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A igreja ora (4:23-31)

No documento A Mensagem de Atos - John-Stott (páginas 109-116)

Uma vez soltos, procuraram aos irmãos e lhes contaram quantas coisas lhes haviam dito os principais sacerdotes e anciãos. 24Ouvindo isto, unânimes levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor, que fiz este o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há; 25que disseste por

intermédio do Espírito Santo, por boca de nosso pai Davi, teu servo:

Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs ? ' 26Levantaram-se os reis da terra e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido;

27porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e povos de Israel, 28para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram; 29agora, Senhor, olha para as suas ameaças, e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra, 30enquanto estendes a mão para fa z er curas, sinais e prodígios, por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus.

31Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra

de Deus.

Qual foi a reação dos apóstolos diante da proibição e ameaça do conselho? Uma vez soltos, relata Lucas, eles foram diretamente aos

irm ãos, p aren tes e am igos em C risto, contaram tudo o que o

conselho lhes havia falado (v. 23), e então, imediatamente eles se reuniram e levantaram a voz a Deus (v. 24a). Eis aqui a koinonia cristã em ação. V im os os apóstolos no Sinédrio, agora os vem os na ig reja. Tendo sido diretos no testem unho, foram igualm ente d ireto s na oração. A p rim eira palavra foi D espotes (Soberano

Senhor), termo usado para denominar um proprietário de escravos

e uma autoridade de poder inquestionável. O Sinédrio podia fazer ameaças e proibições, e tentar silenciar a igreja, mas a autoridade deles estava sujeita a uma autoridade maior. Os decretos dos hom ens não podem passar por cima dos decretos de Deus.

Em seguida observamos que, antes de fazer qualquer pedido, o povo encheu a mente, pensando na soberania divina. Primeiro, ele é o Deus da criação, q u e fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles

há (v. 24). Segu ndo, ele é o Deus da revelação, q u e fa lo u por intermédio do Espírito Santo por boca de ... Davi, e que no Salm o 2

(reconhecido como messiânico já no primeiro século a.C.) tinha p red ito a oposição do m undo ao seu C risto, com g entios enfurecidos, povos imaginando coisas vãs, reis se levantando e autoridades ajuntando-se contra o Ungido do Senhor (vs. 25-26). Terceiro, ele é o Deus da história, que fez com que até os seus inimigos (Herodes e Pilatos, os gentios e os judeus, unidos numa con spiração contra Jesus, v. 27) fizessem tudo o que a m ão e o

propósito de Deus predeterminaram (v. 28). Portanto, era assim que a

igreja prim itiva entendia o Deus da criação, da revelação e da história, cujas ações características são resumidas em três verbos: "fizeste" (v. 24), "disseste" (v. 25) e "predeterm inaste" (v. 28).

Somente agora, com uma clara visão de Deus, e com humildade perante ele, estavam finalm ente prontos para orar. Lucas nos relata três pedidos principais. O primeiro era que Deus olhasse para

as suas ameaças (v. 29a). Não era uma oração pedindo que suas

am eaças caíssem sob o julgam ento divino ou que não fossem cu m p rid as, para que a igreja pudesse perm an ecer em paz e segurança, mas simplesmente que Deus olhasse para elas, que se lembrasse delas. O segundo pedido era que Deus os capacitasse a serem seus servos (literalm ente, "escrav os") para falar da sua Palavra com toda a intrepidez (v. 29b), que não fossem impedidos pela p roibição do Sinédrio nem tem essem suas am eaças. A terceira petição era para que Deus lhes estendesse a mão para fazer

curas, sinais e prodígios, por intermédio do nome ... de Jesus (v. 30).

Como ressaltou Alexander, "agora eles não exigiam milagres de vingança ou destruição, como fogo dos céus,30 mas, sim, milagres de m isericórdia".31 Além disso, a palavra e os sinais deviam vir juntos; os sinais e os milagres confirmavam a palavra proclamada com intrepidez.

