• Nenhum resultado encontrado

A estratégia de penetração social da Igreja Presbiteriana no Brasil do final do século XIX e início

No documento Download/Open (páginas 52-54)

O próximo capítulo trata da evolução do pensamento teológico na Igreja Presbiteriana americana, além do que foi até aqui exposto, especificamente nos acontecimentos que vieram a reorientá-la no século XX. Diferente do ocorrido na Igreja brasileira, outros fatos vieram a influir no pensamento teológico daquele país, como as duas guerras mundiais, o movimento dos direitos civis, a emancipação das mulheres etc. Seria ingênuo afirmar que tais acontecimentos influenciaram a sociedade brasileira na mesma intensidade que a americana, afinal, trata-se de um protagonismo estadunidense na esfera mundial, e o Brasil foi pouco relevante em termos de protagonismo, mesmo ideológico, na primeira metade do século XX. Por isso, o foco está em descrever o ocorrido com as Igrejas Presbiterianas (não houve muita diferenciação, em termos sociais, entre a IPI e sua irmã, a IPB) na primeira metade do século passado.

A verdadeira diferenciação (além das já citadas questões maçônica e dos missionários estrangeiros e sua ingerência) ocorreu somente nos anos 1960, com o advento da revolução de 1964, a implantação da ditadura militar, os movimentos estudantis na Europa dos anos 1968 e seguintes, a Guerra Fria e seu fim, a Queda da Cortina de Ferro, etc.; fatos que influenciaram e diferenciaram ambas as denominações nacionais, pelo menos após 1973.

Desde Ashbel G. Simonton, em 1859, o primeiro missionário presbiteriano no Brasil, o problema de como implantar uma mentalidade americana no povo brasileiro, que trazia um viés totalmente católico, foi abordado. Uma opção era agir por intermédio da educação, eleita como

37 [Cf. RENDERES, Helmut et al. Sai da terra e luz do mundo: cem anos Credo Social Metodista. São Bernardo

do Campo: Editeo, 2009]. RENDERS, Helmut. "Teologia Panprotestante e o 'Evangelho Social' no Brasil". In: OLIVEIRA, Cláudio Ribeiro de Oliveira (ed). Teologia protestante latino-americana: um debate ecuménico. Osório, RS: Edições Terceira Via, 2018. p. 63-88.

estratégia principal para se alcançar a mudança de mentalidade do brasileiro. Mendonça escreve:

A responsabilidade pessoal diante de Deus, implícita na ideia de salvação individual, requer liberdade individual na busca e aceitação de princípios religiosos e, no caso protestante especialmente, no livre exame e interpretação privada da Bíblia. Individualismo e liberalismo andam intimamente unidos. [...] A ideia do individualismo religioso, antagônico ao catolicismo tridentino preso ao magistério da Igreja e à hierarquia, na opinião dos missionários só podia ser disseminada através da educação. É interessante notar que havia uma conotação política intimamente ligada a essa preocupação, o que demonstra profundo amálgama entre a teologia das missões e a ideologia norte- americana. Princípios evangélicos e ideologia norte-americana eram uma coisa só, isso na expressão de um entusiasmado missionário como A. R. Crabtree, do que não temos razões para duvidar, porque está no contexto implícito e explícito dos demais. A partir daqui, podemos compreender o aparente exagero de Moniz Bandeira ao referir-se às missões protestantes americanas, através de seus colégios, como um dos instrumentos da ação colonizadora norte-americana no Brasil, comparando-as com a catequese Jesuítica em relação a Portugal, no início de nossa história (MENDONÇA, 1995, p. 159,160).

A visão protestante foi muito bem-recebida pelas elites brasileiras, como diz Mendonça: Na época em que as missões protestantes se estabeleceram definitivamente no Brasil, já se esboçavam desejos de modernização, de encaminhamento da vida política nacional no sentido da civilização anglo-saxônica como consequência da expansão capitalista dos países protestantes. De maneira que a ideologia do protestantismo norte-americano foi bem recebida pelas elites dirigentes, não faltando mesmo o apoio de alguns expoentes da vida nacional da época. [...] a educação nos colégios protestantes reproduzia os padrões da ideologia norte americana do individualismo, do liberalismo e do pragmatismo. Não desconheceram os missionários, logo de começo, o formidável obstáculo que representava a civilização católica, transplantada da Península Ibérica pelos jesuítas logo no começo da colonização. Transplantar para cá e ver medrar aqui a cultura norte-americana era tarefa de gigantes. Recursos materiais e humanos empregados nisso foram grandes, ainda que não avaliados. [...] Como a elite nacional era cliente da educação jesuítica, era necessário conquistar essa clientela. Bons e modernos colégios seriam forte atração para um povo que vivia numa época de busca de um novo polo de orientação. Daí ser uma constante nos relatos dos cronistas protestantes as entusiasmadas referências à aceitação, por parte das elites, dos seus estabelecimentos, que tinham por bandeira o ensino moderno e mais eficiente do que o tradicional [...] O historiador batista Crabtree entende que o conflito de sistemas, com a cultura católica e a cultura protestante colocadas frente a frente no Brasil, só seria resolvido se a educação evangélica comprovasse sua superioridade. Somente a doutrinação religiosa não seria suficiente para a solução do conflito a favor dos protestantes. [...]. Se nas bases, isto é, nas congregações locais preponderantemente rurais, era necessário alfabetizar para tornar possível o culto e a instrução diretamente religiosa, nas cidades era preciso educar as elites para aquela transformação de mentalidade que estava presente nos

objetivos missionários. O analfabetismo popular e a falta de preparo da classe dirigente eram fatais para o desenvolvimento dos ideais republicanos e democráticos. Para um presbiteriano, essas deficiências não somente dificultavam o funcionamento eclesiástico, que na sua forma já era um início de prática política democrática, mas impediam também o país de pôr em ação suas próprias leis (MENDONÇA, 1995, p. 163,164).

Mendonça conclui suas observações descrevendo o meio de crescimento e modus operandi da Igreja protestante no Brasil, que foi o método utilizado pelos presbiterianos até a década de 1960. Mendonça resume:

Procurei mostrar que a estratégia missionária protestante não podia prescindir da educação para atingir a sociedade brasileira, pelas próprias características do protestantismo. O livre exame, um dos princípios da Reforma, exige que o indivíduo tenha acesso direto ao texto sagrado. A ideologia americana, em expansão, procurava atingir, de modo indireto e por saturação, as classes dirigentes, intelectuais e políticas. Mais precisamente, contribuir para a construção de uma civilização cristã protestante, no modelo anglo-saxão. Era uma missão divina. Desse modo, as escolas paroquiais tinham função de apoio à pregação conversionista, e os colégios a de introduzir a nova ideologia (MENDONÇA, 1995, p. 167).

Esta estratégia, obviamente, acabou por elitizar o presbiterianismo, que não conseguiu sensibilizar as massas, tampouco incutir uma visão mais “social” a seus membros.

No documento Download/Open (páginas 52-54)