incapazes de vir a Deus por iniciativa própria. A “depravação parcial” defende que cada aspecto da humanidade está contaminado pelo pecado, mas não ao ponto de fazer que os homens sejam incapazes de colocar sua fé em Deus por iniciativa própria” (CONIC, 2016, on-line).

26 “A “eleição incondicional” afirma que Deus elege pessoas para a salvação baseado inteiramente em Sua vontade,

e não em nada que seja inerente à pessoa. A “eleição condicional” afirma que Deus elege pessoas para a salvação baseado em sua pré-ciência de quem crerá em Cristo para a salvação” (CONIC, 2016, on-line).

27 “Este, dos cinco pontos, é o mais polêmico. A “expiação limitada” é a crença de que Jesus morreu apenas pelos

eleitos. A “expiação ilimitada” é a crença de que Jesus morreu por todos, mas que Sua morte não tem efeito enquanto a pessoa não crê” (CONIC, 2016, on-line).

28 “A “graça irresistível” defende que quando Deus chama alguém para a salvação, esta pessoa inevitavelmente

virá para a salvação. A “graça resistível” afirma que Deus chama a todos para a salvação, mas muitas pessoas resistem e rejeitam este chamado” (CONIC, 2016, on-line).

O Calvinismo defende a “perseverança dos santos”, enquanto o Arminianismo defende a “salvação condicional”29 (CONIC, 2016, on-line).

Para o presente trabalho, as declarações dos remonstrantes e dos calvinistas e as consequências que o acontecimento do sínodo de Dort trouxe em termos teológicos e em termos de ética cristã são pertinentes. O que estava sendo discutido é o papel na salvação das ações humanas. Para explicar melhor, é preciso passar por dois conceitos: o Monergismo e o

Sinergismo.

Monergismo é, do ponto de vista teológico, um ensinamento calvinista que afirma que

a salvação é fruto da ação de Deus. Ninguém é salvo por alguma obra ou decisão sua, mas pela graça de Deus. Deus escolhe quem quer salvar e salva. O monergismo nega que o homem pode escolher ser salvo ou não, pois é obra exclusiva do Espírito Santo.30

Já o Sinergismo é a doutrina protestante pela qual a salvação do homem é alcançada mediante a colaboração da graça divina com a vontade humana.31

A questão, portanto, que é importante, para estipular uma das causas dos diferentes entendimentos que levaram ao rompimento do acordo da IPI com a PC (USA), é o entendimento mais monergista da Igreja norte-americana, comparado ao entendimento mais sinergista, apesar do caráter calvinista, da IPI.

A razão do entendimento anômalo dos presbiterianos brasileiros em geral, apesar da alegada identidade calvinista destes, será melhor explicada no item abaixo.

Seria como se as Igrejas calvinistas/presbiterianas do Brasil estivessem no Sínodo de Dort, ao lado dos remonstrantes, ao invés de defender suas posições. Mas é preciso ainda entender melhor como pensam os calvinistas (presbiterianos), sob um outro aspecto relevante para nosso estudo, a saber, a Lei.

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