Em resposta a essa oração sincera e unânime: 1) tremeu o lugar e, segu ndo com entou C risóstom o, "aq u ilo os tornou m ais in abaláv eis";32 2) todos ficaram cheios do Espírito Santo; e 3) em resposta ao seu pedido específico (v. 29), anunciavam a palavra de

Deus, com intrepidez (v. 31). Nada se diz neste contexto em relação

ao outro pedido específico - os m ilagres de cura (v. 30) - m as provavelm ente seria legítim o ver a resposta em 5:12: "M u itos sinais e prod íg ios eram feitos entre o povo, pelas m ãos dos apóstolos."

ATOS 3:1 -4:31

Conclusão: sinais e prodígios

Provavelm ente, os três aspectos m ais notáveis da narrativa de Lucas em Atos 3 e 4 são: 1) o milagre de cura espetacular e a oração por m ais m ilagres, 2) a pregação cristocêntrica de Pedro e 3) o início da perseguição. Uma vez que o testemunho de Pedro acerca de Cristo já foi considerado em detalhes ao longo da exposição, e tam bém que voltarem os a falar sobre esse assunto no próxim o capítulo, vamos nos concentrar nos milagres.

A controvérsia atual sobre os sinais e prodígios não nos deve levar a uma polarização ingênua entre os que são a favor e os que são contra. Pelo contrário, deve-se com eçar no vasto campo de concordância que existe entre nós. Todos os cristãos bíblicos crêem q u e, apesar de a fid elid ad e do C riador ser rev elad a na uniformidade e na regularidade do seu universo, que são a base in d isp en sáv el do em preendim ento cien tífico , ele, às vezes, tam bém se d esvia das norm as da n atu reza, p ro v o can d o fenômenos anormais que chamamos de "m ilagres". Mas chamá- los de "desvios da natureza" não é depreciá-los (como fizeram os deístas do século XVIII) como se fossem "violações da natureza" que não podem acontecer e, portanto, não aconteceram e não acontecem. Não, a nossa doutrina bíblica da criação, segundo a qu al D eus fez tudo de um nada in icial, exclui esse tipo de ceticismo. Como diz Campbell Morgan, "admitindo a veracidade dos primeiros versículos da Bíblia, não há dificuldade alguma em relação aos m ilag res".33 E m ais, se crem os que os m ilag res relatados na Bíblia, e não somente em Atos, aconteceram , não existe motivo a priori para afirmar que não podem ocorrer hoje. Não temos a liberdade de ditar a Deus o que ele pode ou não fazer. E se h esitarm o s diante de algum as evid ên cias de "sin a is e prodígios" hoje em dia, precisamos conferir se não confinam os D eu s e nós m esm os na prisão da d escren ça racion alista ocidental.34

O fam oso expoente do ensino de "sin ais e p ro d íg io s" dos nossos dias é John Wimber da Vineyard Fellowship, na Califórnia. Ele e Kevin Springer resumiram sua posição em Power Evangelism (1985) e Pozver Healing (1986). Apesar de ser impossível fazer ju s a essas obras em apenas algumas frases, suas idéias principais são: 1) Jesu s inaugurou o reino de Deus e dem onstrou sua vinda através de sinais e m ilagres, e quer que nós p roclam em os e dram atizem os o seu avanço de modo sim ilar; 2) os sinais e os

prodígios eram "acontecim entos cotidianos na época do Novo Testam ento" e "parte da vida diária",35 servindo para ilustrar "a vida cristão n orm al" também para nós; e 3) o crescim ento da igreja em Atos era causado, em grande parte, pela predominância dos m ilagres. "C ato rze vezes em A tos, os sinais e m ilag res ocorreram ligados à pregação, resultando no crescim ento da ig reja. E m ais, em vinte ocasiões o crescim ento da ig reja foi resu ltad o direto dos sinais e p rod ígios efetu ad os p elos discípulos."36

John W im ber defende sua argum entação com sinceridade e empenho. Mas algumas perguntas permanecem em aberto. Deixe- m e expor três, relacionadas ao presente estudo de A tos. Em prim eiro lugar, será que os sinais e prodígios são o principal segredo do crescimento da igreja? John Wimber fornece uma lista de catorze ocasiões descritas em Atos, nas quais, segundo ele, os

sin ais e p r o d íg io s aco m p a n h a ra m a p reg a çã o e "p ro d u z ira m u m

crescim en to evan g elístico na ig reja ". U m ou dois são casos indiscutíveis, como quando as multidões samaritanas "atendiam , unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava" e assim "deram crédito a Filipe" (8:6, 12). Em vários outros casos, porém , a ligação entre os m ilag res e o crescimento da igreja é feita por John Wimber, e não por Lucas. Por exem plo: analisando os únicos dois casos que ele cita dos capítulos que estudamos até agora, não há evidência no texto de que os fenômenos pentecostais de vento, fogo e línguas (2:1-4) foram a causa direta das três mil conversões do versículo 41, nem que a cura do coxo (3:lss.) foi a causa direta do crescimento que fez o grupo chegar a cinco mil (4:4), como alega John Wimber. Lucas parece atribuir o crescimento muito mais ao poder da pregação de Pedro. N esse sentido, toda evangelização verd ad eira é "p o d e ro s a ", pois a conversão e o novo n ascim en to , e conseqüentemente o crescimento da igreja, só podem acontecer pelo poder de Deus, através de sua Palavra e de seu Espírito.37

Em segundo lugar, será que os sinais e prodígios devem ser "aco n tecim en to s co tid ian o s" e fazer parte da "v id a cristã n o rm a l"? C reio que não. Os m ilagres não som ente são, por definição, "anormalidades" e não "normalidades", como também o livro de A tos não fornece evidências de que eram m uito difundidos. A ênfase de Lucas está no fato de que eles eram feitos principalmente pelos apóstolos (2:43,5:12), e especialmente pelos apóstolos Pedro e Paulo, nos quais ele concentra sua atenção. É

ATOS 3:1 - 4:31

verdade que Estêvão e Filipe também fizeram sinais e prodígios, e talvez outros tenham feito. Mas podemos alegar que Estêvão e Filipe eram pessoas especiais, não porque os apóstolos tinham imposto suas mãos sobre eles (6:5-6), mas porque cada um recebeu um p ap el sin g u lar no estabelecim en to dos fu n d am en tos da missão mundial da igreja (veja 7:lss. e 8:5ss.). A ênfase da Bíblia certamente repousa no fato de os milagres acontecerem ao redor dos principais agentes da revelação divina em novas épocas de revelação; em específico citemos Moisés o doador da lei, os novos testem u nhos proféticos representados por Elias e Eliseu , e o m inistério messiânico de Jesus e os apóstolos, fazendo com que Pau lo se referisse aos seus m ilagres com o "cred en cia is do apostolado".38 Hoje, pode muito bem haver situações em que os m ilag res sejam apropriados nas frentes m issio n árias, p o r exem plo, e em uma atmosfera de total descrença que exija um encontro poderoso entre Cristo e o Anticristo. Mas as próprias Escrituras afirmam que serão ocasiões especiais, e não "parte do dia-a-dia".

E em terceiro lugar, será que os sinais e prodígios anunciados hoje estão à altura dos relatados no Novo Testam ento? Alguns estão, pelo menos aparentemente. Mas em seu ministério público, tran sfo rm an d o água em vinho, acalm ando a tem p estad e, multiplicando pães e peixes, e andando na água, Jesus nos dá um vislumbre da submissão final da natureza a ele - uma submissão que não pertence ao "já agora" mas ao "ainda não" do reino. Não d evem os, portan to, esperar essas coisas hoje. N em devem os esperar sermos miraculosamente libertos da prisão por um anjo do Senhor ou verm os m em bros da igreja sendo m ortos com o Ananias e Safira. Além disso, os milagres de cura nos Evangelhos e Atos apresentam aspectos que poucas vezes se manifestam hoje, m esm o no atual movimento de sinais e prodígios.

Deixe-me voltar a Atos para ilustrar isso, e tomar a cura do coxo como exemplo. Essa é a primeira e mais detalhada cura milagrosa relatada no livro. Ela contém cinco características notáveis que, juntas, indicam qual é a visão neotestamentária de um milagre de cura. 1) A cura era de uma doença orgânica grave, e não podia ser vista como uma cura psicossomática. Lucas insiste em explicar que o homem era coxo de nascença (3:2), tinha mais de quarenta anos (4:22), e era tão inválido que precisava ser carregado para todos os lugares (3:2). Humanamente falando, aquele era um caso p erd id o. Os m édicos nada p od iam fazer por ele. 2) A cura

aconteceu através de uma palavra de ordem direta em nome de Cristo, sem o emprego de nenhum recurso médico. Nem sequer a oração, im posição de mãos ou a unção de óleo foram usadas. É verdade que Pedro estendeu a mão para ajudá-lo (3:7), mas isso não fazia parte da cura. 3) A cura foi instantânea, não gradual, pois imediatamente os pés e os artelhos se fortaleceram, e ele saltou e começou a andar (3:7-8). 4) A cura foi completa e permanente, não parcial nem temporária. Isso é afirmado duas vezes. O hom em obteve "saú de p erfeita", disse Pedro à m ultidão (3:16), e m ais tarde encontrou-se diante do Sinédrio, "completamente curado" (4:10, BLH ). 5) A cura foi pu blicam ente recon h ecid a com o in q u estion áv el. Não havia nenhum a dúvida a resp eito. O m endigo coxo era bem conhecido na cidade (3:10, 16). Agora estava curado. Não foram apenas os discípulos de Jesus que se convenceram disso, mas também os inim igos do evangelho. A multidão ainda descrente se encheu de admiração e assombro e o Sinédrio o chamou de "sinal notório" que não podiam negar (4:14,

16).

Tomando, pois, as Escrituras como guia, evitaremos extremos opostos. Não diremos que os milagres "nunca aconteceram" nem que são "acontecim entos cotidianos", não os considerarem os "im p o s s ív e is " nem "n o rm a is". Pelo con trário , estarem os inteiramente abertos ao Deus que opera tanto através da natureza qu anto dos m ilagres. E, havendo um m ilagre de cura, esperarem os que esse se pareça com os dos Evangelhos e Atos: uma cura instantânea e completa de uma doença orgânica, sem o em prego de recursos m édicos ou cirúrgicos, desafiando uma investigação e convencendo não-crentes. Pois foi esse o caso do coxo de nascença. Pedro tomou essa cura milagrosa como base para o seu serm ão dirigido à m ultidão e sua defesa perante o Sinédrio. A palavra e o sinal, juntos, deram um testemunho do nom e singularmente poderoso de Jesus. A cura física do coxo foi uma dramatização vívida da mensagem apostólica da salvação.

Notas: 1. 2 :7 ,1 2 ; 3:10. 2. Dn 9:20-21; At 10:2,22. 3. Josefo, Guerras, V.5.3. 4. W alker, p. 67. 5. L c8:54. 6. Is 35:6.

ATOS 3:1 - 4:31 7. Jo 10:23. 8. Cf. Lc 22:54-62. 9. A lexander, I, p. 109. 10. E.g. Nm 15:27ss., e cf. Lc 23:34; 1 Co 2:8; 1 Tm 1:13. 11. Ap 7:17; 21:4. 12. Ap 3:5. 13. Barclay, p. 32, 14. Cf. Is 43:25. 15. M t 19:28. 16. R m 8:19ss. 17. 2 P e 3 :1 3 ; Ap 21:5. 18. D t 18:15ss., cf. Lc 9:35. 19. E.g. 2 Sm 7:12ss. 20. Gn 12:3; 22:18; 26:4.

21. "Prim eiro do ju d eu ", e.g. 8 m 1:16; 2:9-10; 3:1-2. 22. N eil, p. 88. 23. Cf. L c3:2. 24. Cf. Jo 18:12ss. 25. Lc 20:1-2. 26. Lc21:12ss. 27. Lc 20:17. 28. Jo 7:15. 29. H aenchen, p. 218. 30. L c9:54. 31. A lexander, I, p. 172.

32. Crisóstom o, Hom ilia XI, p. 73. 33. M organ, p. 91.

34. John W im ber, ao qual são feitas outras referências neste capítulo, está certo ao advertir-nos em Power Evangelism (Hodder and Stoughton, 1985; capítulo 5) e Poioer Healing (Hodder and Stoughton, 1986; pp. 28 e 30) da "influência corrosiva da ideologia ocidental secularizada", para que não sejam os "presos na teia do secularismo ocidental".

35. Poiver Evangelism, p. 117. 36. Ibid., p. 117.

37. E.g. 1 Co 2:1-5; I T s 1:5. 38. 2 Co 12:12.

No documento A Mensagem de Atos - John-Stott (páginas 109-116)